Cristiano Ronaldo é inevitável. Na passada quarta-feira, quando o Manchester United estava empatado em Old Trafford com a Atalanta e o relógio bateu nos 80 minutos, todos sabiam que um eventual golo da vitória só poderia vir dele. Ronaldo não desiludiu, subiu às alturas e cabeceou para ser novamente a única coisa que alguma vez soube ser: o herói.

De forma quase perfeita, o jogador português deu uma entrevista à Sky Sports durante a semana, na antevisão da receção ao Liverpool, e prolongou por vários dias o êxtase da vitória na Liga dos Campeões. “Estamos num momento de mudança. Cheguei eu, o Varane, o Sancho. A adaptação vai levar tempo, até o sistema em que jogamos, porque só assim é que conseguimos chegar aos prémios individuais. Todos devem saber o seu lugar. Eu sei o meu papel na equipa, no clube. O meu trabalho é marcar golos, embora também tenha um papel defensivo, ajudar com a minha experiência para compreender o jogo. Se todos pensarem assim, no sacrifício pela equipa, seremos melhores”, disse Ronaldo, que não deixou de responder às críticas que têm surgido sobre o facto de não defender e não realizar uma pressão intensa ao adversário.

Bruno assistiu, Ronaldo marcou e houve mais um milagre em Old Trafford: United vence Atalanta com reviravolta

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“Sei quando equipa precisa da minha ajuda em termos defensivos, faz parte do meu trabalho. Há pessoas que não querem ver isso porque não gostam de mim. Mas sejamos honestos: tenho 36 anos, já ganhei tudo, vou estar preocupado com quem diz coisas negativas sobre mim? Durmo bem à noite, de consciência tranquila. Podem criticar mas vou continuar a calar muitas bocas e a ganhar”, atirou. Ainda assim, e apesar de a quase épica vitória contra a Atalanta ter ajudado a levar o moral em Old Trafford, a verdade é que as semanas não têm sido fáceis no Manchester United. A equipa de Solskjaer leva três jornadas consecutivas sem ganhar na Premier League, o treinador norueguês é cada vez mais contestado e a ideia de que os red devils podem lutar pelo título já começou a desvanecer quando ainda estamos em outubro.

Tudo isso pareceu ainda mais grave quando, ao intervalo do jogo contra a Atalanta, o Manchester United estava a perder em casa por dois golos de diferença. Aí, no balneário, Cristiano Ronaldo lembrou-se daquilo que defende sempre: o sacrifício pela equipa. De acordo com o jornal The Sun, o jogador português assumiu o papel de líder ao intervalo, dirigiu-se aos colegas e defendeu que a exibição da primeira parte era “inaceitável”. “Perguntou se não tinham vergonha e disse que não era assim que o Manchester United jogava em frente aos próprios adeptos. Disse que precisavam de ganhar o jogo e que, se isso não acontecesse, talvez não se apurassem para a próxima fase da Liga dos Campeões”, pode ler-se no jornal, que também acrescenta que Bruno Fernandes foi o outro elemento do plantel que falou à equipa para além de Solskjaer.

Este domingo, novamente em casa e num jogos de maior rivalidade em Inglaterra, o Manchester United recebia um Liverpool que vinha de três vitórias nos últimos quatro jogos, que tem apresentado uma dimensão ofensiva que faz lembrar o ano em que conquistou a Premier League e que tem contado com um Salah num pico de forma admirável. Solskjaer repetia o onze que começou o jogo contra a Atalanta, com Pogba e Jadon Sancho no banco e McTominay, Greenwood e Rashford enquanto titulares, sendo que Cristiano Ronaldo e Bruno Fernandes também mantinham a presença nas opções iniciais. Do outro lado, Jürgen Klopp apostava principalmente numa surpresa: Diogo Jota era titular e Mané começava no banco, com o português a fazer tripla no ataque com Roberto Firmino e Salah. No eixo defensivo, era Konaté a aparecer ao lado de Van Dijk, ao invés de Matip, e James Milner era o eleito para terceiro elemento do meio-campo, com Oxlade-Chamberlain a ser suplente e Fabinho a não aparecer na ficha de jogo.

