Amo os animais mais do que tu. Não, eu é que amo. O debate entre André Ventura e Inês Sousa Real transformou-se, em alguns momentos, numa batalha de argumentos sobre animais. Houve tempo para elefantes do Camboja, golfinhos do Zoomarine e até para a coelha Acácia (o animal de estimação do líder do Chega). No momento de pesar na balança, as propostas foram menos do que as acusações, mas ficou claro o que já há muito não é segredo: o Chega é uma “linha vermelha” para o PAN e o Chega não quer nada com quem acusa de ter dado a mão ao PS. E foi exatamente isso que André Ventura tentou (e Sousa Real não se importou): colar o PAN ao PS ao longo do debate.

Menos combativo do que na grande maioria dos debates, Ventura levava a estratégia montada e baseada na colagem do PAN aos socialistas. Primeiro, os factos que trazia no bolso: “O PAN nunca votou contra um OE socialista” e “foi o partido que mais vezes votou ao lado do PS.” Depois, a provocação em jeito de sugestão: “O PAN devia ir em coligação com o PS.” Faltou uma resposta bem vincada de Sousa Real (“Quem mais convergiu ao longo desta legislatura foi o PSD”) ou sequer uma demarcação clara dos socialistas.

Para os portugueses, Sousa Real continua a ensaiar o discurso da “responsabilidade” de quem não contribuiu para o chumbo do Orçamento do Estado e consequente crise política. Em relação à abertura para viabilizar governos à direita e à esquerda, Sousa Real enumerou as linhas vermelhas para o PS e PSD para que não restem dúvidas de que há barreiras para os dois lados, embora se saiba que umas são mais facilmente transponíveis que outras.

Mas que linhas são essas? No PSD, temas como a “eucalipitização para o país, proteção animal e o retrocesso da tutela da DGAV”. Já no PS, a líder do PAN diz que os socialistas têm que ser “mais ambiciosos no que respeita à retoma sócio-económica”, que os fundos europeus têm de ser “geridos de forma transparente” e “acabar com borlas fiscais para industria petrolífera”.

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O clima do frente a frente foi quase sempre calmo, com poucas interrupções de parte a parte, e só aqueceu na parte final — quando Ventura acusou o PAN de afastar uma deputada municipal por ter dito que a “etnia cigana tratava mal os cavalos”, o que levou Inês Sousa Real a defender-se, dizendo que o PAN é a favor de uma “sociedade inclusiva e de respeito” e que não é “nem xenófobos nem misógino”.

Ainda antes dos cavalos, André Ventura abriu uma caixa de pandora ao falar de casos que o PAN tinha levado para o debate parlamentar. Temas como os “elefantes do Camboja, tubarões e a proibição dos golfinhos no Zoomarine” vieram à mesa. A defesa surgiu como um ataque e entrava diretamente na casa (e no coração) de Ventura: “Aceita que se matem coelhos bravos à paulada, no nosso país é possível matar uma Acácia à paulada.”

Não caiu bem a André Ventura (aka “o louco por animais”): “Não gostará mais de animais do que eu, gosto muito de animais”, atirou o presidente do Chega, em jeito de provocação, em frente à líder do partido tem como uma das principais ideologias a defesa dos animais. Até no nome: Pessoas-Animais-Natureza.

O mote foi usado para introduzir outro tema: “O PAN quer matar o mundo rural.” André Ventura acusa o PAN de só “proibir, proibir, proibir” e usa a expressão para tocar várias áreas: o vegetarianismo, as touradas, a caça, a pesca desportiva.

Contra as acusações de proibicionismo, Inês Sousa Real defendia-se a dizer que o partido “é a favor das liberdades individuais”, mas que é consciente e quer “uma visão mais saudável para o futuro” (onde não cabe o consumo da carne). Sousa Real disse ainda ser “insultuoso reduzir o mundo rural apenas à tauromaquia e à caça”, sugerindo que é preciso “incentivar a gestão dos ecossistema” feita no mundo rural.

Já sobre as acusações de muitas “taxas” que Ventura diz constarem do programa do PAN, Sousa Real lembrou que foi graças às negociações do PAN que a tarifa social da energia foi alargada às atuais 800 mil famílias. Ainda assim, deu o flanco a Ventura quando falou na necessidade de acabar com “as borlas fiscais” às indústrias poluentes e a necessidade de canalizar esses montantes para as famílias, mas sem conseguir concretizar como é que isso seria posto em prática.

O diálogo mais revelador

Inês Sousa Real: O Chega votou contra a proposta do PAN de alargar a criminalização a todos os animais, incluindo esses.

André Ventura: Era ridícula, matava a pecuária e todas essas atividades.

Inês Sousa Real: Somos a favor de uma sociedade inclusiva e de respeito, não somos nem xenófobos nem misóginos.

André Ventura: Nem nós.

Inês Sousa Real: Desculpe?

André Ventura: Não somos. Já viu como é que os ciganos tratam os animais, uma grande maioria?

Inês Sousa Real: Deus, pátria e família a posição que o Chega tem em relação às mulheres, que defende que as mulheres não devem ter lugar na política.

André Ventura: Não estamos a falar disso, estamos a falar de cavalos e do programa do PAN.

Inês Sousa Real: Nem ter lugar nem sequer na vida pública.  é, de facto, uma mundivisão do século passado. Não acompanhamos, respeitamos de forma inclusiva todas as comunidades e multiculturalidade com respeito pelos vários valores. Repudiamos profundamente os maus tratos, incluindo do homem branco que vai para a praça de touros torturar um animal e ainda quer elevar isso a cultura.