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Ana Gomes agradece que Sócrates a tenha criticado e tenha poupado Marcelo. "É elucidativo"

Este artigo tem mais de 3 anos

"Não vou falar de quem organizou desvio de recursos do Estado". Mas, já falando, é "elucidativo" que José Sócrates "me tenha atacado" e não a Marcelo. Campanha de Ana Gomes segue de batom nos lábios.

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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O ex-primeiro-ministro José Sócrates entrou na campanha com um artigo publicado numa revista brasileira onde ataca André Ventura e, num P.S. (post scriptum, não Partido Socialista) não livra Ana Gomes das críticas. Diz que a ex-eurodeputada “usa a cartada do combate à corrupção sem nenhum respeito pela presunção de inocência” e que “tem toda uma carreira política dedicada à maledicência”. O único que o ex-primeiro-ministro acusado de corrupção poupa nessa carta é Marcelo Rebelo de Sousa que “tem de se defender das maldosas insinuações da candidata”. Música para os ouvidos de Ana Gomes.

“Acho que é muito elucidativo que José Sócrates venha defender o professor Marcelo Rebelo de Sousa e atacar-me a mim”, disse aos jornalistas à margem de uma visita ao INEM, em Coimbra, atacando dois coelhos de uma cajadada só: primeiro, José Sócrates, de quem se procura demarcar porque é um ativo tóxico e que costuma ser usado contra si (uma vez que Ana Gomes foi deputada ao Parlamento Europeu sob a liderança de Sócrates); e, depois, aproveita para pegar na arma e fazer o que mais gosta de fazer nesta campanha — disparar contra Marcelo.

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É que se José Sócrates até saiu em defesa do Presidente da República nesta campanha eleitoral é porque o Presidente da República “não quer falar do BES, da teia de corrupção, da fuga ao fisco, de outra criminalidade financeira e económica, da captura do Estado, e não quer que se fale dos bloqueamentos da justiça relativamente aos mega-processos do BES e da Operação Marquês”. Que é como quem diz, o silêncio de Marcelo é cúmplice de José Sócrates, acusa Ana Gomes.

A candidata, de resto, não poupa nas críticas ao ex-primeiro-ministro e ex-secretário-geral do PS correndo até o risco de incorrer naquilo que, na carta, Sócrates diz que é um constante “desrespeito pela presunção de inocência”. “Não vou dizer mais nada sobre esta matéria”, atirava Ana Gomes perante a insistência dos jornalistas. O objetivo da campanha da ex-eurodeputada socialista, dizia, é “mostrar o que há de positivo e afirmar a importância de lutar pela transparência, contra a corrupção”. Não queria falar, mas falou: “Não vou falar de quem nos organizou o desvio dos recursos do Estado. Quero é falar de fortalecer o Estado onde o Estado precisa de ser forte”. Ataque disferido.

“São 50 anos a meter batom”. E continuam os apelos à convergência da esquerda (para Ventura não ficar em segundo lugar)

Ana Gomes está sempre de máscara. Em todas as visitas que fez este sábado, quer junto à piscina num rooftop do hotel Oásis da Figueira da Foz, quer no interior das instalações do INEM, em Coimbra, a máscara não saiu. Mas, ao final da manhã, quando se reuniu com a Associação Académica de Coimbra num jardim, ao ar livre, resolveu tirá-la. Era o momento ideal para reproduzir — ao vivo — o que já ontem tinha reproduzido no Twitter: o gesto de colocar batom vermelho, que já se celebrizou como um statement contra André Ventura e a favor das mulheres — embora André Ventura pareça estar já a tirar partido desse movimento, aplaudindo a dispersão de votos que daí resulta entre as candidaturas de Marisa Matias e de Ana Gomes.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

“Esperem só um momento, vou só tirar a máscara. E, já agora, vou pôr um batom vermelho, que isto nos dias que correm… Não acham? Até já o sei meter sem [espelho]… são 50 anos a meter batom”, disse perante o recém-eleito presidente da associação académica, João Ascensão, que elogiou o adereço. “Acho que não lhe podia ficar melhor”, disse.

[Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador]

Ana Gomes, de lábios pintados, aproveita Sócrates para criticar Marcelo

O movimento do “batom vermelho” começou por ser um movimento para defender Marisa Matias dos ataques de Ventura, mas tornou-se mais do que isso. A ideia de Ana Gomes é clara: a convergência da esquerda democrática é a única forma de travar “um ataque concertado à democracia”. O apelo parece ser à desistência da candidatura de Marisa Matias em favor da sua, por ser a única forma de a esquerda fica acima de Ventura, mas quanto a isso Ana Gomes é evasiva. Não admite de viva voz que, sozinha, não conseguirá o segundo lugar, nem tão pouco pede à amiga bloquista para desistir, mas deixa o aviso: “Temos de ter memória”. E a memória diz que quando a esquerda se desuniu…

Batom vermelho. BE não quer ouvir falar de geringonça presidencial anti-Ventura

“Quando a esquerda se desuniu abriu caminho as forças prejudiciais ao reforço da democracia”. E “não podemos ser ingénuos”, insistiu. O apelo está lá, mas Ana Gomes não o diz com todas as letras. Até porque não poderia admitir que sem o apoio do resto da esquerda não conseguirá. Daí que diga antes que confia nos portugueses no dia da eleição. Só eles saberão dizer às forças anti-democráticas “não passarão”. E a Marcelo — “que faz o jogo dessas forças, normalizando-as”.

Resta saber se a campanha do batom vermelho, ao funcionar como impulso à candidatura de Marisa, não servirá como impulso à dispersão de votos entre as duas candidatas desta área política. João Ferreira, do PCP, já fez saber que não irá alinhar nessa onda porque os “insultos” de Ventura são “insultos” à Constituição, não a Marisa ou a Ana. Mas Ana Gomes, solidária com as mulheres, está apostada em continuar a dar gás ao movimento. E desafia Marcelo Rebelo de Sousa a pronunciar-se contra esses “ataques machistas e indignos”, colando-o mais uma vez à direita onde, se caminhar um bocadinho, irá encontrar Ventura.

Ventura feliz com o efeito “batom vermelho” à esquerda

Um apoio e um semi-apoio de autarcas do PS

Ana Gomes diz que não lhe “pediu” nada, mas o presidente da câmara da Figueira da Foz, o socialista Carlos Monteiro, quis encontrar-se com a candidata no hotel Oásis Plaza para manifestar a sua simpatia. Não estava previsto, já que o encontro era apenas com a associação SOS Cabedelo, que alerta para os problemas ambientais e da erosão costeira, e que escolheu aquele hotel “megalómano que foi mandado construir por Santana Lopes” para o efeito. Dali, do 16º andar, com uma piscina aos pés e uma vista para o mar em profundidade, o recuo do mar era evidente. Ana Gomes até se lembrou de quando passava férias com a mãe numa “pequena casa em Buarcos”, em que bastava descer umas escadas e já estava na praia. Agora não é assim.

Mas voltando ao autarca socialista que quis dar uma palavra à candidata. Carlos Monteiro chegou atrasado, mas lá chegou e vincou o seu semi-apoio. É que disse-o com os olhos no documento saído da reunião da Comissão Nacional do PS, onde a direção socialista decidiu não apoiar nenhuma das candidaturas mas onde deixou elogios ao mandato de Marcelo Rebelo de Sousa e às restantes candidaturas do espectro democrático, em especial da “ilustre” militante socialista Ana Gomes.

