O adjetivo surreal, aqui, peca por escasso. O Belenenses SAD defrontou este sábado o Benfica com apenas nove elementos, regressou para a segunda parte com somente sete e acabou o jogo logo nos primeiros instantes depois do intervalo, com João Monteiro a garantir que estava lesionado e o árbitro Manuel Mota a ter de soar o apito final porque nenhuma equipa pode atuar com seis jogadores.
Durante a manhã deste sábado, o presidente do Belenenses SAD garantiu que não tinha pedido o adiamento do jogo; depois do apito final, Rui Pedro Soares garantiu que o pediu durante a tarde. Numa conferência na sala de imprensa do Estádio Nacional do Jamor, o dirigente explicou que mudou de ideias quando foram conhecidos os resultados dos testes PCR realizados ao longo do dia, atribuindo à Liga de Clubes a responsabilidade pelo não adiamento da partida.
“A primeira palavra vai para os meus jogadores. Há 48 anos que vejo futebol e nunca vi jogadores tão dignos como estes que foram obrigados a jogar. Para eles, um sentimento de profunda compreensão, mostraram a todos o que é ter dignidade. Termos jogado aqui hoje foi uma vergonha para todos nós menos para os nove que se apresentaram em campo. Ontem fizemos testes antigénio e esses testes deram um conjunto de resultados positivos que foram comunicados. Durante o dia de hoje, foram realizados testes PCR para confirmar os antigénio. A meio da tarde, colocámos à Liga que não queríamos realizar o jogo mas foi-nos dito que tínhamos oito jogadores em condições de ir a jogo. E que, como tal, se não fôssemos a jogo tínhamos falta de comparência. Desses oito, havia um que estava lesionado há meses e outro que estava na África do Sul porque foi impedido de entrar em Portugal por não ter visto de residente, apesar de morar aqui há mais de quatro anos. Ainda não conseguiu viajar para cá. Só que os regulamentos não preveem que a falta desse jogador fosse considerada justificada. Esse jogador estava apto para o jogo”, começou por dizer o presidente do Belenenses SAD, que deixou a sala de imprensa para voltar instantes depois para “esclarecer” o pedido de adiamento.
“Uma coisa é a vergonha a que assistimos, outra pior são faltas de comparência, pois resultam em perdas de pontos. Foi entendido que tínhamos jogadores suficientes para ir a jogo. Às 19h13 temos o lote final de jogadores, que era diferente do que tínhamos ontem. Isto porque houve um caso que ontem deu positivo e hoje negativo e outro o contrário. Passámos a ter nove jogadores em condições de ir a jogo, dois deles guarda-redes. O que aconteceu hoje foi uma grande vergonha, não há regulamento e calendário que justifiquem o que aconteceu hoje. Nunca na minha vida assisti a um comportamento tão digno como o daqueles nove. A meio da tarde, pedimos à Liga o adiamento. O que nos responderam foi que tínhamos oito jogadores para ir a jogo. A nossa alternativa era ter falta de comparência. Às 19h, havia um lesionado e um que não estava cá. Não havia sequer condições para jogar. Às 19h13, há revisão da lista de disponíveis, que resulta dos testes PCR, e nós pedimos para não jogar às 19h13. Pedimos ao Benfica para não jogar às 19h13. Falei com a Liga bastante mais cedo do que com o Benfica e disseram-me que tinha oito jogadores para ir a jogo. A alternativa era a falta de comparência e perder dois a cinco pontos. Essa era a alternativa às 15h”, afirmou Rui Pedro Soares.
