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Um técnico supervisiona os testes de abastecimento e embalagem para a produção em grande escala da vacina AZD1222, numa linha de enchimento de frascos assépticos de alto desempenho na fábrica italiana de produtos biológicos da multinacional Catalent em Anagni, Itália

VINCENZO PINTO/AFP via Getty Images

Um técnico supervisiona os testes de abastecimento e embalagem para a produção em grande escala da vacina AZD1222, numa linha de enchimento de frascos assépticos de alto desempenho na fábrica italiana de produtos biológicos da multinacional Catalent em Anagni, Itália

VINCENZO PINTO/AFP via Getty Images

E se o erro da AstraZeneca e da Universidade de Oxford na vacina contra a Covid-19 for uma coisa boa?

Empresa subcontratada pela AstraZeneca enganou-se nas doses das vacinas, mas quem as recebeu pareceu mais protegido contra a Covid-19. Sorte ou erro útil? Só o tempo (e a ciência) o dirão.

Apenas três dias depois de terem anunciado que a vacina AZD1222 tinha demonstrado uma eficácia média de 70%, a farmacêutica AstraZeneca e a Universidade de Oxford foram obrigadas a assumir um erro. A má notícia era que algumas doses que haviam sido aplicadas aos voluntários do ensaio clínico tinham apenas metade da concentração correta por causa de um erro de fabrico. A boa (e peculiar) notícia era que quem tinha recebido a dose inferior da vacina parecia mais protegido contra o novo coronavírus.

A estranha diferença já tinha sido tornada pública pelo comunicado da AstraZeneca divulgado na última segunda-feira. O documento descrevia que “um regime de dosagem” aplicado a 2.741 participantes “mostrou eficácia da vacina de 90% quando o AZD1222 foi administrado em meia dose, seguido por uma dose completa com pelo menos um mês de intervalo”. Outro regime, esse aplicado a 8.895 voluntários, mostrou eficácia de 62% quando administrado com duas doses completas com um mês de intervalo.

A média da eficácia produzida pelos dois regimes de dosagem foi contabilizada em 70% e esse foi o valor que a AstraZeneca e a Universidade de Oxford apresentaram ao mundo no início da semana. Ao Observador, Pedro Madureira, imunologista e investigador do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3s), tinha explicado o que significava essa percentagem: “No grupo estudado [22.960 pessoas, 11.636 das quais foram vacinadas], daqueles que apareceram infetados, 70% não tinham tomado a vacina”.

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Mas foi a própria apresentação dos resultados que causou estranheza a Miguel Castanho, bioquímico e investigador principal do Instituto de Medicina Molecular: “A referência a um valor médio não tem significado prático. Ninguém fica protegido contra o vírus num valor médio. A forma como a eficácia foi reportada ao público foi surpreendente”, considerou em conversa com o Observador.

Foi a própria apresentação dos resultados que causou estranheza a Miguel Castanho, bioquímico e investigador principal do Instituto de Medicina Molecular: "A referência a um valor médio não tem significado prático. Ninguém fica protegido contra o vírus num valor médio. A forma como a eficácia foi reportada ao público foi surpreendente", considerou em conversa com o Observador. 

Continuava por explicar porque é que num desses regimes de vacinação, a AstraZeneca e a Universidade de Oxford escolheram administrar uma dose e meia. O protocolo publicado pelas duas entidades na página do Serviço Nacional de Saúde britânico dedicado aos ensaios clínicos descreve que o ensaio clínico de fase três consistia na administração de duas vacinas AZD1222 com quatro semanas de diferença, cada uma delas com uma dose de 5×1010 partículas virais.  Ou seja, não fazia parte dos planos iniciais que uma das doses fosse inferior.

Só esta quarta-feira — dois dias depois de Mene Pangalos, líder da AstraZeneca, ter dito à Reuters que a administração de apenas meia dose foi um engano — é que se admitiu oficialmente o que estava por trás desta mudança de planos: afinal, tinha havido um erro de produção e, por isso, alguns dos frascos utilizados no ensaio clínico não tinham a concentração correta de partículas virais.

