Não quero irritar o povo francês, mas quanto aos não vacinados, quero mesmo chateá-los. E vamos continuar a fazer isto, até ao fim. Esta é a estratégia.”

Em entrevista descontraída com leitores do jornal Le Parisien, o Presidente francês admitiu, numa altura em que o parlamento debate a alteração à lei que poderá fazer com que, a partir de fevereiro, o certificado de saúde nacional passe a estar disponível apenas para os vacinados e não para quem apresente testes negativos à Covid-19, que a sua estratégia passa efetivamente por “chatear” todos aqueles que decidirão não tomar a vacina. “Numa democracia, os piores inimigos são a mentira e a estupidez”, disse Emmanuel Macron. “Estamos a fazer pressão sobre os não vacinados, limitando, tanto quanto possível, o seu acesso a atividades da vida social.”

As palavras do Chefe de Estado levantaram um coro de críticas, não só pelo que disse mas como o disse — usando o calão francês “emmerder” —,  que levou mesmo à suspensão dos trabalhos, esta quarta-feira, no parlamento: a Assembleia Nacional resolveu adiar a decisão sobre o passe vacinal.

Numa altura em que 90% da população elegível está vacinada contra a Covid-19, o presidente francês assumiu que quer vencer os restantes 10% pelo cansaço: “Só uma minoria muito pequena continua a resistir. Como é que reduzimos essa minoria? Reduzimo-la — desculpem a expressão — irritando-os ainda mais”.

Depois garantiu: não faz parte dos seus planos enviar ninguém para a prisão por não querer ser vacinado, nem tão pouco inocular pessoas à força, só vedar-lhes o acesso a espaços interiores públicos como cafés, restaurantes, cinemas, museus, concertos, eventos desportivos, aviões e viagens de longa distância via comboio (tudo aquilo que a pandemia tornou acessível apenas mediante a apresentação do certificado de saúde). “Quando as minhas liberdades ameaçam as dos outros, torno-me alguém irresponsável. Alguém irresponsável não é um cidadão”, acrescentou ainda o presidente, que continua sem formalizar a sua candidatura às presidenciais de abril.

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Sem surpresas, os seus adversários políticos não tardaram a reagir. Jean-Luc Mélenchon, o líder do partido de esquerda França Insubmissa que é pela terceira vez candidato à presidência, acusou Macron de ter usado uma linguagem “terrível” e manifestou-se contra as alterações à lei em vigor: “É evidente que o passe de vacina é um castigo coletivo contra as liberdades individuais”.

Já Marine Le Pen, líder do partido de extrema-direita Frente Nacional, acusou-o de estar “a transformar os não vacinados em cidadãos de segunda classe”, disse que a sua linguagem não era “digna do cargo” e que um Presidente “não devia dizer este tipo de coisas”.

“Nenhuma emergência sanitária justifica tais palavras” apontou, por sua vez, Bruno Retailleau, presidente do partido Os Republicanos no Senado. “Emmanuel Macron diz que aprendeu a amar os franceses, mas parece que gosta especialmente de os desprezar.”

Várias trocas acesas de argumentos surgiram entre os deputados, com a oposição a reclamar a presença no hemiciclo do primeiro-ministro francês, Jean Castex. Os trabalhos parlamentares seriam suspensos já durante a madrugada.

“Acho que podemos concordar que não estão reunidas as condições de trabalho sereno para continuar esta sessão”, disse Marc Le Fur, deputado da maioria que estava a presidir à sessão.

No hemiciclo, Nicolas Dupont-Aignan, deputado da extrema-direita e candidato à presidência, considerou que “as palavras do Presidente desonram” a sua função e a Assembleia.

Já o presidente da força política Os Republicanos (direita), Christian Jacob, disse não querer aprovar um diploma que serve para “chatear” os franceses.

Já esta manhã, Valérie Pécresse, candidata presidencial dos Republicanos, afirmou que é preciso “acabar com este mandato de desprezo”.

O facto de o Presidente ter dito que “um irresponsável não é um cidadão” chocou também muitos franceses, nomeadamente os cerca de cinco milhões que escolheram não se vacinar contra a doença Covid-19.