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Obesidade e anorexia aumentam com a pandemia. Mais do que da infeção, vacinar crianças "protege-as de danos na saúde mental"

Este artigo tem mais de 2 anos

A doença grave tem pouca expressão entre as crianças, mas o efeito de viver em pandemia tem efeitos perversos sobre os mais novos, explica Carla Rêgo, do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos.

UK Schools Remain Open To Support Children Of Key Workers During Coronavirus Lockdown
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Pediatra defende que o efeito da pandemia na saúde mental e física é elevado, mesmo que a infeção por SARS-CoV-2 não seja grave na maioria das crianças

Getty Images

Pediatra defende que o efeito da pandemia na saúde mental e física é elevado, mesmo que a infeção por SARS-CoV-2 não seja grave na maioria das crianças

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Se a questão fosse vacinar crianças apenas para protegê-las de sofrer de Covid-19 grave, de pouco valeria. Mas a pandemia deixa outras marcas entre os mais novos que podem ter consequências na saúde mental e física ao longo de toda a sua vida. “A doença aguda grave tem muito pouca expressão na população pediátrica e quando existe é em crianças que têm outras comorbilidades e, especialmente, nas que sofrem de obesidade”, explica a pediatra Carla Rêgo, do Gabinete de Crise para a pandemia da Ordem dos Médicos.

Quando se fala de sofrer com Covid-19, a pediatra não tem dúvidas. O excesso de peso é o maior indicador de risco, mais do que qualquer doença crónica, nas diferentes faixas etárias da pediatria. “Se formos ver os jovens que estão internados nos hospitais com Covid-19, vamos ver que a maioria deles têm em comum um IMC (índice de massa corporal) elevado”, esclarece a também professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. O IMC é um cálculo matemático que avalia se a pessoa está dentro do seu peso ideal em relação à altura.

Portugal continua à espera do parecer da Direção Geral da Saúde que irá decidir se as crianças com mais de 12 anos devem ser vacinadas ou não. A seguir caberá ao Governo acatar, ou não, a decisão. O que existe, até agora, é um parecer técnico de um grupo de trabalho da DGS que defende que apenas crianças com comorbilidades devem ser vacinadas. Enquanto isso, os maiores de 18 anos avançam na vacinação e, na Madeira, no sábado, os menores a partir dos 12 anos começam a ser vacinadas.

No continente tudo está a postos, em termos logísticos, para começar a inocular crianças, garantia dada quarta-feira pelo secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Lacerda Sales. Na quinta-feira, tinha sido o vice-almirante Gouveia e Melo, o coordenador da task force da vacinação, a garantir o mesmo.

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Uns temem efeitos adversos, outros novas variantes. Qual dos medos pesará mais na hora de decidir vacinar crianças saudáveis?

“Mesmo quando falamos de Kawasaki temos de ver que pode acontecer com qualquer infeção vírica e não temos dados comprovativos de que haja maior prevalência entre os doentes Covid”, argumenta Carla Rêgo, lembrando que sobre este vírus é preciso ser-se muito prudente já que só temos “o desconhecido na retaguarda”. A doença de Kawasaki causa inflamação dos vasos sanguíneos por todo o corpo e tem origem desconhecida, tendo havido um aumento de casos em todo o mundo entre crianças infetadas com o SARS-CoV-2.

“Felizmente, a Covid-19 não causa grande mossa na população pediátrica”, acrescenta. A complicação é outra, aquela a que chama o efeito pandemia: “O problema maior prende-se com a saúde física, mental e comportamental a médio e longo prazo e ainda há poucos trabalhos sobre o que vai ser o efeito da pandemia na saúde futura da globalidade da população pediátrica.” E é aqui que, na sua opinião, ganha relevância a vacinação dos mais novos, seja acima ou abaixo dos 12 anos. “É isto que tem de nos fazer pensar de forma mais profunda.”

A decisão de vacinar menores tem sido polémica, mesmo entre pediatras. Alguns deles, assim como a Ordem dos Enfermeiros, defendem que abaixo dos 16 anos só as crianças com comorbilidades devem ser vacinadas. Pelo menos, por enquanto.

Children's National Hospital gave the COVID-19 vaccine to its first batch of 12-15 year old children Thursday morning, May 13, 2021.

O país continua à espera do parecer da DGS sobre vacinação de menores entre os 12 e os 17 anos

The Washington Post via Getty Im

Efeitos pandemia: anorexia, obesidade e marcadores de stress crónico

Para além da questão de saúde pública, Carla Rêgo defende que vacinar os mais jovens contribui para o regresso da normalidade às suas vidas, algo que em adolescentes tem um valor imensurável.

