A imagem alarmante chegou, na noite de 27 de fevereiro, às forças ucranianas: uma longa coluna militar russa estaria a caminho de Kiev e estaria já a cerca de 65 quilómetros de distância, prevendo-se um ataque avassalador. Poucos dias depois, porém, a coluna de carros blindados e camiões de suprimentos parou e, para já, a anunciada ofensiva à capital ucraniana ainda não se deu. Há várias explicações para este retrocesso, mas uma delas deveu-se ao trabalho de uma força especial de 30 soldados e operadores de drones, que, noticia o The Guardian, atua de noite e fez uma série de emboscadas.

A enigmática coluna com 20 mil soldados às portas de Kiev: fraqueza russa ou um ataque iminente?

Aerorozvidka, assim se chama a unidade de elite de drones especializada em reconhecimento aéreo, que ataca e destrói “alvos prioritários” e tem como maior vantagem atuar na escuridão. Perto da cidade de Ivankiv, já ajudou a reter a vasta e pesada ofensiva russa, como relatou ao jornal britânico o comandante da unidade, o tenente-coronel Yaroslav Honchar. Explicou que soldados ucranianos em quadriciclos conseguiram aproximar-se da coluna que avançava à noite, movendo-se pela floresta em ambos os lados da estrada em direção a Kiev.

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Munida de óculos de visão noturna, espingardas de precisão, minas detonadas remotamente, drones equipados com câmaras de imagem térmica e outros capazes de lançar pequenas bombas com 1.5 kg, esta pequena unidade, numa só noite, “destruiu dois ou três veículos e a coluna ficou parada”. Depois, nas duas noites seguintes, destruiu “muitos veículos”, detalhou Honchar.

Os russos, obrigados a reagir, dividiram-se então em segmentos mais pequenos na tentativa de avançar até à capital ucraniana. Mas a Aerorozvidka conseguiu montar um ataque ao depósito de suprimentos, e voltou a bloqueá-los. “O primeiro escalão da força russa ficou bloqueado sem calor, sem petróleo, sem bombas e sem gás. E tudo por causa do trabalho de 30 pessoas”, sublinhou o tenente-coronel.

Segundo um dos assistentes de Honchar, Taras (só assim identificado), a Aerorozvidka foi igualmente responsável pela derrota de um ataque aéreo russo no aeroporto Hostomel, a noroeste de Kiev, no primeiro dia da guerra, com recurso a drones para localizar, atingir e bombardear cerca de 200 paraquedistas russos escondidos numa extremidade do edifício.

Mas, afinal, como nasceu esta unidade que é hoje um elemento (essencial) da resistência ucraniana?

Foi criada em 2014 por universitários, entusiastas de aeromodelismo e especialistas em tecnologias de informação — alguns membros participaram nas manifestações anti-governamentais na Praça da Independência em Kiev, que ficaram conhecidas como Maidan (que significa praça). No início trabalhavam com drones de vigilância comercial e, atualmente, utilizam, entre outros, o Starlink — sistema que foi doado por Elon Musk e quer disponibilizar internet ao mundo através de uma constelação de satélites para detetar alvos russos.

Desde o sucesso das operações contra as forças russas na Crimeia, que a Aerorozvidka foi integrada no exército ucraniano. O fundador, Volodymyr Kochetkov-Sukach, era banqueiro e foi morto em combate em 2015 em Donbass. A unidade de elite, dissolvida em 2019 pelo então ministro da Defesa, foi reativada apressadamente em outubro do último ano, quando a ameaça de uma invasão russa começou a emergir.

Aerorozvidka, a unidade de drones ucranianos que destrói tanques russos enquanto os soldados dormem

Pesados e personalizados, os drones octocopter são uma joia no arsenal da Ucrânia. Só que, enquanto os aliados ocidentais da Ucrânia fornecem milhares de mísseis antitanque e outros equipamentos militares de defesa, a Aerorozvidka foi obrigada a recorrer a financiamento através de contactos pessoais e apoiantes para continuar no ativo, adquirindo componentes como modems avançados e câmaras termográficas, cujo envio para a Ucrânia é restringido pelos controlos de exportação. Pedem mesmo a quem os ajuda que procurem estes aparelhos no eBay ou noutros sites.

Marina Borozna, que estudou Economia na universidade com Taras, quer “destruir a causa [que está na] raiz do sofrimento humano “– a invasão russa — e, por isso, está a explorar formas de comprar o que a unidade precisa e à procura de rotas seguras de transporte: “Aerorozvidka faz uma enorme diferença e precisa do nosso apoio”, considerou ao jornal britânico. Ao seu lado tem o biólogo molecular em Cambridge, Klaus Henrich, que já foi recruta no exército alemão.

Eu próprio estive na unidade de reconhecimento de artilharia e compreendi imediatamente o impacto descomunal da Aerorozvidka”, afirmou. “Podemos fazer a diferença reunindo apoio internacional, seja contribuições financeiras, ajudar a obter materiais mais difíceis de encontrar ou doações de drones civis comuns”.

Além desta força especial, vários motivos explicam a dificuldade da coluna militar russa em avançar. Por exemplo, para os Serviços Secretos do Reino Unido, o percurso foi “atrasado pela resistência firme das forças ucranianas”, por “avarias mecânicas” e pelo congestionamento das estradas.

Salvaguarda-se, também, que nem todos os detalhes das alegações da Aerorozvidka podem ser verificados de forma independente, mas as autoridades de Defesa dos EUA confirmaram que os ataques ucranianos contribuíram para a interrupção da coluna blindada em torno de Ivankiv.

Coluna militar russa que se dirigia para Kiev não está a conseguir avançar. Há vários motivos

Entretanto, enquanto a unidade se fortalece, Honchar acredita que as batalhas tecnológicas e a tática da Aerorozvidka são o futuro da guerra, onde a estratégia passa por ter pequenas equipas (neste caso, foram 30 homens) interligadas por confiança mútua e comunicações avançadas e que são capazes de lutar contra um adversário numérica e militarmente superior.

Somos como uma colmeia”, descreveu. “Uma abelha não é nada, mas se te deparares com mil, podes derrotar uma grande força. Somos como abelhas, mas trabalhamos à noite”, rematou.