Durante os primeiros meses da pandemia, Graça Freitas deu a cara diariamente para falar sobre a evolução da Covid-19 em Portugal. Agora que tem estado menos exposta referiu numa entrevista à TSF/JN que o país e o mundo têm vivido “uma maratona numa cordilheira”, uma vida que não tem sido “plana” e onde foi preciso adaptar comportamentos, estratégias e até os “aparecimentos” e “desaparecimentos” de quem esteve muitos meses à frente daquilo que se estava a viver no país, com uma “altura de grande exposição”.
Relativamente ao isolamento de António Costa, que recebeu esta ordem das autoridades de saúde após um contacto positivo de Covid-19 no seu gabinete e já depois de estar vacinado há mais de 14 dias, e que foi questionado pelo Presidente da República, a diretora-geral da saúde admitiu que Marcelo Rebelo de Sousa teve um “reparo pertinente”. “De facto, a ideia que as pessoas têm é que as duas doses da vacina são completamente efetivas. Mas, neste momento, nós ainda não temos tanta certeza sobre essa proteção. Ou seja, nós sabemos que duas doses mais 14 dias na maior parte das pessoas resultam e as pessoas estão protegidas. Mas ainda há uma percentagem que não fica imunizada“, explicou. Desta forma, e com a existência de uma “margem de incerteza”, havendo um contacto de risco deve-se optar pelo “princípio da precaução”.
“Na incerteza e na dúvida é melhor ter ainda alguns princípios preventivos. Obviamente que a tendência será para, à medida que nós tivermos mais a noção correta de quantas pessoas não ficam protegidas em cada 100, podemos aliviar medidas”, afirmou.
Apesar de essas ainda serem as regras em vigor, Graça Freitas assumiu que pode haver alterações no futuro. “Agora, há uma coisa que é uma medida que deve ser tomada, outra é o timing. Na semana passada, fizemos uma reunião para decidir se fazíamos já essas medidas. E foi considerado que, estando nós numa fase ascendente da curva epidémica, é arriscado tomar medidas de alívio numa fase em que a doença ainda está em franca expansão. Provavelmente, equacionaremos um timing mais favorável numa altura em que a doença esteja controlada”, realçou.
A estratégia do Governo em que as “alternativas são piores”
Também sobre a estratégia que tem sido definida pelo Governo nas últimas semanas, Graça Freitas disse que tem havido uma “adaptação ao que vai acontecendo do ponto de vista epidemiológico” e deixou claro que “são estratégias cujas alternativas são piores”, nomeadamente seria mais grave, realçou, que os restaurantes tivessem de encerrar.
Apesar de ser “complexo” perceber, Graça Freitas explicou que “há uma diferença no comportamento das pessoas, e no nosso estilo de vida, ao longo da semana e ao longo dos meses”. “Habitualmente, e estou a falar da grande maioria, temos um comportamento em relação às refeições nos dias de semana que é muito mais comedido, digamos assim. A maior parte de nós tem refeições curtas, com poucas pessoas, mais ou menos sempre com as mesmas, e portanto não há um ritual, não há convívio intenso. Diferente é o nosso comportamento ao fim de semana porque temos mais tempo, outras pessoas com quem podemos estar e, portanto, aqui as refeições são de facto um momento de risco”, argumentou para justificar a diferença de medidas entre os dias de semana e o fim de semana.
“Mais tarde ou mais cedo todos vamos ser vacinados: por um vírus selvagem ou por uma vacina segura”
Sobre a vacinação, a diretora-geral da saúde repetiu uma ideia que já tinha sido deixada pelo vice-almirante Gouveia e Melo, responsável pela task force de vacinação, e lembrou que “mais tarde ou mais cedo todos vamos ser vacinados”: “A grande diferença é que uns vão ser vacinados por um vírus selvagem e vão pagar um preço por essa imunidade que é ficar doente, e outros vão ter a oportunidade de ficar imunizados através de uma vacina que é segura, eficaz e tem qualidade.”
A DGS destacou a eficácia das vacinas ao referir que “foram identificados, num total de 2.984.095 pessoas com esquema vacinal completo, e passados 14 dias sobre a segunda dose, um pequeno número de 3580 que, mesmo assim, adoeceram“, ou seja, 0,1% do total de inoculados.
Ao frisar que “teoricamente as vacinas são mais ou menos semelhantes em termos da sua efetividade”, Graça Freitas disse que “há pequenas diferenças, de facto há, das várias marcas”. “E há até pequenas diferenças entre as duas vacinas MRNA [Pfizer/BioNTech e a da Moderna]”, referiu.
“Neste momento, pelo menos na Europa e nos Estados Unidos, nos países que fazem mais estudos, há uma assimetria imensa no fornecimento das vacinas. E portanto, as vacinas que são mais estudadas, são aquelas em que há mais milhões de doses administradas”, realçou, frisando que “não é perigo” que a informação chegue às pessoas. “Eu acho que as pessoas devem conhecer toda a realidade e a clareza aqui é muito importante. Agora, nós só podemos comunicar com clareza quando a temos. E neste momento não dispomos, nem eu, nem a comunidade científica em geral, de dados, por exemplo, sobre a vacina da Janssen”, frisou.
Quando 70% da população estiver vacinada, DGS admite “tendência para assumir vida com alívio de medidas”
A diretora-geral da saúde está certa que a imunidade de grupo “vai depender de algumas coisas”. Tendo em conta o “excelente ritmo de vacinação” que disse estar a ser implementado em Portugal, Graça Freitas referiu que há “uma previsão de que, no início de setembro, cerca de 80% da população” tenha recebido uma dose “e 70% duas doses”, mas a vacinação ainda não está licenciada para crianças antes dos 12 anos.
“Há sempre uma margem de erro em todas estas previsões, quando dizemos 70% ou 80% temos um intervalo de confiança. Se isso acontecer, e apesar de termos a variante delta em circulação, dá-nos já um nível de imunidade bastante bom”, explicou, frisando que “não havendo risco zero” e dependendo da situação epidemiológica nessa altura, a DGS admitiu que “a tendência será para assumir a nossa vida com alívio das medidas”. “Mas, sabendo que, de vez em quando, teremos de fechar a torneira, porque o vírus está com maior capacidade de expandir”, alertou Graça Freitas.