A mudança do paradigma diário, a redução da atividade desportiva, a instabilidade do agregado familiar, quer em termos financeiros, quer em termos psicológicos, e as próprias características da habitação, como ter ou não um espaço exterior, deixaram marcas nas crianças e jovens como nunca antes tinha acontecido.

“Não consigo precisar números, mas em dezembro do ano passado, e em janeiro e fevereiro deste ano, eu e os meus colegas começámos a ter um boom de consultas de adolescentes com anorexia. Casos muito graves como não me lembro de ter visto antes”, disse a pediatra que dá consultas num hospital privado do Porto. Eram essencialmente raparigas, entre os 14 e os 16 anos, que quando chegam à consulta já levam meses de evolução da doença.

“Ao longo do ano, costumamos ter um ou outro caso. De repente, foram vários”, acrescenta. A explicação tem a ver com a própria natureza da adolescência. “Uma adolescente, a partir dos 13 anos, precisa socializar. Tem os seus objetivos de vida, os seus focos, e a pandemia desestruturou tudo isso, baralhou-lhes a cabeça e trocou-lhes o foco”, detalha a pediatra.

É seguro e eficaz, mas será ético vacinar crianças contra a Covid-19?

Em jovens com maior resiliência e estabilidade no agregado familiar, o stress da pandemia pode ser gerido de outras formas. Mas para alguns adolescentes a compensação que encontram é serem capazes de controlar alguma coisa na sua vida. “E o que é que controlam? A comida e o corpo.” E ao tentarem controlar o que comem surgem os distúrbios alimentares. Este fenómeno, explica Carla Rêgo, começou com o primeiro confinamento, abrandou no verão e regressou em força com o início do ano letivo.

O reverso da medalha é a obesidade. Carla Rêgo, que é também presidente e fundadora do Grupo Nacional de Estudo e Investigação em Obesidade Pediátrica, não tem dúvidas de que no final da pandemia haverá mais crianças obesas e com excesso de peso. Em 2019, os dados mostravam que Portugal vinha, de forma consistente, a diminuir o número de crianças nestas duas situações. Entre 2008 e 2019, a prevalência de excesso peso infantil desceu de 37,9% para 29,6% e a de obesidade diminuiu de 15,3% para 12,0%.

“Quando fechámos as escolas comprometemos a segurança alimentar dos mais desfavorecidos. Quando não há retaguarda económica e social na família, significa comer barato, e o barato raramente é o mais saudável”, explica. Soma-se o fecho das atividades desportivas e é a tempestade perfeita para o aumento de peso.

Carla Rêgo coordenou uma tese de licenciatura na Universidade do Porto que mostra a degradação do cenário. Entre março de 2020 e maio de 2021 foram seguidas 422 crianças e jovens entre os 8 e os 17 anos, sem patologias crónicas, para perceber a evolução do seu peso, sendo, por enquanto, o único trabalho do género em Portugal.

“Houve um aumento significativo do peso na totalidade destas crianças muito mais marcado no 1.º confinamento, desde então houve uma redução gradual dos valores, mas, passado mais de um ano, estas crianças não tinham conseguido voltar ao seu peso pré-pandemia”, explica.

A variável estudada não é propriamente o peso das crianças, mas antes o z-score do índice de massa corporal que permite determinar qual a sua condição. Um z-score zero corresponde ao percentil 50 normalmente usado na pediatria, um z-score de 1 ao percentil 85 (risco de obesidade) e um 2 ao percentil 97 (obesidade).

O regresso ao peso pré-pandemia tem sido lento e gradual e é mais notado nas crianças entre os 8 e os 12 anos e entre as que, no passado, tinham um peso adequado. Também as crianças com mais indicadores de stress durante a pandemia ganharam mais peso. Pelo contrário, aquelas que já sofriam de obesidade ou de excesso de peso foram as que menos aumentaram o seu índice de massa corporal. “Acredito que ao fim de um ano e meio, o excesso de peso nas crianças com menos de 12 anos vai estar consideravelmente acima dos 30%.”

As crianças obesas são mais propensas a sofrer de outras doenças como asma, apneia do sono, diabetes tipo 2, colesterol alto, problemas no fígado e doenças cardíacas. Além disso, têm maior probabilidade de sofrer bullying com efeitos na autoestima, levando ao isolamento social, depressão e até a problemas de aprendizagem. Se a criança se tornar um adulto obeso vê aumentar a probabilidade de desenvolver certas doenças cardíacas e alguns tipos de cancro.

“Uma criança que aos 6, 7 anos tem excesso de peso tem 50% de hipótese de o resolver antes de chegar à idade adulta. Se o tiver aos 14 anos, só vai ter 10% de probabilidade. Quanto mais tempo dura o excesso de peso, menos hipóteses tenho de voltar a ter um peso adequado”, esclarece a pediatra Carla Rêgo. Na idade adulta, quando se aumenta de peso, aumenta também o tamanho das células gordas, mas o seu número mantém-se o mesmo. Na pediatria, quando há aumento de peso há aumento de células gordas e estas, ao contrário das células cerebrais, não morrem. Mais células gordas, maior probabilidade de sofrer de excesso de peso ao longo da vida.

