Na quinta-feira, os cerca de 17 milhões de australianos que utilizam mensalmente o Facebook acordaram com uma rede social diferente. Devido a uma nova lei que foi aprovada na Câmara de Representantes da Austrália — mas que ainda não foi no Senado –, a empresa fundada e liderada por Mark Zuckerberg proibiu todos os utilizadores no país de verem ou partilharem notícias.
O Facebook alega que está a proteger-se porque não concorda com uma legislação que obrigará a empresa a ter de pagar aos media australianos para partilhar hiperligações. Por outras palavras, as hiperligações de sites terceiros que os seus utilizadores partilham na rede social. Já o Governo australiano fala em “bullying” e num “ataque à democracia”. Independentemente do desfecho, as repercurssões já chegaram ao outro lado do mundo. Como é que isto o afeta? Explicamos nas respostas abaixo.
Que impactos esta medida está a ter no meu Facebook em Portugal?
Pode fazer o teste. Se tiver uma conta de Facebook, abra a rede social e vá às páginas da plataforma dos principais jornais australianos. Por exemplo, o The Age, o Daily Telegraph ou o The West Australian. Devido à decisão do Facebook, as páginas oficiais nesta rede social são, atualmente, páginas fantasma. De um dia para o outro, todas as publicações feitas simplesmente deixaram de estar disponíveis. Não há nada para pânico dos gestores de redes sociais destes jornais, só uma breve designação que escapou aos filtros implementados pelo Facebook.
O mesmo está a ter impacto se for a uma das páginas oficiais destes jornais, ou seja, o site oficial, e carregar no símbolo do Facebook para partilha. Esta é uma funcionalidade que, por exemplo, jornais online como o Observador têm (aquele símbolozinho que lhe aparece no topo deste artigo, por exemplo). Agora, ao contrário do Observador, se carregar no ícone semelhante nos congéneres norte-americanos vai aparecer uma mensagem de erro do Facebook com a seguinte justificação: “Esta publicação não pode ser partilhada: Em resposta à legislação do governo australiano, o Facebook restringe a publicação de ligações de notícias e todas as publicações de Páginas de notícias da Austrália. Globalmente, a publicação e partilha de ligações de notícias de publicações australianas é limitada”.
Além destas repercussões globais, na Austrália várias páginas oficias do governo e de serviços públicos, como de corporações de bombeiros, foram apanhados por este algoritmo aplicado ao país. Por um erro que está a ser corrigido, várias destas páginas ficaram também sem conteúdos ou publicações.
O Facebook vai fazer isto em mais países?
Depende das leis que forem feitas e aprovadas. O Facebook, que detém também plataformas como o Instagram e o Whatsapp, além da rede social como o mesmo nome, está a receber críticas por ter bloqueado a partilha de notícias. O primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, descreveu a medida da rede social de Mark Zuckerberg como “intimidação” e um ato para se “desamigar a Austrália” [“unfriend Australia”, numa alusão ao ato de retirar amigos da rede social]. Mesmo assim, apelou esta sexta-feira à empresa para levantar o bloqueio aos utilizadores do país e voltar a negociar com as empresas de comunicação social da Austrália.
Noutros países não tardaram a surgir críticas quanto à medida do Facebook. David Cicilline, o responsável do comité de Congresso do EUA para a concorrência desleal e abuso de posição dominante no mercado, foi outro dos políticos que lançou duras críticas à empresa: foi um ato “não compatível com a democracia”. Neste país a discussão de uma quadro legal mais apertado para plataformas digitais tem sido cada vez mais discutido.
Já no Canadá, o Ministro da Cultura, Steven Guilbeault, afirmou que a medida do Facebook foi “altamente irresponsável”. “Não nos vai impedir de ter legislações semelhantes”, disse. Na Alemanha também houve críticas, com Dietmar Wolff, presidente da associação federal de editores digitais e editores de jornais (BDZV, nas siglas em alemão), a dizer: “É a hora de governos em todo o mundo limitarem o poder de mercado destas plataformas”.