Descrever a primeira parte da visita do Liverpool ao Manchester United é quase como descrever um massacre: inclui alguém que não deu hipóteses ao oponente, alguém que não teve hipóteses com o oponente e um resultado final que traz consequências internas brutais para quem perde. A equipa de Solskjaer até começou bem, com Bruno Fernandes a ter uma boa oportunidade para abrir o marcador depois de uma transição rápida mas a atirar ao lado (4′). O que os red devils não sabiam, porém, é que só iriam poder respirar durante cinco minutos. Num lance em que tentou pressionar muito alto e recuperar a bola ainda no meio-campo adversário, o Manchester United puxou demasiado a manta e ficou com os pés de fora. Salah aproveitou, Luke Shaw ficou sozinho contra dois adversário e foi Naby Keita, que já tinha marcado na Liga dos Campeões, a colocar o Liverpool a ganhar (5′).

A partir daí, a equipa de Solskjaer nunca voltou a colocar-se de pé. David De Gea ainda evitou o golo de Roberto Firmino (7′) mas nada conseguiu fazer perante Diogo Jota: depois de um desentendimento absurdo entre Harry Maguire e Luke Shaw, Keita aproveitou, abriu na direita em Trent Alexander-Arnold e o lateral cruzou para o segundo poste, onde o avançado português encostou para aumentar a vantagem (13′). Greenwood rematou ao lado numa rara aparição do Manchester United junto à baliza de Alisson (29′), James Milner saiu por lesão e deu o lugar ao jovem Curtis Jones, De Gea respondeu a um remate de Salah (32′) mas tudo, em Old Trafford, era uma questão de tempo até um novo golo do Liverpool.

Já perto do intervalo, Firmino foi da direita para o meio, combinou com Salah e Diogo Jota para o egípcio rematar contra a defesa adversária e a bola sobrou para Keita na direita; sem qualquer oposição, o médio cruzou para o primeiro poste, onde Salah encostou (38′), ultrapassando Didier Drogba e tornando-se o melhor marcador africano da história da liga inglesa. Instantes depois, o avançado ainda teve tempo para bisar, atirando rasteiro após uma assistência de Jota (45+5′). O Manchester United chegou ao intervalo a ser goleado e completamente anulado e a imagem da cabeça perdida dos jogadores dos red devils era, de forma inesperada, Cristiano Ronaldo: o jogador português irritou-se com Curtis Jones, pontapeou uma bola contra o adversário e viu um cartão amarelo depois de se envolver numa discussão com Van Dijk. A equipa de Solskjaer não sabia jogar sem bola, era unidimensional a atacar e, pela primeira vez na história da Premier League, tinha sofrido quatro golos em casa numa primeira parte. E ao intervalo, já muitos adeptos deixavam Old Trafford.

No arranque da segunda parte, o treinador norueguês tomou a decisão expectável e tirou Greenwood para colocar Pogba. Foi a partir de uma perda de bola do médio francês, contudo, que o Liverpool deu continuidade ao inevitável: Henderson surgiu no meio-campo, tirou um passe perfeito a desmarcar Salah e o avançado, à saída de De Gea, picou por cima do guarda-redes para carimbar o hat-trick (50′). Cristiano Ronaldo procurou assumir uma espécie de resposta do Manchester United pouco depois, ao acertar na baliza com um pontapé cruzado depois de um movimento da esquerda para dentro (52′), mas o lance acabou por ser anulado por fora de jogo e nada parecia correr de feição à equipa de Solskjaer.

À chegada à hora de jogo, tudo ficou ainda pior para o Manchester United. Pogba começou por ver cartão amarelo depois de uma entrada a pés juntos sobre Keita mas o árbitro, depois de observar as imagens do VAR, expulsou o francês ao fim de 15 minutos em campo e deixou os red devils com menos um elemento com ainda meia-hora para jogar. Keita, por outro lado, saiu de maca e teve de ser substituído por Oxlade-Chamberlain, com Solskjaer a tentar recuperar a equipa com as entradas de Cavani e Diogo Dalot e as saídas de Bruno Fernandes e Rashford. Nesta altura, a transmissão televisiva permitia entender a debandada coletiva de centenas de adeptos do United.

Até ao fim, já pouco aconteceu. O Liverpool tirou o pé do acelerador, de forma natural, e passou o tempo restante a gerir o confortável resultado com a bola nos pés e sem permitir nada a um ofensivo Manchester United, que desistiu do jogo a partir da expulsão de Pogba. A equipa de Solskjaer sofreu uma das piores derrotas em casa na história da Premier League, leva quatro jornadas sem ganhar e já caiu para o sétimo lugar da classificação, ao passo que os reds estão no segundo lugar a um ponto do Chelsea. Mas a partida deste domingo, em Old Trafford, foi bem mais do que o fim da linha para o treinador norueguês: foi o descarrilamento total de uma equipa que tem de voltar a equilibrar-se, de redefinir os objetivos para a temporada e de fazer um corte total com o passado recente.