Não é propriamente algo muito audível mas tornou-se na última semana uma “guerra” que é tudo menos surda – e que promete gerar cada vez mais ruído com o passar do tempo. O Comité Olímpico Internacional (COI) liderado por Thomas Bach considera que os atletas russos e bielorrussos devem participar nos Jogos de Paris em 2024. Por um lado, há quem defenda que é uma medida que faz sentido, separando aquilo que são os atletas oriundos desses países e aquilo que são, fazem e defendem os seus países (neste caso olhando para um ângulo mais político). Por outro, há também quem considere essa posição um contrassenso, tendo em conta a guerra na Ucrânia e as sanções por essa invasão que fará um ano daqui a duas semanas. Entre uma e outra visão, já existe um plano para que a ideia avance e que passa por uma questão “logística”.
Apesar de haver cada vez mais pacotes de sanções económicas aos dois países, que continuam a aumentar por parte da União Europeia, dos EUA e do Reino Unido, alguns dos “castigos” aplicados pelo mundo do desporto podem ser levantados a breve prazo. No caso do futebol, por exemplo, ainda não há indicação de que algo possa mudar, mas o Comité Olímpico foi dando pistas para uma inversão de marcha. “Nenhum atleta deve ser impedido de competir unicamente pelo seu passaporte” defendeu o COI em janeiro, abrindo a porta a uma solução onde os desportistas possam participar “mesmo que em condições estritas”. Ou seja, e como aconteceu em Tóquio, sendo considerados atletas neutros, sem bandeira ou hino, ficando só por saber como será identificada a sua equipa depois do ROC (Russian Olympic Committee) em Tóquio.
No entanto, há um outro problema: se estão impedidos de competir em muitas das provas de qualificação e se nunca poderão chegar por mero convite, como fazem o caminho até Paris-2024? Como explica o El Mundo, a solução pode estar num pequeno-grande desvio geográfico dos países para ser feito esse caminho.
Como em muitas modalidades a qualificação olímpica já teve início e como é utópico pensar que todas as Federações Internacionais dos mais diversos desportos poderiam estar de acordo a tempo de tudo decorrer nos prazos legais e normais, a ideia do COI será colocar a Rússia e a Bielorrússia na qualificação asiática, algo que já terá luz verde do próprio líder do Comité Olímpico da Ásia, o indiano Randhir Singh. Assim, as críticas e choques por parte da maioria dos países europeus seriam menores e os atletas dos dois países poderiam fazer o seu percurso de qualificação para garantir mínimos mesmo não tendo ainda datas.
Inicialmente ainda terá sido colocada a hipótese de um pedido para que condenassem a guerra da Ucrânia e as próprias ações de Vladimir Putin para que houvesse uma reintegração mas tudo aponta para que essa necessidade acabe por cair – até porque o próprio Comité Olímpico da Rússia tinha recusado antes qualquer “imposição política” para esse plano. “A única condição é que não tenham mostrado um apoio ativo à guerra da Ucrânia”, escreve o COI em comunicado, sem explicar se, por exemplo, os atletas que fizeram parte do desfile no Estádio Olímpico de Moscovo ao lado do presidente russo estão fora ou podem participar.
Para já, e perante este cenário, os Comités escandinavos avançaram que são contra porque “nada mudou no que diz respeito à guerra brutal da Rússia contra a Ucrânia”, ao passo que, tal como Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia e Islândia, Polónia e os países da região do Báltico (Estónia, Letónia e Lituânia) não só recusaram a ideia como foram começando a levantar a ameaça de boicote. Austrália, Grã-Bretanha e Japão já se mostraram também contrários à proposta, sendo que o Comité Olímpico da Ucrânia não tem dúvidas: se atletas russos e bielorrussos forem a Paris, os ucranianos podem boicotar a competição. “Enquanto a Rússia continuar com a guerra na Ucrânia, desejo que não haja uma delegação nos Jogos de Paris-2024. Parecia-me indecente que um país desfilasse com se nada se passasse, que viessem a Paris enquanto continuam a cair bombas na Ucrânia”, comentou a presidente da Câmara, Anne Hidalgo.
Já outros países, com EUA à cabeça, admitem esse modelo de integração desde que sob a bandeira neutra e sem qualquer demonstração dos símbolos daqueles países. “Deve ser absolutamente claro que não representam Rússia e Bielorrússia, tem de ser a título neutro sem bandeiras, emblemas ou hinos”, explicou Karine Jean-Pierre, porta-voz da Casa Branca. Portugal, através do presidente do seu Comité Olímpico, José Manuel Constantino, também considera que “a posição do COI é a mais razoável”. “Os termos, as condições e as modalidades para fazer é um assunto que tem de ser discutido, avaliado e considerado. O desporto deve dar uma mensagem para que as partes se entendam, não dar apoio a uma parte contra a outra”, acrescentou.
No entanto, e quando a discussão deveria estar centrada agora nesse tema, uma troca de palavras paralela acabou por tomar conta dos holofotes. “A participação de atletas neutros com passaporte russo ou bielorrusso nos Jogos de Paris ainda não foi discutida em termos concretos. Portanto, a carta da Ucrânia aos seus colegas de Comités Olímpicos nacionais, a Federações Internacionais, a membros do COI e aos futuros anfitriões olímpicos, pressionando-os na tentativa de influenciar publicamente a sua tomada de decisão sobre isto, foi percebida pela grande maioria deles como, no mínimo, extremamente lamentável”, defendeu Thomas Bach, antes de ser muito criticado por essa posição. “O Comité Olímpico Internacional está do lado errado da História”, defendeu a associação Athletes for Ukraine. “É uma posição difamatória”, comentou Vadym Guttsait, ministro dos Desportos que é também o líder do Comité Olímpico da Ucrânia.