Numa entrevista ao The New York Times, Mene Pangalos confirmou a notícia e foi ainda mais longe: o engano tinha sido uma “serendipidade”, um acaso útil e agradável. E só foi detetado quando os investigadores da AstraZeneca repararam que alguns dos voluntários não estavam a desenvolver uma resposta imunológica tão expressiva quanto outros participantes. Foi então que contactaram o produtor subcontratado da vacina e o erro de fabrico foi detetado. No entanto, por algum motivo, os voluntários com a resposta imunológica menos forte pareciam mais protegidos do SARS-CoV-2 do que os restantes. Porquê? Já lá vamos.

Certo é que, assim que o erro foi tornado público, levantou-se a questão do risco de poder representar um atraso na aprovação e disponibilização da vacina. Para já, não é possível ter certezas sobre se isso vai mesmo acontecer. AstraZeneca e Universidade de Oxford receberam luz verde dos reguladores para continuarem o ensaio — tal como está a ser feito, com as diferenças de dosagem —, que tratará muito mais dados sobre a diferença de resultados. Só no final poderá perceber-se se a vacina é, de facto, eficaz e se pode ser aprovada.

Para o garantir, a farmacêutica anunciou esta quinta-feira que deverá fazer ainda “um estudo adicional” à escala global. À Bloomberg, o presidente executivo da AstraZeneca assegurou que esse novo passo não deverá significar um processo de aprovação mais demorado por parte das autoridades europeias.

A receita “ideal” para a vacina que pode ter sido descoberta por acaso

Há muitas descobertas acidentais na história da ciência que já resultaram em verdadeiras revoluções para a sociedade. Alexander Fleming descobriu a penicilina, um medicamento atualmente utilizado no tratamento de infeções bacterianas, por acaso, em 1928: o médico queria descobrir um remédio que evitasse a proliferação de bactérias em feridas dos soldados, por isso criou uma cultura de Staphylococcus aureus. Mas deixou-a ao abandono quando foi de férias, fazendo com que a caixa desenvolvesse bolor.

Quando regressou ao laboratório, Fleming percebeu que, ao redor do bolor se tinha desenvolvido, não havia sinais da bactéria. O fungo que compunha o bolor, Penicillium notatum, tinha segregado um produto que impedia a atividade da bactéria — a penicilina, que foi aplicada num humano pela primeira vez em 1941. Era um polícia chamado Constable Albert Alexander, 43 anos, que terá desenvolvido uma septicemia. Como? Há quem fale de um ferida ao podar rosas e há quem indique que Constable Alexander foi ferido durante um ataque de bombardeio.

Visto que, na experiência desenvolvida entre as 2.741 pessoas que receberam uma dosagem inferior da vacina da AstraZeneca e da Universidade de Oxford, a eficácia foi consideravelmente superior do que no grupo que recebeu a dosagem completa, é possível que o erro tenha conduzido a um momento eureka contra a Covid-19? Henrique Veiga Fernandes, investigador em imunologia da Fundação Champalimaud, considerou que, “para as faixas etárias que receberam estas doses inadvertidamente mais baixas, sem dúvida nenhuma” porque são “números muito expressivos”. Erros como este “não são muito normais”, mas “vamos ter altos e baixos, este processo é feito disso”.

Henrique Veiga Fernandes considerou que, "para as faixas etárias que receberam estas doses inadvertidamente mais baixas, sem dúvida nenhuma" porque são "números muito expressivos". Erros como este "não são muito normais", mas "vamos ter altos e baixos, este processo é feito disso".

Mas “mesmo não conhecendo os dados em detalhe, olhando para o que foi comunicado pela AstraZeneca e pela Universidade de Oxford”, é preciso notar que “não havia gente com mais de 65 anos” — a idade máxima dos voluntários era 55 anos — entre o grupo de pessoas que recebeu doses mais baixas: “Isso é importante, porque são os grupos mais suscetíveis e que têm respostas imunitárias menos robustas, fortes, persistentes e protetoras”, justificou o especialista.

