A muito aguardada auditoria do Tribunal de Contas ao financiamento público do Novo Banco foi publicada esta segunda-feira, cumprindo-se assim uma exigência do PSD e de outros partidos da oposição (BE, PCP e PAN) para autorizar, no parlamento, uma injeção de até 476 milhões de euros no banco.

Apesar das falhas apontadas pelo Tribunal de Contas em todo este processo, tanto o Fundo de Resolução como o Banco de Portugal já vieram dizer que esta não é impedimento à “normal execução dos contratos”, ou seja, ao pagamento deste ano ao Novo Banco ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente.

Banco de Portugal e Fundo de Resolução dizem que há condições para cumprir (e pagar) ao Novo Banco, apesar de críticas do Tribunal de Contas

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“No entendimento do Fundo de Resolução, a auditoria não identifica nenhum impedimento ao cumprimento dos compromissos e dos contratos que decorrem do processo de resolução do Banco Espírito Santo, iniciado em agosto de 2014”, indicou o Fundo de Resolução em comunicado pouco depois de esta ter sido divulgada.

Já o Banco de Portugal considera que “estão verificadas as exigentes condições para que seja prosseguida a normal execução dos contratos, permitindo-se assim que seja cumprida a sua missão de preservação da estabilidade financeira, conforme agora confirmado pelo Tribunal de Contas”.

Este último ponto mencionado pelo Banco de Portugal também foi destacado pelo Fundo de Resolução. De facto, as duas entidades referem que um dos pontos centrais da auditoria do Tribunal de Contas é que aponta as injeções anuais no Novo Banco como tendo garantido a estabilidade do sistema financeiro português.

Diz o Fundo de Resolução: “como conclusão central da avaliação do Tribunal de Contas importa salientar que o Tribunal sustenta que o financiamento público do Novo Banco, através do Acordo de Capitalização Contingente, contribuiu para a estabilidade do sistema financeiro, desde logo porque permitiu que fosse evitada a liquidação do Novo Banco e reduzido o risco sistémico”.

O Banco de Portugal também faz uma declaração na mesma linha, afirmando que o “Tribunal de Contas concluiu que o financiamento público do Novo Banco, através do Acordo de Capitalização Contingente, concorre para a estabilidade do sistema financeiro, sobretudo porque permitiu que fosse evitada a liquidação do banco e que fosse reduzido o risco sistémico”.

E acrescenta que, sendo esta uma “conclusão central” da auditoria, então esta confirma que o “o desígnio fundamental da ação do Banco de Portugal, ao longo de todo o processo [iniciado com a resolução do Banco Espírito Santo, em agosto de 2014, e que teve como marco decisivo a conclusão da venda do Novo Banco, em outubro de 2017]” tem vindo “a ser cumprido”.

Sobre as recomendações do Tribunal de Contas, o supervisor indica que “grande parte” delas já foram executadas e aplicadas, ”nomeadamente as que incidem sobre os pagamentos”.

No que se refere, no entanto, “à necessidade de serem apropriadamente demonstrados, verificados e validados os cálculos do capital do Novo Banco, que determinam os valores a pagar pelo Fundo de Resolução”, o Banco de Portugal diz que não lhe compete fazer, mas sim do BCE. “É competência exclusiva da autoridade de supervisão prudencial – no caso, o Banco Central Europeu, no quadro do Mecanismo Único de Supervisão, em que o Banco de Portugal participa – proceder a essa verificação”.

Sobre este ponto, o Fundo de Resolução afirma o mesmo, mas sublinha que “obteve sempre a adequada confirmação junto da autoridade competente quanto às necessidades de capital do Novo Banco, procedimento que foi já confirmado por correspondência trocada com o Banco Central Europeu, e de que foi dado conhecimento ao Tribunal de Contas”.

Por outro lado, garante que “dará sequência” às recomendações do TdC nos casos em que “tal não se mostre já verificado”.

