A 30 de março de 2022 entravam no Palácio da Ajuda para a tomada de posse do XXIII Governo o primeiro-ministro António Costa com 17 ministros e 38 secretários de Estado. Passaram, desde então, 281 dias. Os ministros são hoje 18 e secretários de Estado 40. Muito mudou e ainda falta preencher o lugar agora deixado vago por Carla Alves — que aguentou pouco mais de 25 horas no cargo.
Depois de António Costa ter passado uma parte considerável do debate desta quinta-feira a defender a continuidade da agora ex-secretária de Estado da Agricultura, num debate que começou às 15 horas e se prolongou até às 19 horas, a demissão de Carla Alves chegou às 20h, na forma de um curto comunicado.
“A secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, apresentou esta tarde a sua demissão por entender não dispor de condições políticas e pessoais para iniciar funções no cargo. A demissão foi prontamente aceite”. As duas frases surgiram num comunicado enviado pelo Ministério da Agricultura, que nesse mesmo dia de manhã tinha garantido que “não há nenhuma questão que coloque em causa a sua nomeação”.
A saída de Carla Alves acontece depois de o Correio da Manhã ter noticiado que a então secretária de Estado da Agricultura tinha contas arrestadas por conta de um processo que envolvia o seu marido e ex-presidente da Câmara de Vinhais, Américo Pereira.
Apesar da defesa intransigente de Costa, Marcelo Rebelo de Sousa tiraria o tapete à agora ex-governante em direto, sem que o debate tivesse sequer cabado. “Alguém que tem uma ligação familiar próxima com alguém acusado num processo de uma determinada natureza, à partida tem uma limitação política”, sublinhou. E disse mais: “Acho que não é um problema jurídico nem, para já, ético. É evidente que é um peso político negativo”. Poucos minutos depois chegava o comunicado da Agricultura.
Nova secretária de Estado da Agricultura tem contas arrestadas
As baixas que o Governo já sofreu
E assim a conta de saídas do Governo atingiu as 12 em apenas 9 meses de governação. Nesta conta não se incluem os elementos que, saindo de umas funções foram para outras, como foi o caso de Marina Gonçalves (que transitou da secretaria de Estado da Habitação para o Ministério da Habitação, como titular da pasta), António Mendonça Mendes (que passou de secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para Adjunto do primeiro-ministro) ou João Galamba (que passou de secretário de Estado do Ambiente e da Energia para o Ministério das Infraestruturas como principal responsável).
De resto, Carla Alves demitiu-se no dia seguinte a ter tomado posse para o lugar de Rui Martinho, que era secretário de Estado da Agricultura, mas que pediu para sair, segundo o próprio Ministério, por razões de saúde.
A lista começou também com uma saída por razões de saúde. Logo em maio, Sara Abrantes Guerreiro deixava a secretaria de Estado da Igualdade e Migrações. Saiu por razões de saúde, ao fim de 33 dias de governação. Foi substituída por Isabel Maria Duarte de Almeida Rodrigues, deputada do PS, em plena polémica da Câmara de Setúbal que recebia refugiados ucranianos através de uma associação com ligações à Rússia.
Depois desta saída, foi preciso chegar a agosto para a demissão com estrondo de Marta Temido, de ministra da Saúde. Com ela saíram os dois secretários de Estado — Fátima Fonseca e António Lacerda Sales. Entraram para os seus lugares Manuel Pizarro, Margarida Tavares e Ricardo Mestre, respetivamente, que tomaram posse a 10 de setembro (duas semanas depois da demissão de Marta Temido). Marta Temido demitiu-se dizendo sentir “que deixou de ter condições” para se manter no cargo.
Também no caso de Marta Temido, os pedidos de demissão foram muitos, e Costa atravessava-se pela ministra da Saúde que teve um papel de relevo por causa da pandemia e que o primeiro-ministro manteve na maioria absoluta.
Dois meses antes de se demitir, Temido garantia que ia “continuar a lutar” em resposta aos pedidos de demissão a propósito das falhas no SNS, nomeadamente nas urgências de obstetrícia. A ministra que Costa tinha segurado caia com cinco meses de Governo e não resistia à morte de uma grávida depois de ter sofrido uma paragem cardiorrespiratória durante uma transferência hospitalar.
