O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) acaba de confirmar que deduziu duas novas acusações no do processo Universo Espírito Santo, tal como o Observador noticiou em primeira mão.

“O Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Ação Penal deduziu, no dia 15 de julho, duas acusações” em dois inquéritos: o NUIPC 244/11.0TELSB [caso BESA] e NUIPC 6049/14.9T9PRT [caso do aumento de capital do BES em junho de 2014], lê-se no comunicado.

Ricardo Salgado e Álvaro Sobrinho responsabilizados em duas novas acusações do Ministério Público no caso BES

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O primeiro processo diz respeito ao caso Banco Espírito Santo Angola (BESA). O Observador sabe que Ricardo Salgado, ex-presidente executivo do BES, Álvaro Sobrinho, presidente do BESA, e Amílicar Morais Pires, ex-administrador financeiro do BES, foram acusados neste processo. Os crimes em causa são abuso de confiança agravado, burla qualificada e branqueamento agravado e o DCIAP imputa a “alguns dos arguidos” e a “terceiros” “desvio de fundos” do BES Angola no valor de 265,1 milhões de euros.

Já o segundo processo tem a ver com o caso do último aumento de capital do banco que ocorreu em junho de 2014. O Observador sabe que Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e Rui Silveira, ex-administrador do BES com o pelouro jurídico, foram acusados nestes autos. Os crime sem causa são crimes de manipulação de mercado e de burla qualificada.

MP liga Salgado e Morais Pires à gestão de Sobrinho no BES Angola

No caso do BES Angola, se a acusação a Álvaro Sobrinho, ex-líder do BESA entre 2011 e 2013, era expectável depois de o empresário luso-angolano ter sido confrontado com novos factos em março deste ano e obrigado a depositar uma caução de seis milhões de euros, a responsabilização penal de Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires pode surpreender os mais desatentos.

Na prática, o MP acusa Salgado (ex-líder executivo do BES) e Morais Pires (ex-administrador financeiro do BES com o pelouro internacional) de terem tido conhecimento da gestão de Sobrinho e de nada terem feito.

“Neste inquérito foi deduzida acusação contra cinco elementos do Conselho de Administração do BESA e do BES, pela prática de crimes de abuso de confiança agravado, de burla qualificada e de branqueamento agravado, por factos ocorridos no período compreendido entre 2007 e julho de 2014”, lê-se no comunicado do DCIAP.

Recorde-se que diversas auditorias feitas a pedido do Banco de Portugal detetaram um conjunto de crédito mal parado de 4 mil milhões de euros que foram concedidos pelo BESA entre 2009 e 2013 sem qualquer espécie de colateral (garantias). Os créditos foram concedidos sem existirem estruturas próprias de análise de risco e sem conselho de crédito.

Houve três grupos de beneficiários desses créditos:

  • Entidades ligadas a titulares de cargos políticos e públicos de Angola;
  • Entidades ligadas ao Grupo Espírito Santo que terão sido financiadas pelo BESA;
  • E entidades do interesse de Álvaro Sobrinho;

Ministério Público descobre mais mil milhões de créditos irregulares no BESA

O BESA, que entretanto foi transformado em Banco Económico desde 2014, tinha como acionistas três angolanos que entram no conceito de Pessoas Politicamente Expostas: generais Hélder Vieria Dias ‘Kopelipa’ (ex-ministro de Estado que detinha 24% do capital através da sociedade Portmill) e Leopoldino Nascimento ‘Dino’ (ex-assessor do Presidente José Eduardo dos Santos que era prorpietário da sociedade Geni que tinha detinha 18,99% do banco).

Os generais ‘Kopelipa’ e ‘Dino’ também eram suspeitos de terem sido financiados pelo BESA. Em entrevista à revista Visão em fevereiro de 2019,  Álvaro Sobrinho confirmou que os dois encontravam-se entre os maiores devedores do banco. “Havia outros ligados ao regime que eram grandes devedores e nunca foram tocados”, disse Sobrinho.

O comunicado do DCIAP refere que que se apuraram factos indiciários que indicam que, entre 2007 e 2012, verificou-se o benefício patrimonial de “alguns dos arguidos” e de “terceiros” de “vantagens decorrentes da prática desta atividade criminosa” no montante de cerca de 265,1 milhões de euros 

No centro da acusação está o facto de o BES, uma entidade de direito português, ter sido prejudicado em cerca de 4,7 mil milhões de euros, segundo o comunicado do DCIAP.

Esse valor corresponde ao montante total de uma linha de crédito aberto pela casa-mãe em Lisboa para o seu banco angolano que ficou por pagar e de linhas de crédito a descoberto. Esse buraco terá sido causado pela alegada concessão irregular de crédito que desequilibrou as contas do BESA e levaram o Estado angolano a intervir na instituição de crédito, que se passou a chamar Banco Económico.

Salgado e Morais Pires são responsabilizados por não terem escrutinado devidamente a concessão de crédito alegadamente irregular da parte da administração liderada por Álvaro Sobrinho.

Aumento de capital do BES. Salgado e mais três ex-gestores acusados de burla qualificada

A segunda acusação está relacionada com o polémico aumento de capital do BES em junho de 2014. Seria o último antes da resolução de 4 de agosto determinada pelo Banco de Portugal.

Os arguidos Ricardo Salgado, Morais Pires e Rui Silveira são acusados de terem alegadamente escondido de forma intencional do mercado o estado insolvente as várias holdings do GES já apresentavam no primeiro semestre de 2014. O comunicado do DCIAP refere que ainda há mais um ex-administrador do BES que foi acusado.

“Foram apuradas vantagens decorrentes da prática dos crimes imputados no montante global de 1.044.571.587,80 €”, lê-se no comunicado do DCIAP.

A acusação. Anatomia de uma associação criminosa que destruiu o Grupo Espírito Santo

Os gestores são ainda acusados de terem ocultado as informações de alegadas fraudes na gestão do Banco Espírito Santo Angola (BESA) que levaram ao registo de imparidades superiores a três mil milhões de euros e as operações de financiamento da área não financeira por parte do BES realizadas entre janeiro e julho de 2014 e que violaram o ring-fencing do BES determinado pelo Banco de Portugal.

São todas essas operações realizadas no primeiro semestre de 2014, e que foram intencionalmente ocultadas do Banco de Portugal, da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e dos investidores, que vão levar à resolução do BES de 3 de agosto.

Ricardo Salgado acusado de ter corrompido ex-banqueiro brasileiro ligado ao PT de Lula da Silva

Os clientes BES foram utilizados desde 2009 para financiarem a holding Espírito Santo International (ESI) e outras sociedades do GES quando estas já estavam com dificuldades financeiras, como era do conhecimento de Ricardo Salgado. A ESI, a principal holding do GES, estava mesmo em falência técnica desde 2009, segundo o MP.

Depois da acusação do processo principal do Universo Espírito Santo — que está em fase de instrução no Tribunal Central de Instrução Criminal — e da imputação formal do crime de corrupção passiva por alegadamente ter corrompido um ex-vice-presidente do Banco do Brasil, estas duas acusações fazem com que o caso BES/GES já tenha levado a cinco acusações criminais. Ricardo Salgado é o principal acusado em todas elas.