Numa fase em que a guerra na Ucrânia parece, essencialmente, estagnada no que toca às posições atuais de ambos os lados, a Rússia conseguiu por estes dias aquela que poderá ser a sua primeira vitória desde o verão de 2022, embora mais simbólica do que estratégica: a captura da pequena cidade de Soledar, a dez quilómetros a norte de Bakhmut, cuja conquista tem sido o grande objetivo dos russos.

Num boletim divulgado na manhã desta terça-feira, o Ministério da Defesa do Reino Unido, que tem acompanhado os desenvolvimentos da guerra no terreno com boletins de informação diários, apontava para a grande probabilidade de a cidade de Soledar já estar praticamente toda sob controlo das forças russas e dos mercenários do Grupo Wagner.

“Nos últimos quatro dias, as forças russas e do Grupo Wagner fizeram avanços táticos sobre a pequena cidade de Soledar, no Donbass, e controlam provavelmente a maior parte do assentamento. Soledar fica a 10 quilómetros a norte de Bakhmut, cuja captura continua provavelmente a ser o principal objetivo operacional imediato da Rússia”, lê-se na nota do governo britânico.

Segundo a análise de Londres, a ideia da Rússia com a captura de Soledar é circundar a cidade de Bakhmut a partir do norte e “perturbar as linhas de comunicação ucranianas”.

“Parte do combate tem-se focado nas entradas para os 200 quilómetros de túneis das antigas minas de sal que existem no subsolo da região. Ambos os lados temem, provavelmente, que os túneis sejam usados para uma infiltração atrás das suas linhas de ataque“, diz ainda o governo britânico. “Apesar da pressão crescente sobre Bakhmut, é improvável que a Rússia consiga circundar completamente a cidade, porque as forças ucranianas mantêm linhas defensivas estáveis em profundidade e mantêm o controlo das linhas de abastecimento.”

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A partir de Kiev, o enviado especial do jornal espanhol El País escreveu esta terça-feira que a Rússia está “a pôr a carne toda no assador para conquistar Soledar”, através de duros combates urbanos que se intensificaram na última semana, e que esta é a primeira vitória estratégica de Moscovo no território ucraniano desde julho do ano passado.

O avanço através da região de Donetsk, e concretamente a tentativa de capturar Bakhmut, continua a ser o grande objetivo de Moscovo numa altura em que em todos os outros pontos do país as forças russas têm sido incapazes de fazer qualquer avanço territorial. Trata-se de um objetivo mais simbólico do que estratégico, como explicava o Observador em dezembro: a Rússia precisa desesperadamente de vitórias no terreno para mostrar aos cidadãos russos que a guerra está a dar resultado.

A captura de Soledar é instrumental para este objetivo, uma vez que permite à Rússia controlar a principal via rodoviária que passa na linha da frente e ganhar novas posições à volta de Bakhmut.

Ao mesmo tempo, os combates em Bakhmut são fundamentais para o Grupo Wagner, os mercenários ao dispor do Kremlin. O líder do grupo, Yevgeny Prigozhin, que até é apontado como um possível sucessor de Vladimir Putin na presidência da Rússia, olha para Bakhmut como a grande prova do sucesso dos mercenários.

Prigozhin “vai continuar a usar os sucessos do Grupo Wagner em Soledar e Bakhmut, tanto os confirmados como os fabricados, para promover o Grupo Wagner como a única força russa na Ucrânia capaz de assegurar ganhos palpáveis“, diz o Instituto para o Estudo da Guerra, think tank americano, num relatório citado pela BBC.

“Quer poder e influência.” Com a hipótese de Putin ficar fora de cena, poderá o líder do grupo Wagner tornar-se o seu sucessor?

A vitória russa em Soledar, já dada como praticamente certa por Londres, está também a ser admitida por Kiev. O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no seu habitual discurso diário de segunda-feira, assumiu que a situação em Soledar era difícil. “Graças à resistência dos nossos combatentes, em Soledar ganhámos um tempo adicional e um poder adicional para a Ucrânia”, disse Zelensky. “O que quer a Rússia ganhar ali? Quase tudo está completamente destruído, já não sobra quase ninguém vivo ali. Milhares de vidas dos seus homens foram perdidas. Todo o território de Soledar está coberto com corpos dos ocupantes e com as cicatrizes dos ataques. Isto é a loucura.”

A guerra na Ucrânia teve início no dia 24 de fevereiro com a invasão do território ucraniano por parte das forças da Rússia. Desde essa altura já se registaram milhares de vítimas mortais nos dois exércitos — e também entre os civis ucranianos.