Rui Moreira foi absolvido esta sexta-feira no chamado caso Selminho. O autarca estava a ser julgado pelo crime de prevaricação, por suspeitas de ter favorecido a empresa da família, que pretendia obter a autorização de construção nos terrenos da Escarpa da Arrábida. Na leitura do acórdão, a presidente do coletivo de juízes, Ângela Reguengo, considerou que “o Ministério Público não conseguiu provar que”, enquanto autarca, “Rui Moreira influenciou a resolução do acordo”. O MP já anunciou que vai recorrer da decisão, por não se “conformar” com a mesma.

“Sinto-me tranquilo, não tinha dúvidas de que um dia este desfecho chegaria, gostava que tivesse acontecido mais cedo, mas pelos vistos o Ministério Público não se conforma”, começou por dizer aos jornalistas, prometendo uma declaração oficial para mais tarde. Sobre o recurso já apresentado pelo MP, Moreira garanta que não o “surpreende”, sendo este “o processo normal”, nada que abale a sua confiança na justiça. “Confio na justiça, não me vão ver a rasgar as vestes da Justiça.”

Duas horas depois de ser conhecida a decisão no tribunal, Rui Moreira convocou uma conferência de imprensa para os Paços do Concelho, contando com a presença de alguns vereadores do seu executivo, bem como alguns dos seus irmãos. “Hoje fez-se justiça. Sinto que, além da absolvição, foi reparada a minha honra e desfeita qualquer dúvida que pudesse eventualmente existir. Não consigo esconder que sofri muito, eu, a minha família e os meus amigos”, começou por dizer, confidenciando ter recebido vários telefonemas de aliados e adversários políticos, incluindo o de Marcelo Rebelo de Sousa.

No seu discurso de breves minutos, o autarca deixou farpas políticas. “Mesmo sem sentença, fui condenado insistentemente em praça pública. Houve quem se abespinhasse por a campanha eleitoral não se ter concentrado, apenas, nesta suspeita. Houve partidos políticos, e um líder político em particular, que não respeitaram a presunção de inocência.

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O autarca não tem dúvidas de que o processo sempre foi um caso político. “O processo foi sempre político. Não estou a dizer que na sua origem fosse político, mas o processo transformou-se sempre num processo político. Já não tenho idade para acreditar no pai natal, nem em acasos.

Também Tiago Rodrigues Bastos, advogado de defesa, fez questão de enaltecer a decisão proferida pelo coletivo de juízes. “O tribunal demonstrou que não há rigorosamente nada a apontar ao Dr. Rui Moreira no que diz respeito ao exercício da sua função. Isto devia deixar-nos a todos contentes, só não deixa contente o Ministério Público, pelos vistos”, começou por dizer, aumento o tom nas críticas ao procurador Luís Carvalho. “Acho que é uma vergonha o que assistimos aqui, o Ministério Público poderia ter a hombridade de ponderar, de ler, de verificar. Quis fazer um show off de comunicar que a iria interpor recurso, com todo o respeito, é uma vergonha que um procurador atue desta forma.”

Os argumentos apresentados pela juíza em tribunal

A presidente do coletivo de juízes, Ângela Reguengo, começou por enumerar os factos não provados em tribunal, onde sublinhou existir uma “prova testemunhal clara” de não ter existido, “direta ou indiretamente”, qualquer “intervenção, orientação ou instrução” por parte de Rui Moreira no processo que envolveu a imobiliária da sua família e a autarquia do Porto, apesar da procuração forense assinada pelo próprio, onde atribui poderes especiais ao advogado da câmara, antes de se declarar impedido.

No entender no tribunal, o arguido no exercício das suas funções de cargo público ao ter assinado a procuração forense “poder ter configurado um conflito de interesses”, mas entende que esta “não assume natureza criminal”. Para o coletivo de juízes, os argumentos apresentados pelo autarca em julgamento são “credíveis, razoáveis e consistentes”, sendo ainda sustentados pelos testemunhos de Azeredo Lopes, antigo chefe de gabinete que sugeriu que assinasse o documento, e também por Pedro Neves de Sousa, advogado da câmara. “Não se verifica [o crime de] prevaricação, não se prova a vontade consciente do arguido de prejudicar ou beneficiar alguém”, disse a juíza, gastando assim enquadrar a conduta de Rui Moreira do crime de prevaricação.

