Marcelo Rebelo de Sousa vetou, esta segunda-feira, sem promulgação, o decreto que recebeu da Assembleia da República sobre a morte medicamente assistida, “envolvendo a eutanásia e o suicídio medicamente assistido”.

Em nota publicada no site da presidência, o chefe de Estado solicita que se clarifique duas “contradições”. Uma delas prende-se com a exigência de “doença fatal” para a permissão de antecipação da morte. O Presidente argumenta que essa exigência pode ser alargada para uma “doença incurável” mesmo que não seja fatal e ainda a “doença grave”.

O Presidente da República pede, assim, que a Assembleia da República clarifique se é exigível “doença fatal”, se só “incurável”, se apenas “grave”, numa carta (que pode ver aqui) divulgada no site da Presidência.

No caso de deixar de ser exigível a “doença fatal”, Marcelo pede que se repondere “a alteração verificada”, uma vez que corresponde “a uma mudança considerável de ponderação dos valores da vida e da livre autodeterminação, no contexto da sociedade portuguesa”. Frisou também que esta reponderação demorará nove meses — atirando a decisão, por isso, para outra legislatura.

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Marcelo reforça que as suas convicções não tiveram qualquer peso na decisão

Ainda no caso da doença grave ou numa incurável, Marcelo diz que o “legislador tem de escolher entre exigir para a eutanásia e o suicídio medicamente assistido – que são as duas formas da morte medicamente assistida que prevê, entre a ‘doença só grave’, a ‘doença grave e incurável’ e a ‘doença incurável e fatal’”.

Para mais, o chefe de Estado indica que o novo texto do diploma “ora usa ‘doença grave ou incurável’, o que quer dizer uma ou outra, ora define aquela como grave e incurável, o que quer dizer, além de grave, também incurável, ora usa ‘doença grave e fatal ‘, o que quer dizer que, além de grave e incurável, determina a morte. Não apenas é grave, incurável, progressiva e irreversível, como acontece com doenças crónicas sem cura e irreversíveis. É fatal”.

“Em matéria tão importante como esta — respeitante a direitos essenciais das pessoas, como o direito à vida e a liberdade de autodeterminação –, a aparente incongruência corre o risco de atingir fatalmente o conteúdo”, prossegue o Presidente.

Tribunal Constitucional chumba despenalização da eutanásia

Num cenário em a Assembleia da República optar por renunciar “à exigência de a doença ser fatal, e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida”, tal significa que Portugal seguirá os países com uma “solução mais drástica ou radical”, como os Países Baixos ou a Bélgica. “Trata-se de saber em que bases se apoia a opção pela solução mais drástica e radical, se for essa a opção da Assembleia da República”, lê-se no diploma.

Marcelo reforça que as suas convicções não tiveram qualquer peso na decisão, destacando o juízo que formula é aquilo que diz corresponder ao “sentimento valorativo dominante na sociedade portuguesa”. E justifica que não suscitou a fiscalização prévia do Tribunal Constitucional por “haver prévias aparentes incongruências de texto a esclarecer” e por “desse esclarecimento decorrer, largamente, o tipo de juízo jurídico-constitucional formulável”.

A decisão de Marcelo foi tomada após a visita oficial a Angola, três dias após de ter recebido o decreto da Assembleia da República, prescindido-se de “prazos constitucionais mais longos”. “Seria constitucional, mas sinal de desrespeito, usar os prazos conferidos pela Constituição e decidir já depois de a Assembleia da República se encontrar dissolvida”, justifica o Presidente.

Partidos divididos: “Lei mal feita” vs. “Veto é político”

Os partidos estão divididos quanto ao veto do Presidente à lei da eutanásia.

O Bloco de Esquerda e PS classificam de “político” o veto do Presidente.

A deputada socialista Isabel Moreira, uma das autoras do diploma, defende que os argumentos que o Presidente tem deveria ser o Tribunal Constitucional a dar.

Eutanásia. “Veto é político”, diz PS

Também o deputado José Manuel Pureza, que é igualmente um dos autores do diploma, considera que o veto de Marcelo à lei da eutanásia é um pretexto para impedir o processo legislativo nesta fase.

