Bernardo Moniz da Maia foi confrontado no Parlamento com a execução de um “plano para fugir à dívida” que passou por diluir os colaterais dados ao banco e recuperar o controlo das empresas sobre as quais estavam constituídas garantias dos empréstimos dados à holding Sogema.

O grupo Moniz da Maia é um dos maiores, se não o maior, devedores que geraram perdas no Novo Banco e que já foram cobertas em 270 milhões de euros por injeções do Fundo de Resolução financiadas pelo Estado. A dimensão dos milhões em causa pode ajudar a enquadrar uma audição com perguntas mais acutilantes e  exaustivas, e até intrusivas, e a reação a algumas respostas evasivas e aos frequentes “não me recordo”.

Um dos temas centrais foi a forma como os investimentos florestais e industriais do grupo no Brasil que tinham sido financiados com empréstimos ainda do tempo do Banco Espírito Santo acabaram por “fugir” ao Novo Banco que tinha as ações destas empresas como colateral da dívida. A deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, invocou notas internas do Novo Banco sobre aumentos de capital realizados nas empresas, pelas quais o grupo cedeu a sua posição em 2016. Deste processo resultou a diluição da participação dada como colateral ao banco.

Mariana Mortágua invocou a “estratégia de Joe Berardo” usada para diluir a posição dos bancos (um deles era Novo Banco, mas o principal era a Caixa) na Fundação Berardo (a entidade que detinha as obras de arte e cujas ações tinham sido dadas como garantia) para concluir que foi “um calote” feito à revelia do Novo Banco.

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O empresário recusou a comparação e justificou o aumento de capital junto de novos investidores com a necessidade de fundos para manter as empresas operacionais, afirmando que o banco estava a par. A deputada contraria, usando notas internas que chegaram à comissão de inquérito às perdas do Novo Banco. “Não foi informado e por isso foi para execução judicial”. Bernardo Moniz da Maia contesta as conclusões da deputada, sublinhando que muita da informação do banco citada não está correta. Já quando a deputada do CDS, Cecília Meireles lhe perguntou se o banco que detinha o penhor sobre as ações autorizou o aumento de capital que diluiu a sua posição nestas empresas, afirmou não se lembrar.

E quem eram os novos acionistas da empresas no Brasil? Segundo Mariana Mortágua eram parceiros do empresário a da família em outras sociedades do grupo. Moniz da Maia revelou depois a Cecília Meireles que, para além de conhecer os novos investidores — um deles era gestor das sociedades vendidas — há uma opção de recompra para o grupo Moniz da Maia. O empresário justificou a venda com a necessidade de manter as empresas operacionais depois de os bancos fecharem as portas quando o grupo foi processado pelo Estado brasileiro.

O empresário foi ainda confrontado com a recusa da família em entregar como colaterais as empresas imobiliárias (que estavam fora das garantias dadas), numa proposta de reestruturação feita pelo banco. Moniz da Maia explica que a dita proposta foi feita numa reunião verbal em 2019, mas quando foi confrontado com a proposta formal, o Novo Banco “veio dar o dito por não dito”, exigindo todas garantias adicionais, mas sem dar a certeza de que a reestruturação seria aprovada pelo Fundo de Resolução. “Nas condições em que o banco apresentou. Obviamente foi recusado, porque não sabíamos qual era o resultado final das negociações”.

Empresário está ligado a 2 fundações no Panamá, e através delas, a offshores, mas o “património é zero”

Moniz da Maia não se recorda do banco ter-lhe pedido um aval pessoal, apesar de um documento do Novo Banco, citado pela deputada do CDS, Cecília Meireles, afirmar expressamente que ia tentar obter uma garantia pessoal. O empresário deu uma garantia pessoal a um empréstimo noutro banco, o BCP, e afirmou à deputada do PSD, Mónica Quintela que não tem património em seu nome, para além de participações sociais, o leasing de um carro e uma conta na Suíça arrestada pela justiça brasileira

Uma dessas participações empresariais, a Rockville, está registada nas ilhas Virgens Britânicas sendo controlada por uma fundação cujo nome Moniz da Maia não recorda — entre risos a deputada do Bloco ameaça não sair da sala até ter o nome da referida entidade — os nomes acabam por ser revelados com a ajuda do advogado que acompanhou Bernardo Moniz da Maia nesta audição. O empresário é o beneficiário económico de pelo menos duas fundações registadas no Panamá e detêm as participações sociais em várias empresas. E o património qual é (pergunta de Mariana Mortágua)? “Basicamente é zero, dentro do que conhece das empresas”.