Ainda assim, sublinha que o trabalho dos juízes do Tribunal de Constas não integra “a ação desenvolvida pelo Fundo de Resolução no acompanhamento permanente da gestão dos ativos abrangidos pelo Acordo de Capitalização Contingente e dos atos de gestão com impacto na posição de solvabilidade do Novo Banco”. Ou seja, não aborda pormenorizadamente os negócios recentes feitos – e acompanhados pelo Fundo de Resolução.

Governo insiste que apoio financeiro ao Fundo de Resolução será “reembolsado pelo setor bancário”

É uma das principais conclusões do relatório de auditoria do Tribunal de Contas: “o financiamento do Novo Banco pelo Fundo de Resolução (que detém 25% do capital social do banco), ao abrigo do acordo de capitalização contingente, é público e constitui despesa efetiva (apoio não reembolsável) das Administrações Públicas em contabilidade nacional”.

Depois dos comunicados do Fundo de Resolução e do Banco de Portugal, foi a vez de o Ministério das Finanças reagir ao relatório, num comunicado que chegou às redações ao final da tarde. E logo para contrariar o Tribunal de Contas nesta ideia.

Para a equipa de João Leão, a interpretação do Tribunal de Contas não faz sentido. “O apoio financeiro prestado ao Fundo de Resolução é um empréstimo que será reembolsado pelo setor bancário”, considera o ministro das Finanças, sublinhando entender que “o mecanismo de capitalização contingente, enquanto condição essencial à venda [do Novo Banco, em 2017], salvaguardou o interesse público, preservou a estabilidade financeira, protegeu os depositantes e minimizou os impactos nas contas públicas”.

Sobre este ponto, o Tribunal de Contas considera que neste processo “não foi minimizado o impacto na sustentabilidade das finanças públicas, nem reduzido o risco moral, com 2.976 milhões de euros de despesa pública, que acresce à dos 4.900 milhões de euros de capitalização inicial do Novo Banco, sendo ainda possível o dispêndio de mais 914 milhões de euros [ao abrigo do mecanismo de capitalização contingente], e do montante necessário à viabilidade do Novo Banco, nos termos do compromisso assumido com a Comissão Europeia (até 1,6 mil milhões de euros)”.

Ainda assim, as Finanças dizem que vão olhar com “a maior atenção” uma das recomendações do Tribunal de Contas: a segregação de funções entre várias entidades envolvidas no processo de Novo Banco. Os juízes do Tribunal de Contas dizem que é preciso assegurar a “independência das ações” entre a administração do Banco de Portugal (que escolheu a compradora do Novo Banco) e o Fundo de Resolução (responsável pelos pagamentos ao mesmo banco).

Neste caso é uma indicação direta à atuação de Luís Máximo dos Santos, que preside ao Fundo de Resolução – por indicação do Conselho de Administração do Banco de Portugal – desde a venda do Novo Banco, em 2017. Ao mesmo tempo, Máximo dos Santos é membro da administração do Banco de Portugal desde 2016 e vice-governador desde setembro de 2017.

Por outro lado, o Tribunal de Contas pede a mesma “segregação de funções” no que diz respeito ao auditor do Fundo de Resolução, que é o mesmo do Novo Banco (desde as contas de 2018) e da empresa através da qual a Lone Star detém o Novo Banco, a Nani Holdings. Em todos estas entidades o auditor é a EY.

O terceiro e último eventual conflito de interesses que o Tribunal de Contas quer evitar é da Oliver Wyman, empresa que trabalhou para três entidades em todo este processo. Trabalhou para o Ministério das Finanças precisamente à venda do Novo Banco, fazendo “serviços técnicos especializados de avaliação e comparação das propostas no processo de venda” e depois foi  contratada pelo Novo Banco e pelo Fundo de Resolução como  “Agente de Verificação nos termos e para os efeitos do Acordo de Capitalização Contingente”.

“O Governo avaliará com a maior atenção as recomendações do Tribunal de Contas que procuram reforçar o princípio da segregação de funções”, consideram as Finanças, sem dar mais detalhes.