Não, o vulcão Cumbre Vieja não vai provocar um mega-tsunami capaz de atingir a costa americana, do Brasil aos Estados Unidos. Lamentamos ter de lhe contar já o fim da história, mas assim pode concentrar-se em conhecer melhor o vulcão da ilha que não tinha uma erupção há 50 anos, mas que numa semana registou cerca de 25 mil pequenos terramotos.

Fica prometido que também lhe explicamos de onde veio a ideia do mega-tsunami, o que vai acontecer quando a lava chegar ao mar e se a Madeira tem motivos para se preocupar.

Os cientistas sabiam que esta erupção ia acontecer?

Sim, desde 2017 que esperavam que um evento deste tipo pudesse acontecer — e a última semana aumentou e muito essa probabilidade.

La Palma é uma das ilhas mais jovens do arquipélago das Canárias, ao largo de Marrocos, e continua em formação. O que quer dizer que nestas ilhas de origem vulcânica, ainda ativa, os sismos e erupções são algo com que os habitantes terão de contar mais tarde ou mais cedo. Mas esta não foi a grande pista dos cientistas.

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A última erupção na ilha espanhola aconteceu em 1971, também no vulcão Cumbre Vieja, numa outra vertente a que se chamou erupção de Teneguía. Desde aí e até 2017, a ilha esteve praticamente sem atividade sísmica e vulcânica.

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Depois de um período longo de atividade nula ou reduzida, quando a ocorrência de terramotos aumenta, a erupção passa a ser um acontecimento possível. Foi o que aconteceu a partir de 2017, explica ao Observador António Brum da Silveira, investigador na área de vulcanologia no Instituto Dom Luiz da Universidade de Lisboa.

Tudo se tornou ainda mais provável a partir de 11 de setembro deste ano, com o início de uma série de sismos concentrados na zona sudoeste da ilha de La Palma.

Depois, de 11 a 19 de setembro, o enxame sísmico (pequenos tremores de terra concentrados numa única área) foram tendo a sua origem cada vez mais próximo da superfície — começaram a uma profundidade de 20 quilómetros, mas o fim da semana já estavam apenas a 100 metros.

Por fim, a ilha inchou — que é como quem diz: a superfície estava 15 centímetros mais alta do que o normal. O número de pequenos sismos, a aproximação à superfície e o inchaço resultam de uma única coisa: o magma a forçar e rachar a rocha no caminho até à superfície, onde abriu as fissuras que lhe permitiram sair. Estas são as características que os cientistas aprenderam a reconhecer como percursores de uma erupção.

Porque é que foram precisos 50 anos para haver uma nova erupção?

Tal como um balão que não rebenta só porque começamos a soprar ar lá para dentro, podem ser precisas décadas ou centenas de anos para as tensões acumuladas no interior da Terra serem libertadas e provocarem a emissão de lava. E, tal como há balões que aguentam mais do que outros, também algumas rochas podem ceder mais facilmente à tensão do que outras.

Quando a câmara magmática estiver plena — ou, mesmo sem câmara, se a pressão for grande —, o magma vai tentar viajar até à superfície aproveitando as fragilidades e fraturas da rocha por onde passa ou abrindo caminhos novos. Mas o processo pode levar muito tempo e pode até não voltar a repetir-se no mesmo local. Em Teneguía, houve apenas uma erupção (a de 1971).

A ilha de La Palma, a oeste do arquipélago das Canárias (assinala a vermelho). Marrocos localizam-se a este e a Madeira a norte — Google Maps

O primeiro registo de uma erupção vulcânica em La Palma foi feito entre 1430-1440 (com data imprecisa), segundo o Instituto Nacional Geográfico espanhol. Em 1492, Cristóvão Colombo registou no diário de bordo uma erupção nas Canárias quando viajava em direção à América. Depois ocorreram as erupções de Tehuya em 1585, de Martín em 1646 e de San Antonio em 1678 — todas elas duraram vários meses, contou a RTVE. La Palma voltou a entrar em erupção em 1712, 1949 e 1971.

Podem esperar-se explosões com lava atirada pelo ar?

As erupções de tipo fissural, quando o magma sobe pelas fraturas da rocha e sai através de rasgões à superfície, é típico nas ilhas canarinas, diz o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Contabilizamos oito até agora, mas podem surgir mais nas próximas horas, enquanto outras se vão apagando”, disse David Calvo, do Instituto Vulcanológico das Canárias (Involcan), citado pelo El País.

O magma nesta região é basáltico e relativamente fluído, o que justifica os derrames de lava como resultado das fontes que vão jorrando rocha fundida para o exterior. Quando o magma é mais viscoso, pelo contrário, os gases ficam retidos no meio do magma e só à superfície se libertam, repentinamente, como uma rolha que salta bruscamente de uma garrafa de champanhe. Com o líquido saem os gases e são projetadas cinzas e fragmentos de rocha (piroclastos).

“A perigosidade vulcânica é mais baixa nas erupções de estilo havaiano [como a de Cumbre Vieja]”, diz António Brum da Silveira. Pode vir a ter uma fase um pouco mais explosiva, mas nada comparável com as erupções do vulcão Etna na Sicília (Itália).

Itália. As imagens da erupção do vulcão Etna

Joan Martín, diretor do grupo Geociências Barcelona, do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC), disse citado pelo El Diario que esta é uma erupção “normal”, como as de que há registo nas Canárias.

