Preferia estar nos bastidores a tornar-se símbolo da resistência, mas a guerra não é sítio para preferências. A ex-argumentista voltou a revelar a sua veia humanista na entrevista que concedeu à Vogue esta sexta-feira, na qual recordou a madrugada em que começou a invasão russa e revelou que já não vê o marido, o Presidente da Ucrânia, desde esse mesmo dia. Mas quem é esta mulher que não queria ser primeira-dama?
Nascida Olena Kiyashko (a partir de 2003, ano em que casou com Zelensky, adotou o apelido Zelenska), tem 44 anos, completados antes do início da guerra, a 6 de fevereiro. O seu berço é Kryvyi Rih, no sudeste do país e, obra do destino ou não, na mesma cidade natal do que seria o seu marido, separados por apenas 12 dias — ele nasceu a 25 de janeiro de 1978. Aí cresceram mas os seus caminhos só se cruzaram mais tarde, na Universidade Nacional de Kryvyi Rih.
De acordo com uma curta biografia presente no site do Congresso das Mulheres Ucranianas, foi em 1995 que Olena começou a estudar arquitetura no Instituto de Economia de Kryvyi Rih, curso que finalizou em 2000. Nos corredores universitários, conheceu o marido Volodymyr, um estudante de Direito e que ficou famoso como comediante. Quando começaram a namorar, já a Ucrânia deixara de fazer parte da União Soviética.
Zelensky, o comediante que se tornou Presidente da Ucrânia e que agora luta contra Putin
Em 2003 casaram e, no ano seguinte, tiveram a primeira filha, Oleksandra, agora com 17 anos (atinge a maioridade em julho). São ainda pais de Kyrylo, com nove anos, feitos em janeiro. Desde o matrimónio, a família vive em Kiev, onde o par fundou o Studio Kvartal 95, uma das principais produtoras de programas de entretenimento no país.
Entre esquadros, linhas retas e prédios, a carreira de Olena acabou por não passar pela arquitetura. Pelo contrário, afirmou-se como uma das principais argumentistas dos projetos da produtora, inclusive da série de sucesso “Servo do Povo”. Nela, Zelensky não teve de enfrentar a guerra, apesar ter chegado à presidência da Ucrânia. Era um professor de história da capital e tornou-se famoso após um acesso de raiva — no seu quotidiano, critica tudo o que se passa à sua volta, sem poupar nos palavrões — filmado por um estudante. A partir daí, as redes sociais fizeram o resto e Vasily Goloborodko, interpretado pelo recente herói do mundo ocidental, foi eleito Presidente da Ucrânia.
A ficção previu a realidade e, quando Zelensky começou a falar a sério sobre planos de concorrer à presidência, Olena não acreditou de imediato, confessou à edição ucraniana da Vogue em 2019, na qual foi capa — em fevereiro, quatro dias após a invasão russa, a revista recordou no Instagram a sessão fotográfica. “Não fiquei muito feliz quando percebi que esses eram os planos. Percebi o quanto tudo ia mudar e as dificuldades que teríamos de enfrentar”, contou.
Descobriu a candidatura oficial do marido através das redes sociais. Sim, a notícia não foi dada pessoalmente: o então comediante decidiu fazer o anúncio oficial num programa do canal 1+1 e a novidade espalhou-se por todos os meios de comunicação até chegar à própria mulher. “Volodymyr respondeu-me ‘Esqueci-me’”, recordou na entrevista em que é caraterizada como “pontual e sorridente”. “Mas, agora a sério, já vínhamos a discutir esta questão há algum tempo, e disse que sempre o apoiaria”, sublinhou.
Com a eleição do marido, o tempo e a privacidade tornaram-se ainda mais escassos do que já eram. Na época, descreveu, estava sempre “com proteção”, procurava o silêncio e dar uma vida normal aos filhos. “A casa de banho é o meu único retiro”, brincou.
“Prefiro ficar nos bastidores, estou mais confortável na sombra, ao contrário do meu marido, sempre na frente. Não sou a vida da festa, não gosto de contar piadas”, disse à Vogue. Quando percebeu que a sua ascensão poderia ser utilizada para causas sociais, passou a utilizar a sua presença para lutas como a igualdade de género e a estabilidade das crianças.
Apesar de na Ucrânia o papel de primeira-dama ser meramente representativo (tal como o é em Portugal), Olena arregaçou as mangas. É responsável pela reforma do sistema de nutrição escolar do país e conseguiu, graças a um discurso no terceiro Congresso da Mulher Ucraniana, o estatuto de membro da iniciativa internacional do G7 sobre igualdade de género, a Parceria de Biarritz, para a Ucrânia. Já Volodymyr integrou-a no conselho do Art Arsenal, chefiado pelo ministro da Cultura.
Podia ter continuado a viver a minha vida, a manter-me longe dos problemas e dos ataques da comunicação social, mas decidi apoiar o meu marido: emocionalmente, não é fácil para ele, e precisa de alguém a seu lado”, defendeu.
Não aguarda pela paz de braços cruzados. Desde a carta ao Ocidente às mensagens encorajadoras no Instagram — rede social onde soma mais de dois milhões de seguidores — usa a arma que pode: as palavras. Num dos seus posts mais populares — até o momento de publicação deste artigo contava com mais de 207 mil gostos — partilhou a fotografia de uma criança que nasceu num abrigo da cidade de Kiev, algo que “deveria ter acontecido em condições completamente diferentes, sob um céu pacífico”. “Somos o Exército, o Exército somos nós. E as crianças nascidas nos abrigos viverão num país em paz que se defendeu a si próprio”, prometeu igualmente.
Zelensky já manifestou o receio de saber que a esposa é o “alvo número 2” das forças russas, juntamente com os filhos (o local onde estão não é conhecido, mas garante que estão na Ucrânia). E num registo mais descontraído, que lhe valeu críticas, quando questionado sobre qual era o seu líder mundial preferido, respondeu à Euronews: “A minha mulher”.