As sociedades de imunologia australiana e neozelandesa instaram o governo federal australiano a adiar a campanha de vacinação contra a Covid-19 com a vacina da Oxford/AstraZeneca porque consideram que pode não ser suficientemente eficaz para desenvolver a imunidade de grupo na população. O governo australiano, no entanto, rejeitou essa possibilidade.

“A vacina da AstraZeneca é eficaz, é segura e é de elevada qualidade”, disse o diretor-geral da Saúde australiano, Paul Kelly, citado pelo Finantial Times. “Vai ficar disponível assim que a TGA [Therapeutic Goods Administration] der o avalo, que esperamos que aconteça em fevereiro”, acrescentou, referindo-se à autoridade do medicamento (equivalente ao Infarmed).

Os especialistas que defendem que o uso da vacina da Oxford/AstraZeneca seja adiada até que haja mais dados sobre a eficácia, defendem o uso da vacina da Pfizer/BioNTech ou da Moderna que demonstraram ser eficazes a prevenir a doença Covid-19 (pelo menos casos graves da doença) em mais de 90% dos casos. Nenhuma das três vacinas, no entanto, demonstrou ainda ser eficaz a evitar que uma pessoa seja infetada ou a evitar que um infetado transmita o vírus a outra pessoa. Há especialistas que defendem que se as vacinas não evitam a transmissão também não permitirão alcançar a imunidade de grupo.

Vacina da AstraZeneca/Oxford tem eficácia média de 70%

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“A escolha não é se uma vacina é melhor do que a outra, a escolha é qual é que está disponível numa quantidade maior para permitir proteger e salvar mais vidas este ano”, disse Paul Kelly, citado pelo jornal The Guardian. “E a resposta é: aquela que conseguimos fazer aqui. Não temos condições para vacinas de mARN no país.” O diretor-geral da Saúde referia-se ao facto de a Austrália ter condições para produzir a vacina da Oxford/AstraZeneca, mas não ter forma de garantir as condições de frio exigidas para a conservação das vacinas da Pfizer/BioNTech — que, além disso, está a ser muito solicitada e o fornecimento pode sofrer ruturas.

Adrian Esterman, professor de Bioestatística e Epidemiologia na Universidade da Austrália do Sul, defende que o país deve tirar tempo para avaliar os resultados dos ensaios clínicos com atenção, porque não está numa situação de emergência como outros países. “Noutros países, onde a epidemia é galopante, uma eficácia de 60% seria, ainda assim, muito útil a reduzir a transmissão e a trazer alívio aos serviços hospitalares”, diz num comentário divulgado pelo Science Media Center australiano (AusSMC).

Linda Selvey, professora na Escola de Saúde Pública da Universidade de Queensland, lembra que ainda só existem dados preliminares (e não finais) do ensaio clínico da Oxford/AstraZeneca, que os ensaios já feitos tiveram um problema nas doses e deram resultados completamente diferentes e que há poucos dados de pessoas acima de 55 anos (que seriam as prioritárias na vacinação). “Tendo em conta que a Austrália se pode dar ao luxo de ter uma transmissão mínima de SARS-CoV-2 na comunidade, isto aponta para a importância de se esperar por mais dados antes de determinar o melhor uso desta vacina na Austrália”, diz ao AusSMC.

E se o erro da AstraZeneca e da Universidade de Oxford na vacina contra a Covid-19 for uma coisa boa?

Mas as opiniões entre os especialistas não são consensuais. Hassan Vally, especialista em Epidemiologia na Universidade La Trobe, alinha com o argumento do governo sobre a facilidade de produzir a vacina da Oxford/AstraZeneca dentro de portas e acrescenta que no contexto da pandemia de Covid-19 que atinge todo o mundo, 60% de eficácia é um bom resultado, conforme citado pelo AusSMC.

“Ainda que a evidência seja limitada, alguns estudos indicam que, para controlar a epimedia, a eficácia da vacina tem de ser no mínimo 60% quando a cobertura é 100% e, pelo menos, 80% quando a cobertura de vacinação é de 70%”, diz Abrar Ahmad Chughtai, professor de Epidemiologia na Universidade de Nova Gales do Sul, ao AusSMC. “Se usarmos a vacina da Oxford/AstraZeneca será preciso uma cobertura maior, que pode ser um desafio, mas concretizável.”

A Austrália pretende adquirir 10 milhões de doses da vacina da Pfizer/BioNTech (a primeira a ser aprovada na Europa), 53 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca (que já foi aprovada no Reino Unido), 51 milhões de doses da Novavax (que entrou recentemente na terceira fase dos ensaios clínicos) e não descarta a hipótese de vir a comprar outras vacinas.

A Austrália registou, desde o início da pandemia, 28.647 casos de infeção com SARS-CoV-2, 909 mortes relacionadas com Covid-19 e, neste momento, tem 1.878 casos ativos, dos quais apenas um em estado crítico, segundo dados do Worldometers.