Selminho. MP defende pena suspensa, mas insiste na perda de mandato, defesa fala em “ataque indescritível à honra” de Rui Moreira

A juíza recordou ainda que nunca foi intenção da autarquia beneficiar a pretensão da empresa da família de Moreira, de construir apartamento nos terrenos da Escarpa da Arrábida, tendo “deixado em aberto” a alteração de qualificação do solo em sede de revisão do Plano Diretor Municipal (PDM). Segundo Ângela Reguengo, é “forte convicção” para o tribunal que “todos os serviços envolvidos” na elaboração do acordo final, assinado em 2014, entre a câmara e a Selminho “salvaguardavam os interesses do município”.

O autarca foi acusado pelo Ministério Público do crime de prevaricação, em concurso aparente com um crime de abuso de poder, por, alegadamente, ter favorecido a imobiliária da família, da qual era sócio, durante o seu primeiro mandato, em 2013, em detrimento do município.

Na base do processo está o negócio de construção em terrenos na escarpa da Arrábida, cujo conflito judicial opunha há vários anos a câmara e a imobiliária Selminho. Nas alegações finais, realizadas em dezembro passado, o procurador do MP, Luís Carvalho, pediu a condenação do presidente da Câmara do Porto a uma pena suspensa na sua execução pelo crime de prevaricação e a pena acessória de perda de mandato, que deve ser aplicada no atual exercício do cargo público. 

Rui Moreira recebido por populares à chegada

Passavam 15 minutos das 14h quando Rui Moreira chegou a pé ao Tribunal Criminal São João Novo, no Porto, acompanhado pelo seu advogado, para conhecer o desfecho do caso que o levou a sentar-se dos bancos dos réus. À sua espera já estavam alguns populares para demonstrarem o seu apoio, uns mais efusivos do que outros. Se houve quem trouxesse tampas de panelas e rimas ensaiadas na ponta da língua, outros limitaram-se à curiosidade mais discreta, observando o aparto dos jornalistas de longe e de braços cruzados. “A perder ou a ganhar, ao seu lado eu vou estar”, ouvia-se na rua, entre alguns cumprimentos sorridentes.

Ouvido em tribunal em novembro passado, o independente, que marcou presença em todas as sessões do julgamento, admitiu ter sido incauto ter assinado uma procuração em que concedia poderes a um advogado para que este representasse a autarquia no processo que envolvia a Selminho, o que veio a permitir mais tarde que ambas as partes chegassem a um acordo. É, aliás, este o documento que está na base da acusação, que defende que Moreira deveria ter declarado o impedimento por existir um conflito de interesses.

O procurador do MP, Luís Carvalho sustentou que a Selminho “conseguiu em 11 meses” – após a tomada de posse de Rui Moreira – o que não tinha conseguido durante oito anos, quer em sede de urbanismo, através da eventual alteração ou da revisão do Plano Diretor Municipal, quer nas ações judiciais que interpôs contra a autarquia. Segundo o MP, “os factos relacionados entre si” permitem concluir que a intervenção de Rui Moreira levou a um “acordo totalmente favorável às pretensões da Selminho”, acrescentando que o autarca “foi o responsável e quem beneficiou” do desfecho do litígio entre a imobiliária da sua família, da que era sócio, e o município a que preside.

Selminho. Um ataque à honra ou um favorecimento que pode levar à perda de mandato. Os argumentos da acusação e de Rui Moreira

O acordo entre o município e a Selminho, assinado em 24 de julho de 2014, previa o reconhecimento da edificabilidade do terreno em causa, por alteração do Plano Diretor Municipal (PDM), ou, se isso não fosse possível, indemnizar a imobiliária num valor a ser definido em tribunal arbitral, caso houvesse lugar ao eventual pagamento de indemnização. Já a defesa do arguido acusou o MP de fazer “um ataque indescritível à honra” do presidente da Câmara do Porto, considerando que, em julgamento, ficou provado que o autarca “não teve qualquer intervenção” no processo Selminho. O advogado Tiago Rodrigues Bastos pediu a absolvição de Rui Moreira classificou ainda as alegações do procurador de “ataque indescritível à honra de uma pessoa que dedicou o seu tempo, o seu saber e a sua energia em prol do interesse público e em prol dos seus concidadãos”.

Ao longo deste julgamento foram ouvidos antigos elementos da autarquia portuense, nomeadamente do advogado Pedro Neves de Sousa, da ex-chefe do departamento jurídico, Raquel Maia, antigo chefe de gabinete, Azeredo Lopes, ou de Guilhermina Rego, antiga vice-presidente de Rui Moreira.