Os altos e baixos (e as polémicas) que marcaram os 1.414 dias de governo de Marta Temido
O caso bicudo de Miguel Alves
O fim do ano chegou com mais casos. E logo na “casa” de António Costa. Miguel Alves tinha entrado para o Governo em setembro, para a coordenação política do Executivo e como secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro.
Miguel Alves demitiu-se a 10 de novembro depois de ter sido conhecida a informação de que tinha sido acusado pelo Ministério Público de crime prevaricação — no âmbito de uma certidão extraída da Operação Teia — por alegadamente ter beneficiado empresa de mulher de ex-autarca do PS. Miguel Alves já se tinha visto envolvido na polémica sobre a adjudicação de um pavilhão transfronteiriço cuja obra não foi feita enquanto presidente da Câmara de Caminha.
Depois da notícia de que tinha no outro caso sido acusado pelo Ministério Público, entendeu “não estarem reunidas as condições” que permitam a sua “permanência no Governo de Portugal”.
Com a demissão de Miguel Alves o lugar ficou em aberto e acabou por se conhecer o seu substituto a 29 de novembro. Nesse dia ficou a saber-se que João Neves, secretário de Estado Adjunto da Economia, e Rita Marques, secretária de Estado do Turismo, tinham sido demitidos por António Costa.
Estes dois elementos tinham mostrado oposição a ideias do ministro da Economia, António Costa Silva. Mas demorou até que fossem substituídos. A saída destes dois responsáveis abriu a porta a uma mini-remodelação. Substituía os dois demitidos por Pedro Cilínio e Nuno Fazenda, respetivamente.
E António Costa aproveitava para colocar António Mendonça Mendes no lugar que outrora tinha sido ocupado por Miguel Alves, como seu Adjunto. O que, por seu lado, abriu uma vaga no Ministério das Finanças.
O ministro Fernando Medina aproveitou não apenas para substituir Mendonça Mendes por Nuno Félix nos Assuntos Fiscais, como para mudar João Nuno Mendes do Tesouro para as Finanças e nomear como secretária de Estado do Tesouro Alexandra Reis. Tomaram posse a 2 de dezembro.
O terramoto Alexandra Reis
Até que, a 24 de dezembro, véspera de Natal, o Correio da Manhã noticiou que Alexandra Reis tinha recebido uma indemnização de 500 mil euros quando saiu da TAP, como administradora, para meses depois ingressar na NAV como presidente e alguns meses mais tarde deixar a navegação aérea para a secretaria de Estado.
A partir daí desmorou-se um Ministério — o das Infraestruturas. Quem sabia o quê nas duas tutelas da TAP — Finanças e Infraestruturas — levou à queda de Hugo Mendes, que se demitiu depois dos esclarecimentos da TAP e informando que conhecia a solução de saída de Alexandra Reis da TAP. Pedro Nuno Santos, ministro de Hugo Mendes, também se demitiu.
“Face à perceção pública e ao sentimento coletivo gerados em torno deste caso, o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, entende, neste contexto, assumir a responsabilidade política e apresentou a sua demissão ao primeiro-ministro”, lia-se no comunicado chegado às redações já passava da meia noite, carimbando a data de saída como 29 de dezembro.
Nova tomada de posse marcada para esta quarta-feira. João Galamba sucedia a Pedro Nuno Santos, levando com ele Frederico Reis Francisco. Marina Gonçalves passava a ministra, levando consigo Fernanda Rodrigues para secretária de Estado.
Só que ficou em aberto no Ministério do Ambiente a secretaria de Estado do Ambiente e da Energia, lugar que era ocupado por Galamba, mas que Duarte Cordeiro optou por voltar a separar — para o Ambiente entrou Hugo Pires e para a Energia Ana Fontoura Gouveia.
No lugar deixado vago pela demissão de Alexandra Reis entrou Pedro Sousa Rodrigues. Nesse dia, tomou também posse Carla Alves. A grande surpresa foi ter aguentando apenas um dia.