Ao aumentar de peso, as crianças que no início da pandemia tinham poucas probabilidade de sofrer de Covid grave vêem agora essa hipótese aumentar ao mesmo ritmo que a balança lhes devolve um peso cada vez mais elevado.

A parte emocional e o stress dos pais levam ao aumento do peso

Ao seguir as mais de 400 crianças, percebeu-se a força que o agregado familiar tem na saúde física e mental dos jovens. Quem mais aumentou de peso foram as crianças e jovens que tinham pais obesos previamente à pandemia, aqueles cujos pais sofreram mais de ansiedade e depressão durante a pandemia, aqueles que tiveram menos suporte familiar e ainda os que assistiram a maior quebra do rendimento financeiro da família.

“Ao fim de um ano estas crianças têm um estado nutricional pior do que tinham no início da pandemia, apresentam indicadores de stress crónico e tudo aconteceu de forma mais marcada nos agregados familiares com aquelas características específicas”, frisa Carla Rêgo.

Alguns dos sinais de stress crónico passam pelo compromisso do rendimento escolar, perturbação do sono, distúrbios alimentares, dificuldade em socializar e crises de ansiedade. Há crianças que ganham, por exemplo, comportamentos obsessivos em relação à higiene ou que recusam completamente a socialização. Os mais novos podem somatizar, regressando a comportamentos que já tinham sido ultrapassados, como fazer xixi na cama ou aumentar o número de birras, enquanto nos adolescentes são mais visíveis os comportamentos obsessivos.

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Pediatra relata casos de crianças que passaram a evitar toda e qualquer socialização

dpa/picture alliance via Getty Images

O grau de stress e depressão dos pais, e a forma como isso afeta o suporte parental, é espelhado nas crianças, mais ainda quando são muito dependentes dos pais. “Em termos emocionais, as crianças são esponjas do que veem nos adultos. O que o agregado reflete, eles absorvem de forma impressionante.”

Numa situação normal, as crianças têm formas de reagir a estas situações de ansiedade dos adultos, mas quando este efeito de esponja sobre a instabilidade numa família se prolonga durante muito tempo, os seus mecanismos de defesa entram em rutura. “Isso resulta em stress crónico, mais ansiedade e todo o tipo de perturbações, como as dos padrões alimentares e do sono.”

Segurança está garantida, o que falta é acertar a dosagem

Sobre vacinar ou não vacinar as crianças, a pediatra deixa uma mensagem aos pais: “Qualquer vacina implica estudo e validação do laboratório que a produz”, assegurando que não é a segurança que está em causa. O que é preciso é assegurar que a dosagem é a correta.

“Nas vacinas bacterianas a dose é igual para adultos e crianças. Nas víricas não, como no caso das vacinas da hepatite, da gripe e, agora, da Covid-19. A vacina em si é segura, o que é preciso perceber é qual a dosagem certa para as crianças.”

Em Israel, crianças dos 5 aos 11 anos já estão a ser vacinadas contra a Covid-19, desde que tenham outras doenças que as tornem mais vulneráveis. Vão receber uma dosagem mais baixa — 10 microgramas em vez de 30 — uma decisão das autoridades de saúde israelitas e não da Pfizer, segundo a empresa explicou ao The Wall Street Journal. É exatamente essa a dosagem que o laboratório está a usar nos ensaios clínicos com crianças, cujos resultados deverão ser conhecidos em setembro.

Pediatras divididos sobre vantagens de vacinar crianças

“Em pediatria, a doença Covid não é grave. Usar a vacina para proteger a criança não tem substrato”, considera a pediatra. Mas há outro lado, sublinha, se considerarmos o papel de disseminadoras da doença que podem ter já que, na maioria das vezes, os mais novos são assintomáticos.

“Nesse caso, e não havendo contra indicações formais à vacinação de crianças e jovens, trata-se de uma questão de saúde pública”, refere Carla Rêgo. Aqui, o papel dos adolescentes ganha relevo, já que têm maior autonomia, escapam do controle do adulto e a sua socialização e agregação é autónoma. “A possibilidade de serem assintomáticos e disseminadores é enorme. A partir do 7.º ano, os adultos deixam de conseguir controlar vários aspetos e a vacinação não é por eles, é pela saúde pública.”

Abaixo dos 12 anos tudo se resume a ser encontrada a dose certa, já que em termos de saúde pública os mais novos, com menos autonomia, dificilmente poderão ter o poder de disseminação do vírus que carrega um adolescente, conclui Carla Rêgo.

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