Em resposta ao relator, Fernando Anastácio do PS, Bernardo Moniz da Maia disse que se sente responsável pela dívida de mais de 500 milhões de euros contraída ao BES, ao Novo Banco e agora ao Fundo que a comprou, mas defendeu também que havia formas de resolver o problema, a prazo. Só que não foi possível chegar por diversas vicissitudes. E contestou a acusação de ter atuado de má fé. “O grupo atuou sempre de boa fé”.

Família ofereceu 100 milhões por crédito vendido por 6, mas proposta implicava mais crédito a negócios no Brasil

No arranque da audição, Bernardo Moniz da Maia começou por atacar a decisão do Novo Banco de vender a dívida do grupo com o mesmo nome por apenas 10% do seu valor quando a família fez várias propostas superiores. “Não compreendo porque venderam por tão pouco. Por tudo isto estou aqui como devedor. Não do BES, nem do Novo Banco, mas de um fundo não português quando fiz tudo para não chegar a este ponto”.

Os créditos sobre o grupo de mais de 500 milhões de euros foram vendidos numa carteira de centenas de transações, na operação Nata II, por cerca de seis milhões de euros em 2019.

Segundo Moniz da Maia, o grupo fez uma proposta de 100 milhões de euros para reestruturar esses créditos, mas era para pagar em 15 anos e tinha como pressuposto que as empresas do Brasil continuariam a operar e a gerar cash-flow, o que exigiria mais financiamento do Novo Banco, enquanto responsável pelo projet-finance do projeto florestal. Sobre o que o novo comprador está a fazer para recuperar o crédito, diz que até agora recebeu uma carta do fundo Davidson Kempner a indicar que era o detentor da dívida, sem mais diligências.

O empresário acusou ainda o Novo Banco de, “sem justificação e de forma incompreensível”, ter tirado ao grupo a operacionalidade do projeto no Brasil entregando-o a uma outra empresa. Mas o Fundo de Resolução não aprovou e o projeto “ficou deserto, perdendo-se os ativos e o investimento feito”. Desde esse momento (não referiu a data), “os problemas acumularam-se até à derrocada”, com a publicidade negativa e a divulgação dos créditos malparados a criarem dificuldades de tesouraria nas empresas e a fornecedores.

As empresas ficaram em situação difícil e 1.200 empregos em risco e, apesar de ter assinalado que esta situação diminuía as garantias prestadas, o empresário queixa-se de que não havia respostas (do Novo Banco). Moniz da Maia afirmou compreender como a resolução do BES “dificultou decisões operacionais, mas disse que não restou alternativas, se não abrir mão e convidar novos investidores para salvar as empresas”.

O empresário voltou a apontar o dedo ao Novo Banco porque deixou o projeto abandonado por não ter cumprido obrigações previstas no contrato de projet-finance. Admitiu a Hugo Carneiro do PSD que esse contrato implicava que o banco fosse financiando o desenvolvimento do investimento ao longo do tempo. Segundo Moniz da Maia foram feitas várias tentativas de reestruturação desde 2015, e durante a gestão de Eduardo Stock da Cunha, mas que nunca houve resposta ou do banco ou do Fundo de Resolução.

Em 2018, já com António Ramalho, foi ainda proposto um MBO (management buy out) dos quadros no Brasil que não teve luz verde do Novo Banco.

