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Centenas de milhares de pessoas esperaram horas a fio numa fila para verem a Rainha Isabel II e mais de quatro mil milhões assistiram à cerimónia fúnebre, esta segunda-feira, através de ecrãs gigantes no Reino Unido — e isto apesar de apenas um número (relativamente) pequeno a conhecer pessoalmente. Esta reação de britânicos (e não só) faz perguntar se estão a sentir o luto ou o que os motiva nestas cerimónias que duram 10 dias.

Barras de proteína, guarda-chuvas e vinho para aguentar na fila. A noite dos que querem uma última “audiência privada” com a Rainha

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A morte da monarca, que apesar da postura firme era uma verdadeira avó dentro de portas, será naturalmente sentida profundamente pela família e por aqueles que lhe eram mais próximos. Mas será que podemos sentir dor, tristeza ou fazer o luto por pessoas que nunca conhecemos pessoalmente?

A resposta é “sim”, de acordo com os especialistas ouvidos pela Nature News ligados à Filosofia, Ética ou Psicologia. Ainda que a relação seja unidirecional, à distância, a morte — neste caso de uma figura pública importante a nível mundial — causa uma perturbação no mundo da pessoa que vive o luto.

É a perda de alguém que desempenhou um papel nos valores e preocupações [da pessoa em luto]. Assim, não se sente apenas a perda da pessoa, mas de certa forma, uma pequena perda de uma parte da própria pessoa [enlutada]”, disse Michael Cholbi, filósofo e eticista da Universidade de Edimburgo (Reino Unido), à Nature News.

A morte de uma pessoa que nos é importante — não porque a conhecemos, mas porque é uma fonte de inspiração e encorajamento — pode refletir-se num sentimento de perda da própria história pessoal e cultural, disse Mary-Frances O’Connor, psicóloga na Universidade do Arizona (Estados Unidos). “Não estamos só a fazer o luto por uma pessoa, estamos a fazer um luto pela História”, como explicou Tom Garton ao Observador.

Foi também estas perdas que levaram os três amigos — Nathan Jones, Tom Garton e Mark O’Brien — entrevistados pelo Observador a um pub de Greenwich. Nathan Jones, professor de História, explica como a Rainha Isabel II e a monarquia marcaram a sua vida: “A minha avó nasceu no dia do Jubileu de Prata do Rei Jorge V, em 1935. Ao longo da vida ela colecionou tudo e mais alguma coisa sobre a Família Real. E eu cresci com isto. A vida de Isabel II permeou a vida dos nossos avós, que a adoram, e por arrasto as nossas”.

“Não estamos só a fazer o luto por uma pessoa. É um luto pela História”

O luto das pessoas mais distantes, no entanto, será mais breve do que o das pessoas que eram mais próximas da Rainha Isabel II, prevê Andy Langford, diretor clínico da instituição de caridade Cruse dedicada ao luto e que atua no Reino Unido. A ligação que estabelecemos com uma pessoa baseia-se em três variáveis, explicou à Nature News: tempo, proximidade (distância física) e intimidade (familiaridade). “Estas três facetas indicam-nos o grau do luto e são importantes porque há neurónios no nosso cérebro que são concebidos para procurar por estas três coisas.” Faltam, porém, estudos que permitam explicar o que condiciona e controla o luto.

Por outro lado, nem só o luto e a homenagem à monarca levaram as pessoas às ruas de Londres e Edimburgo, disse Stephen Reicher, professor na Faculdade de Psicologia e Neurociências da Universidade St. Andrew, ao jornal The Guardian. A morte da Rainha Isabel II pode despertar sentimentos que nem os enlutados percebem bem e que podem estar relacionados com uma perda que tenham tido no passado, acrescentou Marc Hekster, psicólogo clínico especializado em trauma e luto, ao mesmo jornal.

Esta é uma oportunidade para as pessoas experimentarem a perda em conjunto. Daí o que estas pessoas dizem enquanto estão na fila — trouxeram as suas tendas, os seus guarda-chuvas e o seu almoço, e estão ali a consolar-se mutuamente. É o conforto de saber que não estão sozinhos”, afirmou Marc Hekster ao jornal The Guardian.

Entre as pessoas que se juntam nas ruas ou acompanham nos ecrãs haverá os que estão chocados — quase como se não fosse possível que a monarca morresse —, os que querem mostrar respeito pela mulher que trabalhou até ao dia antes da sua morte, os que não querem perder um momento histórico ou os curiosos. Mas haverá também aqueles que só não querem ficar fora do grupo: se o país se uniu como um todo nesta homenagem à Rainha — e até as vozes contra se mantêm menos sonoras nesta semana —, então as pessoas não se querem mostrar insensíveis pela morte de uma pessoa ou ficar fora da comunidade, defendeu Reicher. Outros anseiam por poder dizer: “Eu estive lá”.

Stephen Reicher faz parte de uma equipa de psicólogos sociais interessados em comportamento coletivo e que estão a investigar os comportamentos e motivações das multidões nas cerimónias que têm acontecido por ocasião da morte da Rainha Isabel II. “Estamos interessados nas razões pelas quais as pessoas se reúnem, na forma como experimentam estes encontros e nas consequências — tanto para o indivíduo como para a sociedade — da sua presença. A primeira coisa que aprendemos é que qualquer tentativa de reduzir a participação das multidões a uma motivação única e universal é uma distorção. As pessoas aparecem por muitas razões diferentes e mistas, nem todas elas envolvendo lealdade à monarquia”, escreveu o especialista num artigo de opinião publicado no The Guardian.