Que riscos estão associados à erupção do vulcão Cumbre Vieja?

O maior risco deste tipo de vulcões são as escorrências de lava, a altas temperaturas — 1.075 graus Celsius, segundo os cálculos iniciais do Involcan —, uma vez que destroem tudo o que encontrar no caminho. A boa notícia é que “a erupção é relativamente lenta [a lava avança a cerca de 700 metros por hora] e permite evacuar” as casas e localidades, explicou o investigador.

Governo está preparado para retirar portugueses de La Palma. Autoridades estabelecem cordão de segurança em torno do vulcão

Outro problema é a emissão de cinzas e gases, mas não se preveem impactos a grandes distâncias, disse à rádio Observador José Pacheco, diretor do Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores (Civisa).

Os territórios mais próximos das Canárias são Marrocos, a cerca de 100 quilómetros, e a Madeira, a 460 quilómetros, mas, por enquanto, não se encontram em risco. Mesmo que as cinzas cheguem à Madeira serão muito finas e em pouca quantidade, disse o investigador açoriano.

“Os efeitos mais prováveis da erupção do Cumbre Vieja na região autónoma da Madeira estão associados ao transporte de cinzas vulcânicas e outros compostos químicos, designadamente CO2 e SO2 [dióxido de oxigénio e dióxido de enxofre]”, prevê o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) em comunicado de imprensa. “A previsão para os próximos dias aponta para vento dominante do quadrante norte, pelo que o impacto previsto para esta região não deverá corresponder a uma situação crítica.”

Canárias. “Vulcão pode ficar ativo durante meses”, garante diretor do Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores

As cinzas serão um problema tanto maior quanto mais subirem na atmosfera, onde podem apanhar correntes e dispersar-se por outro locais. E subirão tanto mais alto quanto mais explosivo for o vulcão. Se o magma encontrar água no caminho, forma-se vapor de água (um gás) e os gases aumentam a probabilidade de explosões.

É por isso que as autoridades estão atentas à chegada da lava ao mar prevista para esta tarde, noticiou a agência EFE. O contacto da rocha fundida com a água pode provocar explosões e libertar gases tóxicos até 3.000 metros de altura.

O que aconteceu com o vulcão islandês Eyjafjallajökull, em 2010, e a emissão de uma grande quantidade de cinzas que encerrou o espaço aéreo europeu, é parcialmente explicado pelo contacto entre o magma e a água do glaciar que se encontrava por cima do local onde ocorreu a erupção. Não se prevê, no entanto, que algo do mesmo tipo possa acontecer com esta erupção em La Palma.

Então e a possibilidade de um mega-tsunami atingir o Brasil e os Estados Unidos?

Uma busca rápida na internet deteta rapidamente a replicação das conclusões de um estudo de 2001 e o alarme instalado sobre a possibilidade de um mega-tsunami atingir o Brasil depois da erupção em La Palma. Os investigadores do Involcan lembram que o estudo refere um cenário possível, mas não é feito qualquer cálculo de probabilidade. Caso tivesse sido, a probabilidade seria muito baixa.

Teoricamente poderá ser possível, mas a probabilidade de um evento desses ocorrer é extremamente reduzida”, explica José Pacheco, diretor do Civisa.

António Brum da Silveira, esteve no local sobre o qual foram tiradas as conclusões e também garante que a hipótese de que um flanco do vulcão e da própria ilha colapse é pouco provável à luz do que se sabe atualmente. Primeiro, diz o investigador, as fissuras a que o artigo de 2001 se referia parecem ter origem vulcânica e não de instabilidade gravítica — que é o mesmo que dizer que não estão a rachar com o peso. Depois, a erupção atual está a acontecer noutra zona, mais perto da base do vulcão.

Os colapsos dos flancos dos vulcões podem acontecer e já foram encontrados sinais disso mesmo, mas num passado longínquo — os restos dessas derrocadas foram encontradas nos fundos oceânicos, mas não há qualquer registo da sua ocorrência. Se os humanos viram algum desses acontecimentos, não o deixaram por escrito.

Se o flanco de Cumbre Vieja colapsasse, como na hipótese colocada por Steven Ward, da Universidade da Califórnia, e Simon Day, do University College de Londres, isso poderia implicar a queda de 150 a 500 quilómetro cúbicos de rocha no oceano o que provocaria um tsunami com ondas de 10 a 25 metros, que chegaria à costa da Flórida, nos Estados Unidos, em nove horas.

A improbabilidade não está na formação do tsunami perante a queda de tamanha quantidade de rocha, mas no facto de ser improvável uma derrocada dessa dimensão. A hipótese implica a existência de uma fratura com dezenas de quilómetros de extensão e vários quilómetros de profundidade. Uma fratura desse tipo nunca foi identificada na ilha, referiram os investigadores do Involcan ao El Español, já em 2017, aquando o primeiro enxame sísmico.

“Para o flanco do Cumbre Vieja reunir as condições próximas da instabilidade, um sismo de muito elevada magnitude e uma erupção muito explosiva teriam de acontecer em simultâneo ou o edifício vulcânico teria de ter chegado ao seu tamanho máximo — pelo menos, mais mil metros do que atualmente”, responderam os investigadores. Primeiro, os sismos e erupções violentas têm uma probabilidade “extremamente remota” e, depois, podem passar mais de 50 mil anos até a ilha atingir a altitude máxima.

Corrigida data em que Cristóvão Colombo registou a erupção.