Autárquicas a passos largos, reivindicações locais a pesarem sobre os ombros, uma crise a exigir capacidade para dar respostas sociais de peso e 16 mil milhões a chegar de Bruxelas. Resultado: pressão do partido do poder para distribuir fundos de maneira favorável a todos os objetivos, eleitorais incluídos. E António Costa a tentar gerir esta pressão, com um discurso perante os deputados socialistas “justificativo” sobre a aplicação da bazuca (que incide sobre o período 2023-2026) e sobre como ela não serve para tudo, mas é apenas um dos instrumentos europeus para resolver problemas. Também tentou aplacar críticas de falta de respostas, por esta via, a três dos setores mais prejudicados pela pandemia: restauração, cultura e turismo. Para estes vai haver um plano nacional. 

Numa reunião à porta fechada com o grupo parlamentar socialista, o líder do partido preocupou-se em detalhar que para responder à crise que saiu da pandemia não existe apenas o Plano de Recuperação e Resiliência — os tais 16 mil milhões — mas também o REACT (o apoio adicional à política de coesão, mais imediato, criado para vigorar até 2022) e o quadro financeiro plurianual que vai deste ano até 2027. Segundo um deputado, o primeiro-ministro mostrou preocupação que as pessoas não estejam a perceber a diferença entre os vários instrumentos de resposta à crise que “não valorizem a bazuca”, precisamente por não dar resposta à obra — que é sempre a mais reivindicada.

A verdade é que António Costa ouviu críticas precisamente por causa desta falta de perceção pública, com um deputado a apontar-lhe o dedo por ter feito vídeos sobre o Plano de Recuperação e Resiliência, mas que foi o único a dar explicações e que já deviam ter sido dadas há mais tempo. À crítica que se ouviu na sala juntam-se outras, mas de deputados que não falaram na reunião e que ao Observador a secundam. “A comunicação foi deficiente por falta de explicação do Governo”, aponta um socialista. “Não se explicou bem”, atira outro dos deputados que participou numa reunião que teve apenas cerca de 30 pessoas presentes, tendo os outros deputados entrado por vídeoconferência. Na sala, por parte do Governo, esteve, além de António Costa, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, e ainda o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro.

O que Costa aproveitou para detalhar neste encontro, segundo outro deputado que participou na reunião, é que este “não é mais um pacote financeiro, mas um plano em que não dá para brincar porque tem regras muito restritas”. A União Europeia definiu como áreas prioritárias para aplicar o PRR as medidas para estimular a economia, a transição climática e a transição digital. Por isso, o primeiro-ministro avisou a quem pede mais obra que “só se for de carácter excecional e estratégico”.

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Já sobre a cultura, uma área onde têm surgido muitas reivindicações, Costa até exemplificou com uma frase deixada pelo eurodeputado comunista João Ferreira, há uma semana, nas redes sociais a propósito da carta aberta do primeiro-ministro ao setor da cultura, acusando-o de mandar o setor “comer transição digital”. Foi precisamente um dos exemplos a que o primeiro-ministro recorreu para lembrar que o PRR “tem regras apertadas” (com uma percentagem obrigatoriamente afeta à transição climática e à transição digital) e que uma coisa – apoios para setores muito afetados pela crise, como a Cultura — não invalida a outra — a aposta na transição digital, como reforma estrutural para o país.

Costa diz que vai haver programa nacional para setores mais afetados (mas não via PRR)

Na intervenção inicial, Costa tentou logo antecipar algumas das questões que poderiam ser levantadas, mas nem por isso deixou de ouvir deputados a reivindicarem afetação de verbas para a cultura, o turismo e a restauração. São três das áreas económica críticas para as quais o primeiro-ministro disse, em resposta a estas questões, que irá ser apresentado “um programa nacional”, explicou ao Observador um deputado que diz que o financiamento deste programa vai ser conseguido através de que ainda sobra do PT 2020 e do novo quadro financeiro plurianual.

Ao Observador, o deputado Luís Testa adiantou ainda que foi explicado aos deputados que “o PRR não financia despesa corrente, mas de capital. Na cultura, por exemplo, não é possível usar este plano para financiar programação artística”, afirma. Ainda assim, o deputado diz que o primeiro-ministro explicou que há medidas identificadas no PRR, mas que “há outras que podem ser incluídas na redação mais alargada”, desde que se insiram naquele espírito da transição digital e energética.

À saída, a líder parlamentar Ana Catarina Mendes voltou a sublinhar este aspeto, ao dizer que o PRR “não pode ser visto como um instrumento isolado, mas na conjugação com todos os instrumentos seja o PT2030, sejam todos os apoios dados ao longo do ano”. Nas declarações que fez aos jornalistas, a socialista fez questão de “sublinhar” que em setembro, quando o tema foi a debate no Parlamento, “o contributo do PSD é que é contra o aumento do salário mínimo em 2021, sem nada contribuir para este plano“. Ainda assim, diz que espera que “nos próximos dias [Rui Rio] possa dizer qualquer coisa sobre ele”.

Sobre a questão da corrupção, tantas vezes associada à aplicação da bazuca, Ana Catarina Mendes diz que isso está acautelado tanto pela comissão independente de transparência criada pelo Governo para acompanhar os projetos “a par e passo”, como pela comissão parlamentar de acompanhamento das medidas Covid que vai também acompanhar as medidas que vão ser tomadas e a forma como os fundos vão ser aplicados e também pelo “desígnio da presidência portuguesa da UE e a diretiva de combate à evasão e fraude fiscais”. “Não temos necessidade de mais leis de combate à corrupção, mas que elas sejam executadas”, afirmou ainda.