“Ouço bombardeamentos de cada três a cinco minutos. Consigo ver carros de pessoas que tentaram fugir e estão a voltar para trás. Isto está o caos.” O relato foi feito à BBC por um morador de Mariupol, na Ucrânia.

Localizada junto ao Mar de Azov, a cidade portuária com mais de 400 mil habitantes e de elevada importância estratégica, uma vez que une a Crimeia e as regiões separatistas de Lugansk e Donetsk — controladas pela Rússia —, deveria ter sido evacuada na manhã deste sábado, mas isso acabou por não acontecer.

O Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), que estava a fiscalizar o cessar-fogo acordado entre a Ucrânia e a Rússia, adiantou que a retirada dos habitantes de Mariupol e de Volnovakha — a 65 quilómetros a norte de Mariupol — já não irá ocorrer este sábado, descrevendo a situação como “dilacerante”.

Entendemos que as operações de saída segura de Mariupol e Volnovakha não vão começar hoje. Continuamos a dialogar com as partes sobre a passagem com toda a segurança de civis das várias cidades afetadas pelo conflito”, refere o CICV em comunicado, apelando à proteção de “civis” , seja os que decidam sair das cidades, seja o que optem por ficar, e “infraestruturas civis”.

Como deveria ter corrido o evacuação?

A retirada de cerca de 200 mil civis de Mariupol e outros 15 mil de Volnovakha estava marcada para as 9h00 deste sábado e terminaria às 14h00 (horas de Lisboa) e seria feita através de dois corredores humanitários com destino a Zaporíjia, onde se encontra a central nuclear que foi bombardeada pelos russos esta sexta-feira:

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  • Mariupol-Nikolske-Rozivka-Bilmak-Pologi-Orikhiv-Zaporíjia
  • Volnovakha-Valerianivka-Novoandriyivka-Kyrylivka-Vuhledar-Pokrovsk-Zaporíjia

Central nuclear de Zaporíjia foi campo de batalha — e os russos já controlam as instalações. Qual o pior cenário possível e como evitá-lo?

Os civis que quisessem abandonar as cidades teriam obrigatoriamente de usar os corredores humanitários. Poderiam fazê-lo através dos seus próprios carros, levando consigo o máximo de passageiros possível, sendo que de Mariupol iriam sair também 50 autocarros.

A evacuação, contudo, não se verificou, porque, de acordo com o conselheiro do Presidente ucraniano, Oleksiy Arestovych, em declarações à televisão estatal, as tropas russas não estavam a cumprir o cessar-fogo acordado.

Os russos continuam a bombardear-nos e a usar artilharia. É uma loucura”, disse também o vice-autarca de Mariupol, Serhiy Orlov, à BBC.

“Não há cessar-fogo em Mariupol e não há cessar-fogo em toda a rota. Os nossos civis estão prontos para escapar, mas não podem escapar sob bombardeios”, acrescentou. “No início, o ataque parou por um tempo, mas depois continuou e estão a usar artilharia pesada e foguetes para bombardear Mariupol. As pessoas estão com muito medo.”

Os moradores de Mariupol estão há quatro dias sem água, eletricidade e saneamento, depois de a cidade ter sido alvo de intensos e constantes bombardeamentos.

O mesmo tem acontecido em Volnovakha. A cidade, que contava com 25 mil habitantes, tem atualmente 90% dos seus edifícios destruídos. Há corpos espalhados pela cidade e os sobreviventes estão escondidos em abrigos e a ficar sem comida, descreve um deputado local ao The Guardian.

Rússia acusa “nacionalistas” ucranianos de impedir evacuação

A Rússia, por sua vez, aponta o dedo à Ucrânia. Esta tarde, um responsável do Ministério da Defesa russo, citado pela agência estatal russa RIA Novosti, acusou “nacionalistas” ucranianos de impedir os civis de Mariupol de saírem da cidade, garantindo que os corredores humanitários estão abertos.

Os radicais de Kiev, em vez de ajudarem na retirada de cidadãos de áreas hostis, estão a fazer de tudo para evitar a retirada de civis para locais seguros”, afirmou o Coronel-General Mikhail Mizintsev.