Dois programas políticos completamente diferentes, duas ideias de país completamente diferentes, dois partidos que praticamente não têm pontos em comum. No debate entre João Oliveira, em substituição de Jerónimo de Sousa, e Rui Rio só houve mesmo espaço para uma ideia partilhada — a do ataque a António Costa, o adversário de ambos que não estava presente mas pareceu pairar nos estúdios da SIC.

A aparente, e circunstancial, concordância aconteceu quando João Oliveira foi questionado sobre a posição do PCP no chumbo deste Orçamento do Estado — um dossiê em que o líder parlamentar estava especialmente à vontade, ou não tivesse sido o responsável por dar a cara em boa parte do processo orçamental — e disparou o argumentário do PCP para estas eleições: a crise política só aconteceu porque o PS a quis provocar, “convencido” de que assim chegaria à maioria absoluta.

Rui Rio ia acenando em concordância e aproveitou até para “subscrever” — com alguma ironia à mistura — a posição do PCP. “Quando o PS se meteu nas mãos do PCP sabiam perfeitamente qual é a lógica de funcionamento do PCP, um partido coerente. Já sabiam o que iam pedir”. Em resumo: “Foi o PS que se pôs nas mãos do PCP. A culpa é integralmente do Governo”.

Entre os ataques do PCP ao PS — que quis colar ao PSD, insistindo que o ‘centrão’ não dá respostas aos problemas do país — e os ataques do PSD ao PS — que dispensou os sociais-democratas no Orçamento, lembrou Rio — ficavam expostas duas estratégias que pouco ou nada tinham a ver com um confronto entre os partidos que ali estavam representados. Durante a campanha, o PCP atacará o PS por, no seu entender, ter deitado o próprio Governo abaixo em busca da maioria; e o PSD pode aproveitar para falar ao eleitorado de centro e colar o PS aos parceiros com quem escolheu entender-se, e que descreveu como radicais.

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De resto, Rui Rio passou o debate nesse mesmo exercício. A tal “coerência” que elogiou ao PCP foi trazida a jogo para frisar que o partido “defende o mesmo que defendia em 1975” e até devia sentar-se mais à esquerda no Parlamento. “O PCP quer sair do Euro. Sair da União Europeia. Dissolver a NATO. Nacionalização dos setores estratégicos. Restringir o capital estrangeiro”, enumerou, acusando o partido de querer “levar o país à pobreza”.

Do lado de João Oliveira, uma constante negação das afirmações do “caricaturista” Rio. “Estamos muito confortáveis com o que a Constituição prevê, que é uma economia mista. Como caricaturista não tem um traço muito fino“. Quando Rio avançou para os exemplos da Cuba ou da Venezuela, dizendo que o partido quer, como esses países, estar “orgulhosamente só” e fora da UE e da NATO, Oliveira voltou à carga e ironizou: “Não fuja já para o estrangeiro…”. Apesar do esforço de Rio por apontar um PCP radicalizado, Oliveira não foi pelo mesmo caminho por que Catarina Martins, por exemplo, tinha ido, colando o PSD ao Chega ou acenando com os perigos de uma maioria de direita em Portugal — chegou, aliás, a descrever uma maioria absoluta do PS como uma “desgraça”, mostrando que esse é o terreno de combate que o PCP vai escolher na campanha.

No fim, e como resumiu Rio: “Há um mar que separa” PCP e PSD, como era esperado, e que se constatou quando debateram soluções para subir os salários médios, as pensões (Rio prometeu olhar para possíveis aumentos, mas só quando a economia o “permitir”) ou estimular o crescimento económico (e Oliveira lá aproveitou para defender brevemente o legado da geringonça, lembrando que foram os anos de maior crescimento das últimas duas décadas).

Com Rio a falar de um partido que quer levar o país “à pobreza” e Oliveira a insistir que o PSD não é alternativa (mas sem assumir diretamente se quer construir uma alternativa ao lado de António Costa), o debate terminaria sem consenso possível e sem surpresas também.

O lado mais surpreendente do debate terá sido, aliás, a aparição de João Oliveira em representação do PCP, por conta da operação de urgência que Jerónimo de Sousa fará esta quinta-feira, em Lisboa. Apesar de ter assumido os “nervos” por substituir o secretário-geral logo à entrada do debate, Oliveira mostrou a rodagem que já tem em debates políticos, ou tivesse já acumulado anos de experiência como líder parlamentar do PCP — mas tentou arrumar em duas frases a questão de uma possível sucessão de Jerónimo a um canto: “A estenose carotídea de Jerónimo afasta completamente a especulação” e “eu e João Ferreira [que vai substituir Jerónimo no terreno enquanto o líder não voltar] precisamos é de ser substituídos rapidamente por Jerónimo de Sousa”.

Não será nem a primeira nem a última vez que o PCP será confrontado com a pergunta, sobretudo em campanha — mas também não é de esperar que a resposta mude.

O diálogo mais revelador

João Oliveira — Hoje já ninguém tem dúvidas do que tem acontecido e aconteceu no Orçamento. O PS estava convencido de que se fôssemos para eleições teria uma maioria absoluta e fez tudo para que não houvesse Orçamento aprovado. Até respondo com uma pergunta: como é que se explica que Governo que queria mesmo ter um Orçamento, em plena pandemia, não tivesse dado resposta a uma proposta de reforço do SNS? Não se comprometeu com uma única. A explicação é simples: recusando o que propúnhamos, sabia que o desfecho seria este. 

Moderadora – Mas o PCP não desistiu cedo demais?

JO — A gente faz a discussão na medida em que ela é possível. A partir do momento em que a resposta que temos às pensões, SNS, creches — não só a gratuitidade mas a construção –, habitação, questões concretas e absolutamente essenciais, e as respostas são recusas, como se pode estar à espera de que mais à frente as coisas se resolvam? Nas pensões, conseguimos cinco aumentos consecutivos das mais baixas, mas a nossa proposta é que as outras também fossem aumentadas. O PS não quis, mas o PSD também não deixou. 

Moderadora — O PSD não prevê no seu programa um aumento para estas pensões. Como explica preocupar-se em baixar IRC e impostos mas não com os pensionistas, já que tantos têm pensões de miséria?

Rui Rio — Deixe-me dizer uma coisa: relativamente ao Orçamento eu subscrevo o que o PCP diz. Estou em total desacordo com o que o PCP pediu ao Governo, e se estivesse no Governo não dava o que pediu. Agora, o Governo e António Costa quando se meteram com o PCP sabiam perfeitamente qual é a lógica de funcionamento do PCP, que é um partido coerente. Portanto era expectável que o PCP fosse pedir o que pedir e negociar o que negociou. Colocou-se na mão do PCP, não pode agora responsabilizar o PCP, que não veio cá pedir coisas que não pediu antes. A culpa é integralmente do Governo. Acho isto absolutamente fundamental, porque António Costa anda a dizer que a culpa é dos outros e ele é que se entregou.