O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, usou o seu discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas, este sábado, para justificar a “operação militar especial” russa com o “nazismo ainda presente” na Ucrânia e lançar um ataque contundente aos Estados Unidos. Lavrov deixou também críticas à atuação do secretário-geral da ONU, António Guterres, e defendeu que a Índia e o Brasil devem tornar-se membros permanentes do Conselho de Segurança da organização.

Quase no final do seu discurso, Lavrov invocou as palavras do antigo secretário-geral da ONU Dag Hammarskjöld, dizendo que “as Nações Unidas não foram criadas para levar os países para o paraíso, mas sim para os salvar do inferno”. E, antes de terminar, sublinhou que a questão da Ucrânia deve ser primordialmente resolvida através da diplomacia.

Antes disso, porém, apresentou a tese de que a ordem internacional está a atravessar um momento de mudança impulsionada pela ação dos norte-americanos, que retratou como intimidando todos os países mundiais e contaminando a atuação das próprias Nações Unidas. “Em vez de [a comunidade internacional] procurar um compromisso, lidamos com desinformação, encenações e provocações” no contexto do conflito na Ucrânia, começou por dizer.

Para justificar o papel da Rússia no conflito ucraniano, Lavrov invocou dois argumentos: proceder à “desnazificação da Ucrânia” e garantir a segurança nas fronteiras próximas da Rússia, que se sente “ameaçada”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A Rússia reconhece a independência das antigas repúblicas soviéticas”, assegurou Lavrov, que acrescentou, porém, que “é inaceitável levar mais armamento para as fronteiras com a Rússia”.

Além disso, Lavrov invoca o que diz serem vestígios da influência da II Guerra Mundial no país, dizendo que “ainda existem nazis na Ucrânia” e que a Rússia está a tentar levar a cabo uma desnazificação. O ministro russo argumentou ainda que os referendos no Donbass são uma defesa de “cidadãos que se sentem russos”.

Rússia sente-se “ameaçada” por um Ocidente que a quer “fraturar e destruir”

No seu discurso, Lavrov deixou clara a ideia de que os Estados Unidos serão responsáveis por um desequilíbrio no xadrez mundial que está a levar a Rússia a sentir-se “ameaçada” e que, por isso, são eles os responsáveis pela situação na Ucrânia e não só.

“Os EUA estão a tentar fazer de todo o mundo o seu quintal”, afirmou Lavrov, citando os exemplos prévios da ação norte-americana no Iraque e na Líbia, bem como o bloqueio económico a Cuba. “O Ocidente quer fraturar e destruir a Rússia”, acusou.

Lavrov acusou os Estados Unidos de estarem a tentar interferir na ordem mundial através da NATO e a provocarem a China ao se oferecerem para fornecer armamento a Taiwan — ação que classificou como “brincar com o fogo”. “O secretário-geral das Nações Unidas tem de prestar atenção a todos estes assuntos”, pediu.

O representante russo considerou que as sanções aplicadas por vários países à Rússia na sequência da guerra na Ucrânia são “ilegais” e vão “contra a Carta das Nações Unidas”. Disse ainda que têm um alcance “grotesco e sem precedentes na História moderna”. Também a atual crise energética, disse, “é culpa dos Estados Unidos e é o resultado da irresponsabilidade da União Europeia”.

Lavrov defende que Índia e Brasil se tornem membros permanentes do Conselho de Segurança

Para lidar com esta situação, Sergei Lavrov sugeriu uma reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, atualmente composto por membros rotativos e cinco membros permanentes (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França).

Apoiamos a candidatura da Índia e do Brasil a um assento permanente”, declarou, dizendo que só assim é possível garantir que mais áreas geográficas estão representadas no organismo. “As Nações Unidas têm de ser protegidas, mas isso tem de acontecer numa plataforma honesta”, afirma.

Na conferência de imprensa após o discurso, Lavrov elaborou mais sobre esta questão, dizendo que é uma forma de equilibrar o xadrez mundial já que, diz, muitos países seguem as “indicações” dos Estados Unidos na ONU, apontando diretamente o dedo à Alemanha e ao Japão, por exemplo.

Também ali deixou fortes críticas ao atual secretário-geral da ONU, o português António Guterres. Perante questões sobre as críticas do secretário-geral, que tem apelado à Rússia para que cumpra os tratados das Nações Unidas, Lavrov foi crítico de António Guterres. “O secretário-geral tem dito muitas coisas. Mas não me lembro de ele ter sido tão ativo para promover os acordos de Minsk”. Os acordos de Minsk, recorde-se, foram os acordos assinados entre a Ucrânia e a Rússia para resolver a guerra que durava no Donbass desde 2014, mas que nunca foram implementados por não haver entendimento entre as duas partes sobre a forma de aplicar os compromissos alcançados — como, por exemplo, se as tropas russas deveriam retirar-se antes ou depois da realização de referendos nas regiões do leste da Ucrânia.

Ao longo da tarde, Lavrov sublinhou repetidamente que a Rússia defende os tratados internacionais, incluindo “o direito à auto-determinação”. A Carta das Nações Unidas di-lo explicitamente, mas pede também aos subscritores que evitem recorrer “ao uso da força contra a integridade territorial ou independência política de qualquer Estado”.