“Bullying à democracia”. Facebook criticado por bloqueio na Austrália
Ainda a empresa de Zuckerberg não tinha acionado esta decisão e, na União Europeia, já havia quem se pronunciasse em alterações às atuais leis para obrigar empresas como a Google e o Facebook a pagar por a órgão de comunicação social por permitirem a partilha e divulgação de hiperligações. Alex Saliba, um eurodeputado socialista por Malta que é um dos responsáveis pela Lei dos Serviços Digitais, conhecida pela siglas em inglês, DSA, e a Lei dos Mercados Digitais, conhecida como DMA, disse recentemente ao Financial Times que a nova lei australiana “balanciaria” os poderes obrigando empresa como o Facebook a pagar por algo que tem gratuitamente. “Acho que é só justo que paguem uma quantia justa”, disse Saliba.
Em 2019, a União Europeia aprovou a controversa Diretiva sobre os Direitos de Autor no Mercado Único Digital, que criou polémica principalmente pelos seus artigos 11 (que ficou o 15) e 13 (que ficou 17). Esta lei, que, como aconteceu na Austrália, teve forte oposição por parte da Google e do Facebook, abriu mais espaço para as empresas de comunicação social, também designadas como publishers, poderem cobrar pelas hiperligações partilhadas noutras plataformas digitais que não os sites nos quais foram originalmente publicados.
O estoniano Andrus Ansip, antigo comissário e vice-presidente da Comissão Europeia, foi uma das principais caras a favor da lei. O agora eurodeputado disse ao Financial Times que não quer voltar a “abrir essa diretiva”, mas que vai ser necessário “olhar” para novas legislações para criar mais clareza para o que foi decidido. Desde que foi aprovada, a diretiva levou estas empresas tecnológicas a celebrarem acordos com publishers na União Europeia.
Foi mesmo uma surpresa a decisão do Facebook?
Não. Em agosto de 2020, quando esta lei ainda esta a ser preparada, William Eston, diretor da rede social para a Austrália e Nova Zelândia, assinava um comunicado no qual dizia: “Presumindo que esta proposta se torna numa lei, relutantemente pararemos de permitir que editores e pessoas na Austrália compartilhem notícias locais e internacionais no Facebook e Instagram. Esta não é a nossa primeira escolha – é a nossa última. Porém, é a única maneira de nos protegermos contra um resultado que desafia a lógica e vai prejudicar a longo prazo, e não ajudar, o vibrante setor de notícias e media da Austrália”.
Em janeiro, ainda a lei não tinha sido aprovada, a Google, outra das grandes prejudicadas com esta decisão, ameaçou que ia retirar o seu motor de pesquisa do país. Contudo, ainda a lei estava a ser aprovada na Câmara dos Representantes, e foi divulgado que a gigante tecnológica estava a negociar com os principais publishers australianos para poder continuar a partilhar hiperligações externas para notícias. Estes negócios significaram, por exemplo, acordos de dezenas de milhões de euros com gigantes organizações de comunicação como a News Corp, de Rupert Murdoch.
No ultimato não cumprido que a Google apresentou, a empresa disse que não seria viável manter o seu motor de pesquisa na Austrália. Ao Senado australiano, a diretora administrativa da Google naquele país, Mel Silva, disse que esta legislação era insustentável e criaria um “precedente perigoso” que obrigaria ao pagamento de links na internet.
O princípio das hiperligações sem restrições entre sites é fundamental para a pesquisa. Com o risco operacional e financeiro incontrolável que significaria a aprovação desta legislação, não teríamos outra hipótese senão fazer com que o motor de busca da Google ficasse indisponível na Austrália”, disse a Google em janeiro.
O caso da Google foi utilizado como exemplo pelo primeiro-ministro australiano para afirmar que é possível resolver qualquer conflito de “boa-fé” e que é possível trabalhar em conjunto com o governo da Austrália para chegar a uma solução.
Austrália apresenta projeto para forçar Google e Facebook a pagarem aos “media”
A proposta do governo da Austrália foi apresentada em julho de 2020 pelo ministro das Finanças australiano, Josh Frydenberg, como um “código de conduta vinculativo”, que deverá regular as relações entre os media e os grupos que dominam a Internet.