A dívida que resultou de investimento no BCP durante a guerra de 2007

O acionista do grupo Moniz da Maia, um dos maiores devedores do Novo Banco, está a ser ouvido esta sexta~feira na comissão de inquérito às perdas do banco imputadas ao Fundo de Resolução, e começou por situar o início dos problemas da empresa com um investimento feito em 2007 na compra de ações do BCP. Este investimento foi financiado com uma conta de crédito caucionada no Banco Espírito Santo que chegou a 368 milhões de euros para comprar 2,7% do BCP. A compra é feita no período em que já estava em marcha o conflito de poder no banco e quando as ações estavam muito valorizadas.

Bernardo Moniz da Maia defendeu que este seria um “bom investimento na avaliação” feita então pela família que deu como garantia as ações do BCP e uma participação de relevo na Espírito Santo Internacional (ESI), holding não financeira da família Espírito Santo. O investimento foi feito em 1998 após a venda dos Hotéis Tivoli. Para o empresário, o BES estava seguro até porque a família tinha à data um património de 500 milhões de euros. Quando questionado por Hugo Carneiro do PSD sobre onde estava esse património e o que lhe aconteceu, Moniz da Maia admitiu que uma parte significativa estaria aplicada na Espírito Santo Internacional e outra no Brasil

Moniz da Maia sublinhou o “acontecimento estrondoso e imprevisível” que foi a crise de 2008 com a queda do Lehman Brothers que levaram à queda acentuada das ações do BCP. Quando isso aconteceu, diz que a família acelerou um investimento florestal no Brasil com centrais de biomassa associadas que descreve como um “negócio sólido” cujo retorno seria mobilizado para amortizar a dívida. Também esse projeto foi financiado pelo Banco Espírito Santo, aumentando a exposição a este grupo para mais de 500 milhões de euros. Mas para além do BCP, assistimos “ao colapso do BES que por força da resolução fez com que o nossos ativos da ESI (a holding cujo passivo oculto precipitou a queda do grupo) passassem “a valer zero”.

Moniz da Maia diz que foi em 2014 (em maio) que o grupo entrou em incumprimento e assinalou que desde então, com o Novo Banco, nada resultou apesar das inúmeras reuniões que não deram em nada, ou porque o Fundo de Resolução não respondia ou não aprovada. Segundo o empresário, o projeto no Brasil estava a alcançar os seus objetivos, mas reconheceu também que a publicidade em Portugal aos problemas da família criou problemas no Brasil.

O processo no Brasil, a venda das empresas e o que aconteceu ao dinheiro

O socialista Barroco de Melo recorda ainda as notícias de 2016/2017 que davam conta que Moniz da Maia foi considerado “foragido” pela Interpol por, alegadamente, não ter respondido num caso em que era acusado de lesar o Estado brasileiro em 3,5 milhões de euros. Na sequência deste processo, a justiça brasileira reteve os bens do grupo no Brasil que para contornar o fecho da banca aos seus negócios vendeu-os. A quem e porque dinheiro? — perguntas de Mariana Mortágua do Bloco de Esquerda — Moniz da Maia começou por não dar valores, dizendo que não seriam muito significativos e não foram todos pagos, para além dos efeitos cambiais que desvalorizaram o encaixe que, julga (mas sem dar certeza) terá sido usado para pagar dívida ao Novo Banco.

Acrescentou ainda que os próprios compradores que pagaram em prestações entraram também em incumprimento. Questionado sobre se recebeu algum dinheiro destas operações ou se ficou todo nas empresas sobre as quais o Novo Banco detinha o penhor, o empresário admite que sim, mas não dá a certeza.

Interpol emite mandado de captura em nome de milionário português

“Isso também foi um outro assunto que veio em 2016. Nunca foi entendido, porque nunca fui notificado. Nunca prestei declaração nenhuma. Tudo foi respondido ao juiz em tempo útil. Como é público, em 30 de maio de 2016 saiu essa notícia. O tribunal do Brasil em 15 de junho tinha toda a minha informação, o meu paradeiro. Não conheço os termos técnicos, mas houve várias comunicações ao tribunal. Não tive notificação, mas o que é certo é que apareci nas notícias na Interpol como foragido. Mas nunca estive. Toda a gente soube do meu paradeiro sempre que cá estive em Portugal”, salientou o empresário.