Marcelo veta lei da eutanásia. “Posição não tem fundamento”, afirma José Manuel Pureza

Ouvida pela Rádio Observador, a médica e ex-deputada centrista Isabel Galriça Neto elogia o veto do chefe de Estado àquela que diz ser “uma lei mal feita”.

Eutanásia. “É um veto a uma lei mal feita”, diz CDS

Isabel Galriça Neto reconhece que este veto de Marcelo Rebelo de Sousa pode ser considerado um veto político, mas considera que está bem fundamentado.

Já o deputado do partido comunista, António Filipe, vê com normalidade esta ação do Presidente da República.

Eutanásia. PCP considera que o veto é “um exercício normal”

Há oito meses, Marcelo Rebelo de Sousa vetou o anterior decreto do parlamento sobre esta matéria, que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional por “insuficiente densidade normativa” do artigo 2.º n.º 1, que estabelecia os termos para a morte medicamente assistida deixar de ser punível, em resposta a um pedido seu de fiscalização preventiva.

Na sequência do veto, o Parlamento reapreciou o decreto e aprovou uma nova versão em 5 de novembro, com votos a favor da maioria da bancada do PS e de BE, PAN, PEV, Iniciativa Liberal, de 13 deputados do PSD e das deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues.

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Dois deputados socialistas e três sociais-democratas abstiveram-se. A maioria da bancada do PSD votou contra (sendo uma das exceções o presidente do partido, Rui Rio), assim como PCP, CDS-PP e Chega e sete deputados do PS.

Governo diz que cabe ao próximo Parlamento responder a Marcelo

“O próximo parlamento terá que encontrar soluções para responder às questões do Presidente da República”, apontou o secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, Tiago Antunes, em declarações à CNN Portugal. O secretário de Estado lembrou que o Tribunal Constitucional já se tinha pronunciado “dizendo que havia questões onde a lei tinha de ser mais determinada” e considerou que a Assembleia da República “fez um trabalho no sentido de determinar esses conceitos”.

“O Presidente da República entende que esta determinação não é suficiente. O próximo parlamento terá de trabalhar esse aspeto”, disse ainda.

Pedro Filipe Soares, líder parlamentar da bancada do Bloco de Esquerda, também reagiu ao veto. Na sua conta pessoal do Twitter, diz tratar-se de um “veto cínico”, acrescentando que não será “o cinismo presidencial a ter a última palavra”.

“A eutanásia será legal, mais cedo do que tarde”, garante o bloquista, referindo que a “próxima legislatura limpará da nossa memória este desumano veto de Marcelo Rebelo de Sousa”.

Já esta terça-feira, o Chega considerou que o veto do Presidente da República ao diploma sobre a morte medicamente assistida vai permitir que o assunto volte a ser discutido no parlamento “na próxima legislatura com total tranquilidade e seriedade”.

Em comunicado, a Direção Nacional do Chega “congratula a decisão do senhor Presidente da República de não promulgar a lei da eutanásia, devolvendo, novamente, o diploma à Assembleia da República”.

Com esta decisão do senhor Presidente da República, o tema voltará a ser discutido no parlamento na próxima legislatura com total tranquilidade e seriedade e com uma composição parlamentar diferente da atual que primará pela defesa da vida e do ser humano”, defende o partido.

O Chega aponta também críticas à lei, considerando que “apresenta várias lacunas e contradições, mostrando uma clara falta de respeito pelo exercício de legislar que se quer sério, responsável e ponderado”.

E defende que o diploma foi “elaborado à pressa para ser aprovado pela maioria de esquerda que atualmente domina o parlamento”.

PCP diz que Presidente da República colocou “problemas circunstanciais” a diploma que tem de ser reiniciado

O deputado comunista António Filipe sustentou esta terça-feira que o Presidente da República colocou “problemas circunstanciais” sobre as formulações utilizadas quando vetou o diploma da eutanásia, acrescentando que o processo terá de recomeçar na próxima legislatura.

