Enviada especial do Observador à Hungria

“Todo o mundo pode ver que a política conservadora, cristã e patriótica ganhou. Podemos mostrar isso à Europa: isto não é o passado, é o futuro.” Foi assim que o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, terminou o seu discurso de vitória na noite deste domingo, depois de garantir a quarta vitória consecutiva do seu partido, o Fidesz, em eleições legislativas.

Viktor Orbán dirigiu-se a uma multidão exultante em Budapeste para festejar os resultados, que lhe deram 53,1% dos votos. A tónica do discurso foi colocada na mensagem internacional, com o líder do Fidesz a abrir a intervenção dizendo que esta é uma vitória tão grande “que pode não ser vista da lua, mas é certamente vista de Bruxelas”.

“Tivemos de lutar contra grandes forças: a esquerda daqui, a esquerda internacional, os burocratas em Bruxelas, as forças de [George] Soros, os media internacionais e até Zelensky”, afirmou o primeiro-ministro húngaro, referindo-se ao Presidente ucraniano, que tem criticado Budapeste por decisões como a de não permitir a passagem de armamento para a Ucrânia por territórios húngaro. O milionário húngaro Soros também teve direito a outra referência ao longo do discurso, com Orbán a dizer-lhe que tem “desperdiçado” dinheiro ao longo de 12 anos ao apoiar a oposição.

Afirmando que tudo fará para “servir a confiança” que lhe foi depositada pelos eleitores, Orbán sublinhou que esta é uma vitória patriótica, pois o Fidesz tem “uma paixão comum chamada Hungria”. O primeiro-ministro deixou ainda uma mensagem à comunidade húngara que vive na zona dos Cárpatos, na Ucrânia: “Não devem ter medo, devem apenas aguentar, porque a Pátria está com eles”, disse. O governo húngaro invocou a defesa dos húngaros que vivem nessa região como motivo para não permitir a entrada de armamento na Ucrânia pela fronteira húngara, dizendo que poderiam “ser alvos de ação militar”.

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A intervenção terminou com Orbán e os seus apoiantes a cantarem a canção Nemzeti dal, uma música do século XIX que se diz ter inspirado a Revolução Húngara de 1848.

A pequena aldeia de Orbán, onde há um estádio, um mini-comboio e muito dinheiro a circular. “Dizem que ele rouba, mas não me roubou a mim”

Antes disso, porém, Orbán deixou ainda uma alfinetada à oposição do Movimento Hungria para Todos (MMM), liderado pelo candidato Pétér Márki-Zay, que não foi além dos 35%. Isto apesar de esta ser a primeira vez que a oposição concorre praticamente toda unida, com seis partidos a apoiarem o mesmo candidato.

Podemos usar também as nossas cabeças e dizer que com esta vitória conquistámos todas as oportunidades”, disse Orbán, referindo-se às eleições de 2010, 2014 e 2018. “E agora conseguimos a maior vitória quando todos uniram forças contra nós”.

Márki-Zay, o conservador que uniu toda a oposição húngara. “Pode não ser o nosso homem, mas não é Viktor Orbán”

Depois de Orbán, foi a vez de Péter Márki-Zay discursar. “Não quero esconder minha frustração, a minha tristeza. Nunca pensámos que este seria o resultado”, começou por dizer, de acordo com o jornal Telex.

O líder da oposição disse não ter planos para contestar o resultado eleitoral, mas lançou, ainda assim, dúvidas sobre a votação e o modo como o sistema democrático funcionou.  “Não contestamos que o Fidesz ganhou esta eleição“, afirmou, ressalvando que “o facto de esta eleição ter sido democrática e livre” é algo “debatível”.

Márki-Zay diz que esta foi uma luta desigual, e acusou o Fidesz de mentiras, campanhas de ódio e propaganda para conseguir conquistar os votos da maioria. No palco para acompanhar o discurso do líder da oposição estiveram apenas duas pessoas, uma delas Gergely Karácsony, o presidente da câmara de Budapeste. A capital destaca-se, aliás, do resto do país por sido dos poucos sítios onde o Movimento Hungria para Todos saiu vitorioso, aponta a Euronews.