De recordar que, durante a manhã deste sábado, Rui Pedro Soares garantiu que o adiamento da partida não havia sido solicitado. “O Belenenses SAD não pediu o adiamento do jogo, nem ao Benfica, nem à Liga, nem às autoridades de saúde. Não houve pedido, nem recusa, nem acordo. Não houve nada. Isso não aconteceu nem vai acontecer. Temos 38 jogadores inscritos. Confiamos em todos e, se os inscrevemos, é porque consideramos que têm valor para jogar. A decisão é das autoridades de saúde, em quem confiamos plenamente. Quando a decisão for tomada, vamos respeitá-la”, disse o presidente dos azuis, em conferência de imprensa, reforçando também a ideia de que havia sido realizada uma nova ronda de testes. Os resultados desses mesmos testes, conhecidos esta tarde, terão então provocado a mudança de ideias de Rui Pedro Soares.
Depois das declarações do presidente do Belenenses SAD, a Direção-Geral da Saúde afastou a possibilidade de ter poder de decisão sobre a realização ou não do jogo. O delegado de saúde que está a acompanhar o caso “emite um parecer” sobre as condições para a realização da partida mas, “depois, são os clubes que decidem” se têm capacidade de resposta face aos jogadores impedidos de entrar em campo por terem obtidos resultados positivos no teste PCR, explicou a DGS ao Observador.
Pouco depois de Rui Pedro Soares, Rui Costa também surgiu na sala de imprensa do Jamor para confirmar a ideia de que teriam de ter sido as autoridades de saúde ou a Liga de Clubes a adiar a partida. Queria essencialmente lamentar o que aconteceu hoje no Jamor, lamentar esta página negra do futebol português e do próprio país. O Benfica simplesmente cumpriu com o regulamento da mesma forma que o Belenenses SAD foi obrigado ir a jogo. Se o Benfica não se apresentasse também perderia o jogo. Devemos estar todos envergonhados com o aconteceu mas o Benfica não é responsável por esta página negra. Não nos agradou de forma nenhuma entrar em campo nestas condições. O Benfica foi, assim como o Belenenses SAD, obrigado a entrar em campo. As duas entidades responsáveis não adiaram o jogo, não seria o Benfica a fazê-lo também. Não houve nenhuma informação contrária da Liga. O Benfica é alheio a essa situação”, disse o presidente encarnado.
O Belenenses SAD atuou com nove elementos de início, sendo que apenas Diogo Calila pertencia à equipa principal — tendo sido autorizado pelas autoridades de saúde por ter estado infetado com Covid-19 há menos de 180 dias. Dois dos nove jogadores eram guarda-redes e, no início da segunda parte, os azuis regressaram ao relvado com apenas sete elementos, já que Calila e António Montez permaneceram no balneário. No recomeço, João Monteiro atirou a bola para fora e sentou-se no relvado, deixando o conjunto reduzido a seis jogadores e acabando com o jogo nesse momento. Ao longo de toda a primeira parte, o Belenenses SAD não teve qualquer treinador a orientar a equipa, já que tanto Filipe Cândido como todos os adjuntos e o técnico dos Sub-23 testaram positivo. A equipa médica presente no Jamor, acrescente-se, pertencia aos Sub-23 do clube. Rui Pedro Soares saiu em lágrimas ao intervalo, tendo sido consolado por Rui Pedro Braz, e todos os jogadores entraram em campo de máscara, assim como os elementos da equipa de arbitragem.
Um dos jogadores infetados é Cafú Phete, internacional sul-africano que esteve recentemente ao serviço da seleção e que regressou a Portugal no passado dia 18 de novembro. O central jogou contra o Zimbabué a 11 de novembro e no Gana a 14 de novembro, tendo já defrontado o Caldas, na Taça de Portugal, desde que voltou a integrar os trabalhos do Belenenses SAD. Com este cenário, sendo que esta é já a terceira vez que Cafú Phete testa positivo à Covid-19, abre-se a porta ao receio de que o surto do clube tenha origem na nova variante Ómicron, detetada precisamente na África do Sul. Na conferência de imprensa que deu de manhã, Rui Pedro Soares sublinhou que “todos os atletas estão vacinados” mas que a hipótese de este ser um contágio com origem na nova estirpe “tem, naturalmente, de ser considerada”.