Questionado pela agência Lusa sobre o veto do Presidente da República, na segunda-feira, ao decreto sobre a morte medicamente assistida, o deputado disse que o partido “não viu com olhos nenhuns” a posição de Marcelo Rebelo de Sousa.

“As razões que levaram o PCP a votar contra a provação desta lei de legalização da eutanásia não são as que são colocadas pelo Presidente da República”, elaborou António Filipe.

O também membro do Comité Central do PCP completou que Marcelo Rebelo de Sousa colocou “problemas circunstanciais relativamente a formulações utilizadas”.

O PCP, na exposição das suas razões, não se prendeu com formulações. Prendeu-se, de facto, com aquilo que considera que é uma posição de fundo por parte do Estado e do legislador perante a questão que foi suscitada”, explicou.

António Filipe referiu também que “não é um veto absoluto”, uma vez que é “ultrapassável havendo “uma maioria absoluta” na Assembleia da República”.

No entanto, por causa da dissolução do parlamento, que está iminente, o processo “terá de ser reiniciado” na próxima legislatura.

“O regimento da Assembleia da República impõe um prazo de 15 dias mínimo entra a receção da mensagem de veto do Presidente e a possibilidade de confirmação do diploma, o que, como se sabe, não será possível”, explicitou.

Por isso, o parlamento “só poderá, querendo usar o seu direito de confirmar o diploma, numa legislatura seguinte, dado que nesta já não é possível, o que impõe o regresso do processo legislativo ao seu início”, porque “qualquer iniciativa caduca com o fim da legislatura, exceto as petições”.

Na próxima legislatura, a posição contra do PCP vai manter-se, já que o “PCP tem uma posição muito consolidada sobre esta matéria e que é aquela que tem vindo a manter desde que a questão foi suscitada”.

“Não vemos razões para a alterar”, finalizou António Filipe.

PAN lamenta que Presidente da República não tenha acompanhado “vontade ampla” do parlamento

O PAN lamentou esta terça-feira que o Presidente da República não tenha acompanhado uma “vontade ampla” do parlamento ao vetar o decreto sobre a eutanásia e indicou que quer “continuar a trabalhar” no tema na próxima legislatura.

“A nossa posição tem sido clara no que diz respeito à vida das pessoas, só elas próprias têm o direito de decidir sobre a mesma, mas com a clara preocupação permanente em todo o projeto de lei de que houvesse um processo sistemático de avaliação por parte do doente, de poder mudar de ideias a qualquer momento, no fundo, trata-se de uma decisão de justiça e de consciência“, afirmou a líder parlamentar do PAN.

Em declarações à agência Lusa, Bebiana Cunha lamentou que o Presidente da República não “possa acompanhar” o PAN, “nem possa acompanhar esta vontade de uma ampla Assembleia eleita”.

A deputada do Pessoas-Animais-Natureza defendeu também “aquele que foi o espírito do legislador quando consagrou a doença grave ou incurável como uma doença que ameaça vida em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origine grande sofrimento, sofrimento de grande intensidade”.

Aquele que é o principal aspeto reiterado na pronúncia do senhor Presidente da República, que considera que precisa de clarificação entre doença incurável ou doença fatal, parece-nos que naquela que foi a redação enviada e que se chegou a consenso em sede de grupo de trabalho e numa ampla aprovação na Assembleia da República, ela já previa, já era espírito de legislador deixar esta matéria bem clara”, salientou Bebiana Cunha.

O PAN compromete-se também a “continuar a trabalhar no sentido de que as pessoas em Portugal, mediante determinadas condições, regras muito específicas, que se encontrem num estado de sofrimento bastante intenso, bastante elevado, mas sempre na perspetiva de uma decisão reiterada, ponderada, consciente, possam ter acesso à morte medicamente assistida ou à eutanásia”.

“Da nossa parte tudo faremos para tal, resta saber se o senhor Presidente da República, resolvidas essas questões que não lhe deixem quaisquer dúvidas sobre a redação jurídica, resta saber também se o seu posicionamento pessoal e enquanto Presidente da República irá ser dar o devido seguimento à promulgação de uma lei tão importante quanto esta“, afirmou ainda a líder parlamentar.