O Governo português esperava a invasão da Ucrânia, quando as forças russas iniciaram o ataque há um ano, mas era incapaz de entender “um erro tão grave”, tal como prever a incapacidade de Moscovo de atingir os seus objetivos.

Em entrevista à agência Lusa a propósito do aniversário da invasão da Ucrânia, iniciada a 24 de fevereiro do ano passado, o ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho, afirmou que os acontecimentos daquela madrugada não foram totalmente uma surpresa, uma vez que, “ao longo de vários meses e, com cada vez maior intensidade”, se avolumavam os sinais desta agressão.

Na reconstituição da daquele dia, João Gomes Cravinho, na altura ministro da Defesa, recordou que se manteve “em estreita comunicação com o ministro Augusto Santos Silva [então chefe da diplomacia], com o primeiro-ministro, e com o Presidente da República, e que, apesar dos indícios de uma invasão iminente, esta foi recebida com “um sentimento de incredulidade” pelas autoridades portuguesas.

“Faltava o raciocínio, faltava compreender por que razão é que a Rússia estava a cometer um erro tão grave”, comentou Cravinho, adicionando que, tal como outros observadores e, no plano político nacional, “havia dificuldade em conciliar os sinais que se estava a observar com uma interpretação racional daquilo que era a atitude russa”.

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Como primeira reação, as autoridades de Lisboa foi acautelar a segurança dos cidadãos portugueses, havendo já um plano e um mapeamento dos locais onde se encontravam, tendo sido enviados militares e a adida militar na Turquia para apoiar a retirada.

Nesses primeiros momentos da invasão, face ao poderio militar das forças de Moscovo, o chefe da diplomacia portuguesa reconheceu “havia a ideia de que muito provavelmente a Ucrânia capitularia e os russos teriam capacidade para tomar Kiev e os centros principais de decisão do país”. Mas, no plano político, “não havia claramente um plano para diálogo com a Rússia, depois da captura de Kiev e instalação de um governo ‘fantoche’, que era o plano de [Vladimir} Putin”, Presidente russo, num período de “muito pessimismo” e de incerteza.

“De qualquer maneira, do lado ocidental, aquilo que havia do lado da NATO, era a convicção de que era importante impedir que, através da força das armas, Putin tivesse sucesso na reorganização do espaço de segurança na Europa, na Europa oriental”, recordou, adicionando que os acontecimentos posteriores não confirmaram a superioridade russa nem a conquista da capital ucraniana em poucos dias, como o Kremlin ameaçava.

E essa, para o ministro dos Negócios Estrangeiros, “foi uma outra surpresa”, no sentido de que “a capacidade militar dos russos, afinal, era muito inferior àquilo que imaginava e àquilo que o Presidente Putin imaginava”.

O líder russo,”hoje percebemo-lo, foi alvo de informação enganosa por parte dos seus próprios serviços militares sobre a sua capacidade”, e o chefe do Estado Maior das forças armadas russas, general [Valery] Gerasimov, que era considerado como “um grande génio militar”, acabou com “uma reputação que não se parece nada com isso”.

Cerca de um mês após a invasão, as forças russas não romperam as linhas de defesa de Kiev e abandonaram as imediações da capital para se concentrarem nas frentes do sul do país, onde perderam território entretanto conquistado, e no leste, palco de violentos combates nos últimos meses, com poucos ganhos e à custa de pesadas baixas de ambos os lados.

Este é outro “ponto muito interessante que vale a pena explorar”, segundo João Gomes Cravinho, questionando: “Por que é que se sobrestimou a capacidade russa? O que é que aconteceu aos investimentos que foram feitos nas forças armadas russas? Será que chegaram ao seu destino, será que foram desviados para outros propósitos?”.