Os resultados obtidos deram 135 assentos parlamentares ao Fidesz, que tem agora uma maioria de dois terços. O MMM ficou com 56 lugares e o partido de extrema-direita Mi Házank conseguiu 6,15% dos votos e entrou, deste modo, no parlamento, conquistando sete lugares.

A derrota de Péter Márki-Zay não foi só a nível nacional, mas também local, com o líder da oposição a ficar atrás do candidato do Fidesz no seu próprio círculo eleitoral, em Hódmezővásárhely — cidade onde Márki-Zay é presidente da câmara, avança o Hungary Today. Conseguiu apenas 40% dos votos, com János Lázár a conquistar 51%.

A participação eleitoral ficou em níveis semelhantes aos da última eleição, em 2018, com 67,8% dos eleitores registados a irem votar, o que corresponde a uma abstenção ligeiramente acima dos 30%. O porta-voz do primeiro-ministro, Gergely Gulyás, já reagiu a estas números, classificando-os como “uma vitória para a democracia”.

Extrema-direita europeia dá os parabéns a Orbán

A vitória de Viktor Orbán já foi saudada pela extrema-direita francesa, italiana e espanhola.

O mais entusiasta foi Matteo Salvini, da Liga Norte italiana: “Bravo, Viktor! Sozinhos contra todos, atacados pelos sinistros fanáticos do pensamento único, ameaçados por aqueles que gostariam de apagar as raízes judaico-cristãs da Europa, denegridos por aqueles que gostariam de erradicar os valores ligados à família, à segurança, ao mérito, ao desenvolvimento, à solidariedade, à soberania e à liberdade, ganharam novamente graças ao que falta aos outros: o amor e o consentimento do povo”.

Marine Le Pen, da Frente Nacional, também desejou “felicidades” ao líder húngaro pela “vitória esmagadora”, afirmando que “quando o povo vota, o povo ganha”. “Vitória esmagadora” foi também o termo usado pelo Vox espanhol para elogiar o resultado eleitoral de Orbán. “Continuaremos a forjar uma Europa das nações e das liberdades contra o projeto falhado dos progressistas e globalistas”, escreveu o partido no Twitter.

Referendo sobre direitos LGBTQ inválido

No mesmo dia das legislativas, os húngaros foram chamados a participar numa segunda votação, um referendo sobre a Lei de Proteção das Crianças, que a comunidade internacional entendeu como um barómetro aos direitos LGBTQ.

Apesar de uma elevada participação, o número de votos nulos invalidou o referendo. Cerca de 1,6 milhões de votos, quase um terço do total, foram considerados inválidos — isto aconteceu depois de apelos da oposição a votos de protesto neste referendo, explica a Bloomberg.

Em causa estava uma consulta pública sobre Lei de Proteção das Crianças, aprovada pelo Parlamento húngaro em junho de 2021, que foi a votos depois de a Comissão Europeia ter questionado a validade legal da lei. Oficialmente, o objetivo da lei é o de regular o bem-estar infantil e proteger as crianças de conteúdo sexualmente explícito e de atos de pedofilia, mas Bruxelas considera que é na verdade um instrumento para promover a discriminação da comunidade LGBTQ.

Um dos assuntos em análise era, por exemplo, a educação sexual nas escolas para questões LGBTQ, que o governo considera que devem ser da exclusiva responsabilidade das famílias. No referendo os eleitores tiveram de responder às seguintes perguntas:

  • “Apoia o ensino da orientação sexual a menores em instituições de ensino público sem consentimento dos pais?”
  • “Apoia a promoção de terapia de mudança de sexo para crianças menores?”
  • “Apoia a exposição sem limites de crianças menores a conteúdo sexualmente explícito que pode afetar o seu desenvolvimento?”
  • “Apoia que seja mostrado conteúdo sobre mudança de sexo a menores?”

Durante a campanha, Orbán pediu aos eleitores que respondessem “não” às quatro questões. E assim foi: apesar de o referendo ter sido invalidado, a comissão nacional de eleições divulgou os resultados, que mostram que o ‘Não’ conseguiu mais de 90% das preferências nas quatro perguntas, mostra o Hungary Today.

Referendo na Hungria. A solução para “proteger as crianças” de conteúdos sexuais ou um cheque em branco para “discriminar”?