No seu entender, estas notícias complicaram ou dificultaram “muito mais toda a reestruturação da dívida e o encaminhamento empresarial do grupo Moniz da Maia”.

Dívida várias vezes reestruturada, evitando incumprimento, e as relações privilegiadas com o GES

A deputada do CDS levanta dúvidas sobre a tese de que o incumprimento aconteceu apenas em 2014 (Maio, segundo Moniz da Maia). “Muito deste crédito não foi identificado como estando em incumprimento, mas na realidade é crédito que nunca tinha sido cumprido. Tinha sido sempre alvo de reestruturações, razão pela qual, imagino eu, tenha sido alvo de um tratamento diferente”. Na intervenção inicial, o empresário diz que foram amortizados 69 milhões de capital e 50,4 milhões em juros vencido.

Cecília Meireles questionou Moniz da Maia pelo incumprimento de dívidas que o grupo Moniz da Maia tinha junto do BES (oficialmente apenas a partir de 2014), recordando que – em alguns casos – “houve reestruturações sucessivas em que foram sistematicamente adiados os prazos de pagamento, com vários perdões de juros”. “Sempre que se estão a vencer prestações elas são adiadas um ano e, na realidade, o montante total de endividamento permaneceu ao longo destes anos”.

Num caso concreto, um financiamento do BES à Sogema de 2006, “entre 2011 e 2015 ele foi cinco vezes renegociado e em todas as vezes é adiado o prazo para se começar a pagar. Na realidade ele acaba por nunca ser pago, embora tenha havido sempre atraso para o pagar e muitos casos baixa substancial dos juros”. E conclui Cecília Meireles: “nunca houve nada perto sequer do pagamento integral da dívida”. Moniz da Maia diz que esses adiamentos aconteceram porque, “a certa altura, foi acordado resolver a dívida toda de uma vez só. E nesse sentido era adiado”.

Cecília Meireles, no entanto, continua sem perceber por que razão o BES continuou a emprestar dinheiro a Moniz da Maia – neste caso para o projecto no Brasil – quando este já tinha dívida em incumprimento. “Na altura em que [o BES] aprova este financiamento de 150 milhões de euros, já estava em incumprimento com as ações relacionadas com o BCP…”, pergunta a deputada do CDS sobre um novo crédito aprovado no final de 2012.

“Do que eu me recordo, as ações do BCP ficaram em incumprimento a partir de maio de 2014”, contrapõe Moniz da Maia. Então, diz Cecília Meireles, “é exatamente na mesma altura em que deixa de conseguir pagar”. “Há uma dívida de 330 milhões. Na altura em que entra em incumprimento numa dívida de 330 milhões – que é garantida com penhor e que, aparentemente, [o BES] não vai conseguir cobrar – ao mesmo tempo há um novo financiamento de 150 milhões”.

Moniz da Maia especifica que se tratava de um contrato em “project finance” aprovado até 185 milhões, mas que “não teve esse dispêndio”. Cecília Meireles conclui: “Não consigo entender como é que um grupo que tem uma dívida de 330 milhões – que não se percebe muito bem como vai pagar – obtém um novo financiamento de 180 milhões em cima dessa divida, sobretudo com garantias que são apenas o project finance”.

Já o deputado socialista Eduardo Barroco de Melo revela que logo em 2008 o departamento do BES assinalou risco nesta exposição e defendeu uma análise de risco anual, mas essa avaliação não terá sido feita nos últimos de gestão liderada por Ricardo Salgado, numa altura em que a família Moniz da Maia era também acionista da Espírito Santo Internacional e tinha assento na administração. Hugo Carneiro do PSD também destacou a “relação interessante” com a família Espírito Santo em que o banco financiava os negócios do grupo. Moniz da Maia esclareceu que era uma “relação institucional.”