As malas de luxo Rimowa que o avô fundou em 1898, na cidade alemã de Colónia, são coisa do passado para Dieter Morszeck. Após a venda de 80% da marca ao grupo de luxo Moët Hennessey Louis Vuitton (LVMH), os interesses do empresário alemão dividem-se essencialmente entre a construção de aviões de pequeno porte — com fábricas na Suíça (Junkers) e nos EUA (Waco) — e o vinho alentejano, especificamente aquele que nasce na Quinta do Paral, a propriedade de 85 hectares que adquiriu na Vidigueira em 2017.
A culpa de Dieter, que também é piloto, aterrar na Vidigueira é do único filho, há vários anos apaixonado por terras alentejanas. Formado em engenharia agrónoma, convenceu os pais a investirem neste pedaço de terra, um projeto que ao quarto ano de vida já tem os olhos postos num hotel boutique, de cinco estrelas, que deverá nascer até ao final de 2022 nas imediações da Quinta do Paral com a assinatura dos arquitetos Saraiva & Associados. Com 23 quartos, terá um parque com mais de 800 árvores, um “túnel verde” e ainda um ginásio. Materiais e cores tradicionais são uma promessa.
O sonho, diz o homem que herdou uma marca criada no final do século XIX, é “criar um negócio de família” cujos vinhos possam refletir a região, a mesma que lhe faz lembrar a Toscana. Questionado sobre se ambiciona que a Vidigueira se torne numa espécie de “Toscana portuguesa”, responde que sim. “Na Toscana pode-se viver bem, beber bom vinho e há comida boa. [Na Vidigueira] vai ser a mesma coisa”, diz num português surpreendentemente eloquente (a mulher, Lily, é brasileira e os dois conheceram-se no carnaval do Rio de Janeiro há mais de 40 anos).
Para isso é preciso investir, com cerca de oito a 10 milhões previstos para serem gastos no Boutique Wine Hotel, mas também na adega — cuja aquisição de vinhas velhas já obrigou à sua ampliação — e no restaurante que contará com a consultoria do chef alentejano José Júlio Vintém, com produtos locais vindos da horta e do pomar do Paral e, no topo, um sky bar. Mas dificilmente a dedicação à região ficar-se-á por aqui: certo que a construção do hotel está em primeiro lugar, explica o empresário ao Observador, mas novos investimentos podem surgir na calha, tal como um restaurante em Beja. “Talvez, porque não?”, responde Dieter. Mais certo é surgir na “pitoresca” Vila de Frades porque, diz, “é sempre melhor ajudar uma pequena vila a ser mais importante no futuro, com mais turistas a chegar”.
“Não há limite, não temos orçamento”, garante, no que a novas e “boas” ideias diz respeito. Até agora, o projeto já resultou na criação de 20 postos de trabalho e outros 30 são esperados assim que a unidade hoteleira abrir as portas, embora contratar pessoas na região não seja “assim tão fácil”. “O Alentejo precisa de mais infraestruturas.” Ainda no domínio das ideias está a ambição de fazer voos a partir da região com destino ao Douro, Andaluzia ou Marrocos. Aviões até oito lugares já os tem. Pilotos também.
Como “aproveitar a carga histórica” das vinhas velhas
A ideia de investir em vinhas velhas foi do filho de Dieter, tanto que dos 26 hectares de vinhas de sequeiro, sem processo de condução e com mais de 60 anos da Vidigueira, 12 pertencem atualmente à Quinta do Paral. Segundo o enólogo da casa Luís Morgado Leão, que presta também consultoria na Adega Cooperativa da Vidigueira, a aquisição reflete “uma grande aposta” naquilo que é considerado património da região que, ainda assim, não tem grande tradição nesse sentido. “No passado, as vinhas velhas foram arrancadas porque para vinhos de preços normais são inviáveis economicamente. Por isso é que se plantaram novas vinhas. A nossa aposta foi aproveitar a carga histórica”. De tão dispersas que estavam, as videiras sexagenárias foram compradas a cerca de 10 proprietários, com algumas a materializarem-se apenas em “quatro ou cinco carreiras”.
Vai daí que os topos de gama branco e tinto da casa — ambos “Vinhas Velha” — tenham, na sua essência, Antão Vaz e Perrum e Aragonez e Tinta Grossa, respetivamente. Já os “Reserva” assumem um perfil propositadamente internacional: Chardonnay e Sauvignon Blanc no branco e Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Malbec e Marselan no tinto. Na vinha com mais de 10 anos que já existia na quinta foram encontradas “castas estranhas”, incluindo a branca Vermentino, que é utilizadas nos “Colheita” e nos “Colheita Selecionada”. “O target do projeto é ser metade para o mercado nacional e metade lá para fora”, assegura o enólogo. Em 2020, apesar da pandemia, a produtora vidigueirense registou um crescimento de cerca de 30% e alcançou novos mercados — Brasil e Países Baixos —, sendo que os principais são Portugal e Alemanha.
Da Comporta a Melides, o presente e o futuro do novo paraíso português
Dieter, que se considera um amante de vinhos, admite que ficou surpreendido com a qualidade que encontrou na região: “Nunca esperei beber um bom vinho branco no Alentejo”. E sobre os rótulos que nascem na propriedade que comprou, cujas origens remontam ao arranque do século XVIII, diz estar convencido que os seus vinhos são “diferentes dos outros”. “Estou muito contente.” O povo “muito legal” e o “Portugal puro” do Alentejo contribuem para o entusiasmo que tem até seduzido outros empresários ligados ao mundo da moda. Exemplo disso é a aposta do designer Christian Louboutin cujo hotel de charme já está a ser construído em Melides. E será que já provou os vinhos da Quinta do Paral? “Ainda não há relação”, diz Dieter. Questionado sobre se gostaria que houvesse, solta mais um “porque não?”.