O fim da liberdade de expressão na Internet na União Europeia ou a regulação necessária para a compensação justa de artistas e jornalistas? A polémica Diretiva sobre Direitos de Autor no Mercado Único Digital foi aprovada, mas ainda não está em vigor. Podem ter sido precisos dois anos para se chegar aqui, mas até que seja efetivamente lei em Portugal ainda podem passar mais dois anos.

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Segundo o artigo 31º da diretiva, esta só entra em vigor 20 dias depois de ser publicada no Jornal Oficial da União Europeia (o equivalente ao Diário da República português). Contudo, antes disso, ainda tem de passar por uma votação final. Mas esta não era a última? Não. Ainda é preciso ser aprovada no Conselho da União Europeia, onde os representantes dos governos dos Estados-membros se reúnem. Como explica Manuel Lopes Rocha, advogado da PLMJ e especialista em direitos de autor, “não é crível que não passe [nesta votação], porque resulta de um acordo” (a diretiva foi proposta por este Conselho também).

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Há quem ainda tente, como a eurodeputada do Partido Pirata Julia Reda, que foi uma das principais caras da oposição à diretiva, que aqui o voto mude. Contudo, como há um acordo entre a França e a Alemanha e os outros países não devem mudar a sua posição, a votação será mais uma formalidade. Depois disso, é publicada no Jornal Oficial da União Europeia e começa a contar o tal prazo de dois anos. Se o processo for tão rápido como o que levou a esta votação, presume-se que o Conselho da União Europeia reúna novamente a 9 de abril, concluindo esta fase do processo legislativo antes da eleições europeias, que se realizam de 23 a 26 de maio.

Mas e depois deste processo? Como se trata de uma diretiva e não de um regulamento, cada Estado-membro vai ter de criar nova legislação com base nestas regras aprovada (daí o nome ser diretiva, que estabelece diretrizes de caminho a seguir). Cabe então à Assembleia da República decidir como é que esta diretiva vai mudar a lei nacional. “Tudo aquilo tem de ser transposto para a nossa lei e tem de ser uma lei eficaz”, explica Manuel Lopes Rocha.

Por norma, nestes casos, chega à Assembleia da República uma proposta de lei por parte do Governo. É aqui que surgem questões relativamente aos polémicos artigos 15 e 17 (antigos 11 e 13). Os conceitos gerais do artigo 17 e do 15 vão ser mais esclarecidos nesta fase. Que conceitos são? No caso do artigo 17, t da filtragem de conteúdos no YouTube e no Facebook, como “os mais elevados padrões de diligência profissional do setor. No artigo 15, trata-se dos “excertos muito curtos de publicações de imprensa” que são partilhados noutras plataformas, que não as originais, como o Facebook ou Twitter.

Em fevereiro, a ministra da Cultura Graça Fonseca explicou que a posição portuguesa sobre a diretiva ia ao encontro das críticas feitas e assumiu que a única maneira de a ser eficaz seria através da aplicação de filtros automáticos. Nesta altura, o texto final da diretiva ainda não era público. “Os bloqueios automáticos não estão previstos [na diretiva] nem os instrumentos que as empresas e os Estados vão ter. Agora, uma empresa tem a responsabilidade de estar a cumprir a lei”, dizia. O Observador tentou obter mais informações sobre a posição exata deste ministério, agora que a diretiva foi aprovada, mas não obteve resposta até à data de publicação deste artigo.

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Quanto a filtros automáticos, o especialista em direitos de autor não é tão fatídico quanto a este possível requisito. O jurista assume que “cada interessado organizar-se-á como entender” e que, no fim, os representantes de detentores de direitos de autor e empresas como a Google vão chegar a acordo. Manuel Lopes Rocha defende uma posição que tem sido também seguida pela Comissão Europeia: “O que vai acontecer é que as empresas tecnológicas e as entidades de gestão vão ter de criar grandes padrões de conduta e entender-se entre eles”. Atualmente, plataformas como o YouTube já aplicam este tipo de filtros para proteger conteúdos.

Com a nova posição negocial em que se encontram, estas associações vão poder exigir mais às plataformas, caso contrário, não pode haver utilização de conteúdos. Há exceções, que até estão impostas na diretiva, como tem sido referido: o caso dos memes e paródias. Em caso de dúvida cabe aos tribunais decidir, mas isso só acontecerá depois de haver uma lei portuguesa que clarifique o que pode ou não ser partilhado.

Esta terça-feira, a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) — felicitando a lei — afirmou que vai trabalhar com os Estados-membros da União Europeia para “garantir que a diretiva é transposta para a lei nacional de forma consistente com o seu foco e objetivos”. Já a Google, criticando-a, disse o mesmo: “estamos ansiosos por trabalhar com decisores políticos, publishers, criadores e detentores de direitos, à medida que os estados-membros da UE se forem movimentando para implementarem estas novas regras”.

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Ou seja, ainda há lobby a ser feito e a forma como a lei nacional vai transformar em lei estas normas são episódios ainda por ver. Quanto à forma que esta diretiva vai ter em Portugal, pode passar por dois caminhos: ou uma nova lei ou uma alteração ao Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos ainda em vigor. Mas ainda não se sabe qual será a decisão da Assembleia da República.

Para já, vai poder continuar a partilhar conteúdos em plataformas como o YouTube e o Facebook. Depois disso, mesmo que incorra numa infração, caso partilhe algo com direitos de outro autor, estas plataformas passam a ter de responder pelo que fez, a não ser que tenham feito “os melhores esforços para assegurar a indisponibilidade de determinadas obras”, como diz a diretiva.

Além disso, a Google vai continuar a mostrar resultados de notícias como tem feito até agora. O que pode acontecer é ter de dar parte dos lucros, por meio de acordo prévio celebrado, aos detentores de direitos, como jornalistas e empresas de comunicação social, das peças partilhadas.