A história
Várias coisas tiveram de acontecer para que Nuno Mendes, há mais de uma década a viver em Londres, conseguisse finalmente cumprir o sonho de longa data. E foi o que fez, no passado dia 21 de março, aquando da estreia do Lisboeta. Foi preciso tempo para estabelecer-se na capital inglesa e, assim, ganhar a confiança de investidores: apesar da experiência alcançada nos EUA e em Espanha, não foi fácil entrar no mercado. Mas já antes do Lisboeta o trilho gastronómico fazia-se polvilhado por influências portuguesas — exemplo disso são os restaurantes londrinos Viajante e Taberna do Mercado, ambos essenciais para cimentar a fama do chef (no currículo tem ainda Chiltern Firehouse, Bacchus — que, apesar da vida curta, é facilmente recordado —, ou The Loft Project, de uma profunda inspiração pessoal, uma vez que era na sua própria casa).
“Através destes projetos comecei a ter uma melhor distribuição de produtos portugueses”, comenta ao Observador numa conversa telefónica que antecede mais um dia de trabalho que se avizinha intenso (a procura tem sido muita e foram servidas centenas de refeições no período de soft opening). O livro “Lisboeta”, com o mesmo nome do restaurante, foi o “catalizador de tudo” — escrita a homenagem à cidade e às memórias que dela conserva, Mendes quis mostrar ao “público inglês e internacional” a sua paixão pela capital portuguesa. “Este projeto é muito inspirado por Lisboa, acho que reflete o meu currículo e também a cidade. É um espaço informal, descontraído, não é fine dining, mas onde uma pessoa pode entrar, beber um fantástico copo de vinho português e passar umas horas.”
As memórias de uma Lisboa antiga confluem, neste projeto, com a interpretação moderna que o chef faz da cidade que o viu nascer. “São as memórias da minha juventude aí e da nossa história mercantil, da nossa diáspora, por onde viajámos, o que trouxemos e o que levámos”, conta, para depois resumir de uma assentada a essência pretendida: “É um espaço onde uma pessoa pode entrar e sentir-se em Portugal, mas em Londres. Não é um copy paste. Não queria que fosse uma cópia de Lisboa, acho que é um sítio muito único: tem muito de Lisboa, mas em Londres”.
O espaço
Nas paredes estão fotografias da cidade, todas elas retiradas do livro que empresta nome ao restaurante. O Lisboeta ocupa uma moradia em Charlotte Street e é composto por três pisos, sendo que é no térreo que está a cozinha e um balcão de bar em lioz apoiado em armários de madeira encastrados de forma a fazer lembrar uma farmácia tradicional portuguesa. Uma ampla escadaria dá acesso ao piso acima onde fica a sala de jantar que, durante o dia, é inundada pela luz natural dada a claraboia e as janelas imensas que vão do chão até ao teto. A cave fica reservada para a “Adega” que ainda não está aberta ao público, mas que é dotada de uma mesa para 10 pessoas e que, no futuro, irá acolher uma experiência mais imersiva, muito à imagem e semelhança do que já acontecia no The Loft Project. “Vão ser três noites por semana, só com reserva. Serão 10 pessoas [no máximo] com menu de degustação de 15 a 20 momentos.”
Paredes caiadas a branco, tijolos expostos e tons de verde e azul ajudam a refletir a aura costeira de Lisboa. O pavimento criado por uma oficina de alvenaria sediada na capital lusa remete ainda para os pavimentos empedrados da cidade. E a arte que marca presença no restaurante foi escolhida pelo chef que tanto foi buscá-la à sua coleção pessoal, como à Feira da Ladra — chegou, inclusive, a encomendar peças a artistas emergentes portugueses. A decoração resultou da colaboração com o amigo João Guedes Ramos, que detém o estúdio Pencilment e que já antes tinha trabalhado na Taberna do Mercado. Mas nada parece acontecer neste domínio sem o envolvimento ativo de Mendes que tirou partido da experiência: “Desenhámos o sítio em conjunto, trouxemos muitos materiais portugueses”, assegura.
A comida
A carta é feita de “pratos clássicos” ainda que trabalhados à maneira do chef, que diz “celebrar” o bacalhau, o porco alentejano, a pastelaria portuguesa, a doçaria conventual, os enchidos e as queijarias. O menu, feito em colaboração com o head chef Rodrigo Alves, sofre uma metamorfose ao longo do dia, de maneira a acompanhar o ritmo fluido da cultura gastronómica lisboeta — os menus de almoço e noite incluem snacks, charcutaria e queijos, e petiscos, sendo que há propostas servidas em tachos e travessas ideais para partilhar.
Os pratos são inspirados na tradição mas não estão imunes à intervenção de Nuno Mendes: “Levam uma reviravolta e tocam na atualidade”. Não que seja fácil obter o produto português, uma tarefa que o Brexit veio dificultar, com a demora do processo alfandegário a hipotecar o acesso a produtos frescos: “O produto fresco acabou, isso é uma pena. A ideia de trazer peixe português é praticamente impossível neste momento”. Mas que não faltem os carabineiros do Algarve, o bacalhau à brás, os peixinhos da horta e também o pastel de nata e a bifana. A ementa do Lisboeta presta ainda uma homenagem à evolução da cozinha portuguesa e à sua relação mercantil de espectro global.
No departamento dos vinhos o problema do Brexit não é notório, sendo que as referências da casa são um claro motivo de orgulho para o chef que, “por agora”, continua a assinar a carta no Bairro Alto Hotel. No Lisboeta apenas existem vinhos portugueses: são entre 160 a 180 rótulos que correspondem a projetos de menor intervenção e de pequenos produtores, muitos deles amigos de Nuno Mendes (para breve está o lançamento de vários vinhos feitos em colaboração com Dirk Niepoort, produtor duriense de renome). A variedade da garrafeira lusa nota-se nas castas portuguesas e no terroir do país.
O que interessa saber
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Nome: Lisboeta
Abriu: a 21 de março
Onde fica: 30 Charlotte Street, Londres
O que é: o novo restaurante do conceituado chef Nuno Mendes
Quem manda: Nuno Mendes
Uma dica: consulte o menu aqui
Contacto: +44 20 3 830 9888
Horário: segunda, das 17h às 23; terça, das 12h às 23h; de quarta a sábado, das 12h às 23h30; aos domingos, das 12h às 17h
Links importantes: site (http://lisboeta.co.uk/) e Instagram (https://www.instagram.com/lisboeta.london/).
Ao fim de vários anos no sector, Nuno Mendes garante que continua a sentir um nervoso miudinho na altura de abrir as portas de um novo espaço, e acrescenta a seguinte ideia: “Somos sempre julgados pelo último projeto que fizemos. Tem de ser tentar o fazer melhor possível”. Embora nunca tenha trabalho no sentido de alcançar uma estrela Michelin (já ganhou duas em diferentes projetos), admite que a distinção foi sempre bem recebida. O gozo máximo, no entanto, é fazer “projetos giros, marcantes e pessoais”.