Ou seja, o sucesso do primeiro regime de vacinação pode não estar relacionado com a concentração do fármaco, mas simplesmente com a robustez do sistema imunitário dos indivíduos vacinados. Outra hipótese é que esta dosagem em particular seja “mais eficaz em estimular o sistema imunitário ou em mantê-lo alerta, a chamada memória imunológica”, acrescenta Henrique Veiga Fernandes.

É a Universidade de Oxford que está empenhada em descobrir a resposta a este mistério, mas Sarah Gilbert, uma das cientistas envolvidas na investigação, ela está na “quantidade ideal”: “Nem a menos, nem a mais. Quer-se a quantidade certa e é um pouco tentativa e erro“, disse, citada pela Time.

Mas Miguel Castanho alerta que tudo pode não passar de uma “flutuação estatística”, em que os dados recolhidos até agora não são suficientes para espelhar em laboratório o funcionamento real daquele fármaco. E exemplifica: “No início, quando tudo começou, parecia que a discrepância entre homens e mulheres com Covid-19 era muito grande, parecia determinante. Hoje, com muito mais dados, a diferença já não é assim tão significativa. Esse é o efeito que a falta de dados pode ter”.

A “transparência” do erro deve ser uma “mensagem de esperança”

Henrique Veiga Fernandes recorda que, para a comunidade científica, as percentagens de eficácia apresentadas “não querem dizer muito”: “Não temos tido acesso aos dados publicados e não os podemos escrutinar ao detalhe. Mas este episódio também nos deve trazer uma mensagem de esperança: quem vai aprovar ou não a vacina são as mesmas entidades que aprovaram outras vacinas, antibióticos e medicamentos; e que estiveram desde o primeiro momento a acompanhar os ensaios clínicos. A aprovação não acontece se não houver segurança ou eficácia”, afirmou o imunologista.

Organismos como a Food and Drug Administration (FDA), que gere os produtos alimentares e de saúde no mercado norte-americano, e a Agência Europeia do Medicamento já fizeram saber que não aprovariam qualquer vacina contra a Covid-19 que tivesse uma eficácia abaixo dos 50%. É uma exigência considerável se tivermos em conta que a vacina contra o vírus da gripe, por exemplo, chega a ter uma eficácia que ronda apenas os 20% a 30%. Por isso, Henrique Veiga Fernandes diz que os números reportados pela Universidade de Oxford e pela AstraZeneca são “extraordinárias notícias”.

E há motivos para confiar nelas, prossegue: “Um ensaio de fase três que envolve dezenas de milhares de voluntários em duas latitudes diferentes é um esforço que não podia ser executado exclusivamente pela empresa e pela universidade, por isso é que recorreram à prestação de serviços para distribuir a vacina pelos voluntários”.

O erro em causa foi cometido por uma das empresas subcontratadas e, embora não tenham sido descritos ao público imediatamente, foram reveladas às entidades reguladoras. "A transparência entre eles foi total", considerou o imunologista da Fundação Champalimaud.

O erro em causa foi cometido por uma das empresas subcontratadas e, embora não tenha sido descrito ao público imediatamente — “Acho que a melhor maneira de refletir os resultados é numa revista científica com revisão dos pares, não num jornal”, justificou Menelas Pangalos ao The New York Times —, foi revelado às entidades reguladoras, que decidiram que o ensaio devia ser terminado com os dois regimes de dosagem seguidos por engano até ali. “A transparência entre eles foi total”, considerou o imunologista da Fundação Champalimaud.

Só o tempo dirá se a eficácia de 90% reportada entre as duas milhares de pessoas que receberam a dose inferior da vacina é efetivamente uma descoberta positiva, desenterrada de um erro de produção, ou se não é mais do que uma sorte (ou azar) estatística. “Este foi o primeiro ponto de análise após a vacinação, ocorreu 28 dias após a primeira dose. Ainda muito mais pessoas irão ser afetadas e os números irão crescer dia a dia”, explicou Henrique Veiga Fernandes: “Só ao mês 2 ou ao mês 3 é que teremos respostas mais concretas“.

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