A Procuradoria-Geral da República sabia que na 9.ª Secção do DIAP de Lisboa estava a correr um processo por violação do segredo de justiça no caso do e-Toupeira, depois de dois jornalistas terem dado em primeira mão a detenção do assessor jurídico do Benfica, e foi também informada das buscas ao principal suspeito da fuga de informação: um coordenador da Polícia Judiciária que foi, entretanto, constituído arguido. No entanto, garante a Procuradoria, desconhecia que os jornalistas estavam a ser seguidos pela PSP e que as contas de um deles iriam ser passadas a pente fino, depois de levantado o sigilo bancário.
É preciso dizer que este inquérito atravessou duas pessoas no lugar da Procuradora-Geral da República: Joana Marques Vidal, até setembro de 2018 (e, portanto, enquanto eram feitas as vigilâncias aos jornalistas); e Lucília Gago, que assumiu o cargo nesse mês e já o ocupava, por isso, em outubro, altura em que chegou ao processo o relatório das vigilâncias feitas pela PSP.
Num longo comunicado enviado na noite de terça-feira sobre o caso, a Procuradoria esclarecia que, depois da fuga de informação, a 6 de março de 2018, “entendeu-se ser necessário refazer o circuito das mensagens de correio eletrónico transmitidas a propósito” do comunicado público da Polícia Judiciária, que só saiu depois das notícias, “designadamente através do acesso às caixas de correio eletrónico pelas quais circulou, incluindo emails que tivessem sido apagados”. Uma diligência aprovada por um juiz de instrução e que se consumou a 12 de junho de 2019 com uma busca às instalações da PJ. “Desta diligência foi dado conhecimento à Procuradoria-Geral da República”, lê-se no comunicado.
Seriam feitas buscas três meses depois para recolha de elementos adicionais, e em dezembro de 2019, “para apreensão do telemóvel de suspeito” — um coordenador da PJ que seria constituído arguido. E disto também foi “foi dado conhecimento à Procuradoria-Geral da República”.
Em resposta ao Observador, no entanto, a PGR assume que do esclarecimento publicado no site “constam expressamente as duas diligências comunicadas à Procuradoria-Geral da República”, e apenas essas. Assim, Joana Marques Vidal e Lucília Gago não foram informada das diligências que estavam a ser feitas em relação aos dois outros suspeitos, os dois jornalistas da Sábado e do Correio da Manhã, que só foram constituídos arguidos cerca de um ano depois, e que o Observador noticiou: ambos foram seguidos ao longo de dois meses para que se apurasse com quem se relacionavam e as contas de um deles foram passadas a pente fino.
A PGR não responde, ainda assim, à pergunta do Observador, que quis saber se Lucília Gago concordava com a decisão de vigiar e fotografar jornalistas para descobriram com que fontes judiciais se relacionavam.
Ainda segundo o comunicado, a procuradora que liderava a investigação, Andrea Marques, queria “esclarecer as razões” que terão levado, alegadamente, o coordenador da PJ “a fornecer informação sujeita a segredo de justiça” pelo que decidiu passar a limpo as suas contas. Da análise desses documentos, o Ministério Público entendeu determinar, já no início de setembro de 2020, a quebra de sigilo bancário relativamente a Carlos Rodrigues Lima, o subdiretor da revista Sábado.
Há mensagens de outros jornalistas com o coordenador da PJ que estão transcritas no processo
No processo por violação do segredo de justiça em que o Ministério Público ordenou que dois jornalistas fossem seguidos e fotografados pela polícia também constam várias mensagens de telemóvel de, pelo menos, duas outras jornalistas, trocadas com o coordenador da Polícia Judiciária que foi constituído arguido no caso, avança a revista Visão.
A procuradora titular do processo, Andrea Marques, ordenou à PSP que vigiasse de perto e fotografasse o que os jornalistas Carlos Rodrigues Lima e Henrique Machado andavam a fazer, na tentativa de perceber com quem se relacionavam e de onde tinha partido a fuga de informação do processo e-Toupeira. Depois ordenou que fossem feitas buscas à Polícia Judiciária em Lisboa, onde foram apreendidos telemóveis e computadores.
O telemóvel do coordenador da PJ, que foi constituído arguido neste processo, foi enviado para um laboratório privado no Porto para ser sujeito a uma peritagem. E as mensagens que nele constavam foram todas transcritas para o processo, que não está em segredo de justiça. Entre essas mensagens estão algumas trocadas com a jornalista da Visão, Sílvia Caneco, e com a jornalista e ex-editora de Sociedade da SIC Isabel Horta.
“Apesar de a investigação já decorrer há quase três anos, a jornalista da Visão nunca foi chamada ao processo na qualidade de testemunha ou de arguida, desconhecendo o teor dos SMS recolhidos ou, sequer, se se enquadravam no âmbito do objeto do processo – que tinha como objetivo apurar alegadas fugas de informação especificamente no caso e-Toupeira”, lê-se na Visão.
A investigação aos jornalistas Henrique Machado e Carlos Rodrigues Lima começou em março de 2018, depois de ambos terem noticiado em primeira mão, no Correio da Manhã e na Sábado, a detenção do assessor jurídico do Benfica, Paulo Gonçalves, dando também conta das buscas que estavam a decorrer no estádio da Luz. Processo em que a própria procuradora Andrea Marques teve participação, mas que, para a sua superior hierárquica, Fernanda Pêgo, não constituía motivos de suspeição.
A procuradora pediu então uma lista ao magistrado titular do processo e-Toupeira com os nomes de todos os que tinham conhecimento da investigação e das buscas, para depois ordenar à PSP que vigiasse ambos os jornalistas e, assim, descobrir com quem se relacionavam. Os dois jornalistas só foram constituídos arguidos no final de 2020 e início de 2021, enquanto que o coordenador da PJ foi constituído arguido por violação do segredo de justiça um ano antes.