Um pai encostado a um casaco grande a dormir no chão que serve hoje de quarto improvisado dentro de um saco cama. O filho, um bebé recém nascido, com as roupas bem quentes, um gorro e luvas nas pequenas mãos. A frase “Boa noite Europa, sonhos bons e confortáveis” no Twitter do Parlamento da Ucrânia. A imagem tornou-se uma das mais icónicas da guerra e da cidade de Chernihiv, perto da Bielorrússia, uma das mais fustigadas pela invasão da Rússia – e que vitimou mais civis. A imagem é de um atleta que se tornou também ele um dos símbolos icónicos da guerra e de como uma vida muda em pouco mais de duas semanas.

Se esta segunda-feira se fala de Alexander Volkov, provavelmente o melhor jogador ucraniano de basquetebol ucraniano de todos os tempos que aos 57 anos vestiu o camuflado, agarrou numa arma e decidiu juntar-se à resistência contra a invasão russa após ver o que fizeram a Chernihiv, o biatleta Bogdan Tsymbal ficará como um dos resistentes que não abandona a sua terra enquanto protege o filho num bunker improvisado.

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Natural de Sumy, uma das zonas mais atacadas também pelas tropas russas, o atleta de uma das modalidades mais queridas da Ucrânia (e que teve uma das primeiras vítimas no mundo do desporto em Kharkiv, o jovem Yevgeny Malyshev) estreou-se ainda novo em competições internacionais, com os Mundiais juniores de 2016 e os Europeus juniores de 2018, onde ganhou a primeira medalha na perseguição. Mais tarde, no ano passado, somou também o primeiro pódio em Europeus absolutos, neste caso na estafeta mista. Aos 24 anos realizou o sonho de estar pela primeira vez nos Jogos Olímpicos de Inverno, competindo no mesmo dia em que Vladimir Putin se encontrou com Xi Jinping na China e saudou a relação entre os dois países.

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Menos de um mês depois, trocou a maior competição mundial da sua modalidade pelo esconderijo possível com a mulher e a filha nascida quando estava a competir em Pequim. Não treina, não compete, não sai do refúgio em Chernihiv para que fiquem protegidos das ofensivas russas na zona e ao partilhar a imagem de uma realidade diametralmente oposta acabou por tornar-se um símbolo para o Parlamento ucraniano.

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Foi também em Chernigov que Alexander Volkov perdeu a casa de família onde cresceu e que ainda visitava sobretudo nas férias. Segundo soviético a ser escolhido no draft da NBA, o ex-jogador dos Atlanta Hawks que ainda passou por Rússia, Itália e Grécia foi um dos principais símbolos da vitória da União Soviética nos Jogos de 1988 (ao eliminar os EUA nas meias-finais) mas saiu da reforma mais tarde para poder representar a seleção da Ucrânia em 1998, antes de passar pela liderança da Federação ucraniana de basquetebol e do Ministério dos Desportos, tendo também sido deputado do Parlamento durante vários anos e fundador do clube BC Kiev, que o levaria a novo regresso à atividade por mais uns jogos. Agora, aos 57 anos, decidiu vestir roupa militar, pegar numa arma e ir para a guerra defender a sua cidade.