Angola e Moçambique são dois dos três países com mais incêndios na África Austral e, embora o fogo tenha benefícios, o aumento da intensidade e da frequência tem consequências para a biodiversidade e as alterações climáticas, disseram investigadores.

Em entrevista à Lusa, o investigador do Instituto Superior de Agronomia (ISA) da Universidade Nova de Lisboa José Miguel Pereira explicou que o facto de Angola, Moçambique e a Zâmbia serem os três países da região com mais atividade de fogos tem a ver com a localização destes países no globo.

“Ocupam uma faixa de latitude no hemisfério sul de África onde estão reunidas condições de meteorologia e de vegetação e de atividade humana propícias a um crescimento rápido da vegetação”, disse, acrescentando que naquela zona a vegetação cresce muito na época das chuvas, acumulando combustível, e depois “arde extensivamente na parte seca do ano”.

“É uma coisa muito característica das savanas tropicais, os tipos de ecossistemas que mais ardem no mundo”, afirmou.

José Miguel Pereira explicou que, segundo um estudo que realizou há uns anos, o fogo no continente tem um ciclo semanal e aos dias de descanso – domingo nas regiões cristãs e sexta-feira nas muçulmanas – “há muito menos fogos do que noutros dias da semana”, o que prova que resulta da atividade humana.

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“Acaba por ser uma ferramenta de trabalho. É uma forma de as pessoas conseguirem limpar os terrenos agrícolas e (…) tornarem os solos mais férteis”, disse à Lusa a investigadora Sílvia Catarino, também do ISA, acrescentando que os fogos são também muito usados como método de caça.

Primeira autora de um artigo científico recente sobre o impacto do fogo em Angola, Sílvia Catarino admite que, apesar dos benefícios do fogo, que é um dos principais motores dos ecossistemas naturais em África, o aumento da frequência ou da intensidade pode afetar negativamente a biodiversidade.

“Se forem muito frequentes, (…) tende a afetar negativamente a vegetação. Se forem muito intensos afeta a parte arbórea da vegetação e esta não tem tempo suficiente para se regenerar”, exemplificou.

Para outra investigadora do ISA, Maria Romeiras, “o grande problema dos incêndios é juntarem-se à sobre-exploração da floresta, porque são florestas que têm muitas espécies raras e que têm vindo a ser sobre-exploradas devido à qualidade das madeiras”.

Além disso, o fogo produz gases com efeito de estufa, que contribuem para as alterações climáticas.

Segundo José Miguel Pereira, o continente africano é responsável em média por 70% da área queimada anual de todo o planeta e por cerca de 60% das emissões de gases com efeito de estufa resultante da queima de vegetação.

Apesar disso, explicou o cientista, o objetivo não deve ser suprimir ou acabar com o fogo, como desejam muitas vezes as administrações centrais dos países africanos.

“Isso não seria nem possível nem desejável” em comunidades e ecossistemas em que o fogo tem um papel fundamental, disse.

O problema é a frequência excessiva ou a intensidade excessiva dos fogos, disse, acrescentando que outra dificuldade é quando as queimadas são feitas numa altura do ano que não é a mais adequada.

O objetivo, disse, é “gerir o fogo de uma maneira que se aumentem os benefícios que se podem retirar dele e se diminuam os prejuízos”.

Para melhorar a gestão do fogo, cientistas na Austrália recuperaram técnicas de gestão do fogo que os povos indígenas usam há milénios para gerir vastas áreas de território em todo o mundo, num projeto em que Angola e Moçambique estão envolvidos.

Segundo o investigador português, a estratégia passa sobretudo por fazer as queimadas mais cedo na época da seca, para reduzir as emissões que se verificam quando os incêndios ocorrem numa vegetação demasiado seca.