A Turquia de Recep Tayyip Erdogan está a tentar promover um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia e tem usado o oligarca russo Roman Abramovich como um dos intermediários nas negociações. A notícia é avançada pela correspondente em Istambul do jornal britânico The Times, que dá como certo que Abramovich se tem encontrado pessoalmente com Volodymyr Zelensky em Kiev e com o Presidente russo, Vladimir Putin, em Moscovo. O recurso a Abramovich como emissário é emblemático da postura de Ancara face a esta negociação: mantém o apoio militar à Ucrânia, mas abre a sua economia aos oligarcas russos caídos em desgraça na Europa.

De acordo com o Times, Abramovich partiu de Istambul na quarta-feira da semana passada em direção a Moscovo para levar pessoalmente a Putin uma mensagem escrita à mão pelo Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Na nota estariam as possíveis cedências que Kiev está disposta a aceitar para por um ponto final na guerra, que dura desde o dia 24 de fevereiro. O jornal diz que a resposta inicial de Putin não terá sido positiva: “Diz-lhes que os vou destruir”, terá dito. Contudo, as negociações não estarão deitadas por terra.

Abramovich terá depois regressado a Istambul, nesse mesmo dia. Segundo o Times, o dono do Chelsea encontrou-se na Turquia com Rustem Umerov, deputado ucraniano que é também um ativista tártaro da Crimeia e que estará a representar o governo ucraniano nestas negociações. Os dois têm-se encontrado nos últimos dias em vários hotéis de cinco estrelas em Istambul, em reuniões organizadas pelo porta-voz do Presidente turco, Ibrahim Kalin. Abramovich ter-se-á até encontrado com Zelensky em Kiev, viajando em jatos privados turcos — já que o seu jato pessoal é atualmente alvo de sanções — através de Varsóvia.

Abramovich estará inclusivamente a obter alguns benefícios por parte de Ancara em troca do seu papel nas negociações: um dos seus iates está atualmente ancorado na Turquia e, segundo uma fonte revelou à agência Reuters, Abramovich e outros oligarcas russos estão a negociar com o governo turco para colocar alguma da sua riqueza no país e evitar assim as sanções europeias e norte-americanas.

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Tanto Kiev como como Moscovo já admitiram que o russo dono do Chelsea, que também tem nacionalidade portuguesa, participou no início das negociações entre a Rússia e a Ucrânia. Aliás, Zelensky terá mesmo pedido a Biden que não sancionasse Abramovich.

Zelensky pediu a Joe Biden para não sancionar Roman Abramovich

As propostas turcas: acordo com desmilitarização e Crimeia como nova Hong Kong

As reuniões entre representantes russos e ucranianos serão retomadas esta semana, com Ancara a confirmar que o primeiro encontro terá já lugar esta segunda-feira. Em cima da mesa estará um acordo de paz que prevê garantias por parte da Ucrânia de que não irá aderir à NATO e um estatuto de proteção especial para a língua russa em território ucraniano.

Estará também a ser discutida a desmilitarização da Ucrânia, o que tem feito com que os emissários ucranianos exijam que lhes sejam dadas garantias de segurança por parte de algum país. Esta segunda-feira, um dos representantes de Zelensky, Ihor Zhovkva, declarou que “a Turquia é um desses países que pode vir a garantir a nossa segurança no futuro”, segundo a agência Reuters.

Mais difícil estará a ser a negociação sobre o futuro da península da Crimeia — ocupada pela Rússia desde 2014 — e a região de Donbass. O Times garante que o próprio Ibrahim Kalin estará a preparar uma proposta que prevê que a Rússia mantenha o controlo de ambas as regiões numa espécie de “empréstimo de longo-prazo”, semelhante ao controlo britânico de Hong Kong entre 1898 e 1997.

A Turquia de Recep Tayyip Erdogan está investida em afirmar-se como fiel da balança ao promover um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia. Erdogan tem apoiado publicamente a Ucrânia, fornecendo armamento ao país, mas não cortou laços com a Rússia ao mesmo nível que outros países.

Ainda este domingo, Ibrahim Kalin — o mesmo homem que estará a desenhar o acordo de paz — afirmou no fórum internacional de Doha que o mundo não deve “queimar as pontes com a Rússia”. “Os ucranianos precisam de ser apoiados de todas as formas possíveis para se conseguirem defender”, disse o porta-voz presidencial turco. “Mas a Rússia tem de ser ouvida, de uma forma ou de outra.”

Em concreto, Ancara tem-se recusado a aplicar sanções à Rússia semelhantes às impostas pela União Europeia e pelos Estados Unidos. Para além de alguns laços fortes com a economia russa, a Turquia enfrenta atualmente uma crise cambial e uma inflação galopante.

Apesar das notícias que dão conta de avanços nas negociações, ainda esta segunda-feira um representante ucraniano disse não esperar nenhum “grande avanço” no próximo encontro entre as duas delegações.