A ministra do Trabalho e da Segurança Social diz que não é apenas o impacto financeiro dos diplomas aprovados no Parlamento — e promulgados por Marcelo Rebelo de Sousa contra a vontade do Governo — que está a justificar o finca-pé do Executivo. Segundo Ana Mendes Godinho, está também em causa o “princípio de solidariedade da Segurança Social” e a “ligação dos apoios sociais à história das contribuições“.

Em entrevista ao Polígrafo SIC, esta segunda-feira, Ana Mendes Godinho defendeu que o Governo está, por um lado, preocupado com o impacto financeiro dos diplomas, que adjetiva como “considerável” — de 40,4 milhões de euros mensais, o que daria até ao final do ano 250 milhões de euros, tal como o Observador noticiou. Mas também com “a forma como olhamos os apoios sociais, que deixam de ter ligação com a relação contributiva dos trabalhadores e passam a estar associados a outros valores que não são os valores a que a Segurança Social reconhece este esforço de um sistema de proteção coletiva de que todos fazemos parte”.

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A ministra referia-se ao apoio dirigido aos trabalhadores independentes que viram a atividade suspensa ou encerrada por determinação legal. Até aqui, esse apoio era calculado a partir da base de incidência contributiva registada nos últimos 12 meses. Mas como 2020 foi um ano de pandemia, com restrições que afetaram a atividade de vários trabalhadores, esta fórmula de cálculo deu a muitos o valor mínimo. Tendo isso em conta, a alteração aprovada no Parlamento prevê que o valor atribuído passe a partir do rendimento médio anual mensualizado em 2019.

Segundo Ana Mendes Godinho, o problema do Governo não advém do facto de o valor dos apoios deixar de reportar a rendimentos de 2020 para passar a ter referência a 2019. “Os rendimentos médios de 2020 não são muito menores do que os de 2019. São 50, 70 euros [de diferença], em média. Não é esse o impacto da medida”, argumenta a ministra.

“O que acontece é que deixa de haver ligação entre a prestação do apoio social à contribuição que o trabalhador independente fez“, para passar a ter em conta a faturação. “Um trabalhador que fez descontos de 28 euros tem exatamente o mesmo apoio social de quem tenha feito [descontos de] 100 euros. Ou seja, há um corte com a relação contributiva que o trabalhador teve. O principio da própria solidariedade e da Segurança Social é esta lógica de fazermos todos parte do sistema para termos uma correlação e equilíbrio.” Além disso, os diplomas aprovados “não alargam o universo das pessoas já abrangidas pelos apoios criados”.

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O Governo está agora a “avaliar” a promulgação de Marcelo Rebelo de Sousa, que levanta “uma série de questões que estão a ser analisadas”. A interpretação do Presidente sobre a lei-travão “suscita questões que temos de clarificar”, defendeu.

Na nota em que anuncia a promulgação, Marcelo Rebelo de Sousa diz que, embora os três diplomas impliquem “potenciais aumentos de despesas ou reduções de receitas”, os montantes não estão definidos “à partida” até porque estão “largamente dependentes de circunstâncias que só a evolução da pandemia permite concretizar. E, assim sendo, deixando em aberto a incidência efetiva na execução do Orçamento do Estado”.