Foi mais ou menos assim: “Não vou dizer qual é o meu sentido de voto, porque estou aqui como autarca e não seria elegante para com os concidadãos, mas há candidatos em que eu não votaria e a embaixadora é uma das candidatas em quem eu poderia votar. Ou poderei“, disse. Ana Gomes sorria e insistia que não estava ali para lhe pedir o seu apoio. E o socialista também não estava exatamente ali a dar-lhe o seu apoio. “Há outros candidatos onde poderia, ou poderei, votar”. Mas Ana Gomes está “dentro do leque em que teria, ou terei, gosto em votar”, disse. Apoia ou não apoia? Carlos Monteiro poderia, ou poderá apoiar.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Da Figueira da Foz, Ana Gomes poderia, ou poderá, ter conquistado um voto. Mas em Coimbra, o voto socialista já é certo. O presidente da câmara, Manuel Machado, não a foi receber, mas o vice-presidente da autarquia, Carlos Cidade, que é líder da concelhia do PS, fez questão de declarar o seu apoio, no meio de um PS dividido. “Qualquer socialista não pode deixar de intervir e votar em Ana Gomes, que é o espaço de referência para o PS nesta campanha eleitoral”, disse. Além de membros do PS local, Ana Gomes contou neste dia, em Coimbra, com a presença de dois dirigentes do PAN, uma dirigente nacional e um dirigente local.

Subsidiodependência? Comunidade cigana? “Menos de 6% dos beneficiários do RSI são da comunidade cigana”

Os apoios à candidatura de Ana Gomes têm aparecido pontualmente, de forma discreta. PAN, Livre e PS vão surgindo a conta gotas. Se na sexta-feira tinha sido a vez do ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos — o primeiro membro do Governo a aparecer publicamente ao lado da candidatura de Ana Gomes — e também de André Silva, deputado do PAN, este sábado foi o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro, líder do PS Porto e próximo de Pedro Nuno Santos e da ala esquerda da bancada socialista, quem apareceu em defesa da sua candidatura.

https://www.facebook.com/108821454323634/videos/319068989444792/

E a defesa foi justamente ao diretor de campanha, Paulo Pedroso, que tem ficado em Lisboa enquanto a mini-comitiva de quatro pessoas  percorre quilómetros pelo país. “Quero lembrar que faz agora 25 anos que Paulo Pedroso coordenou um grupo de trabalho, por iniciativa de Eduardo Ferro Rodrigues, para a criação do rendimento mínimo garantido”, começou por dizer, elogiando a medida que hoje é conhecida por RSI (Rendimento Social de Inserção) — termo que Ana Gomes teve dificuldades em lembrar-se durante o debate desta tarde transmitido no Facebook.

A ideia era falar das políticas sociais de apoio à inclusão e de combate à pobreza, mas o objetivo era maior do que isso. É que André Ventura tem sido muito crítico daquilo a que chama de “subsídiodependência” e o deputado socialista considera que é preciso olhar para os números e mostrar, “com verdade, com números”, que foram estas medidas sociais que tiraram muita gente da pobreza. E que o “fermento do populismo” é “o desgaste social,  que explora a mentira e o medo”.

O tiro pretendia atingir não só André Ventura (“o candidato radical que ouvimos a explorar o ódio às minorias e a raiva social nomeadamente contra a comunidade cigana”), mas também “outros”, disse, numa referência indireta ao líder do PSD Rui Rio que, na sequência do polémico acordo parlamentar de apoio à governação do PSD nos Açores aceitou um dos termos do Chega que falava em “subsidiodependência” e chegou a usar, ele próprio, esse termo.

É aí que Tiago Barbosa Ribeiro vai aos números: “O RSI em 2019, ano pré-pandemia, abrangia 277 mil beneficiários, destes 34% eram crianças, jovens e idosos”, disse, sugerindo que não se pode dizer que crianças e idosos se estejam a furtar ao trabalho e a viver à conta do Estado. Depois, apenas “entre 3 a 6% desses beneficiários é que são da comunidade cigana”, e, entre 2015 e 2019, a pobreza baixou 4 pontos percentuais, e 12,5 pontos percentuais no que diz respeito à pobreza das famílias numerosas. “É importante dizer isto com frontalidade, com verdade, com números, porque os números demonstram o sucesso de muitas destas medidas”, a que junta o complemento solidário para idosos ou o abono de família.

Ana Gomes aproveitou o balanço do jovem deputado socialista para criticar as “décadas de desenfreado liberalismo económico”, que enfraqueceram o Estado e que consolidaram ideias feitas como a ideia de que “trabalhar mais horas é mais produtivo” ou que “a precariedade facilita a empregabilidade”.

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