Um mês e meio depois do terramoto que atingiu a Turquia e a Síria, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) alerta que a situação no terreno continua “crítica” e “preocupante”. E é particularmente grave na Síria, onde o sismo só veio agravar a crise humanitária que já dura há mais de uma década devido à guerra civil. Neste país do Médio Oriente, mais de 15 milhões de pessoas precisam agora de ajuda imediata, de acordo com o ACNUR.

O cenário “dramático” é traçado ao Observador por um representante deste organismo. Matthew Saltmarsh explica que o terramoto de 6 de fevereiro afetou 8.8 milhões de pessoas e que 100 mil famílias foram deslocadas. Também de acordo com os últimos dados oficiais, há registo de pelo menos seis mil mortos e mais de 12 mil feridos.

A razão pela qual o terramoto foi tão devastador deve-se ao facto de a Síria já estar a viver uma crise humanitária há mais de uma década. Por isso, podemos dizer que o sismo se tornou uma crise dentro de uma crise”, lamenta o responsável de secção de notícias e media do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

E mesmo um mês e meio depois do terramoto, o cenário ainda é de destruição. “Os edifícios colapsaram, os serviços de saúde colapsaram, a infraestrutura foi dizimada”, descreve Matthew Saltmarsh. E, à medida que o tempo passa, “as prioridades neste tipo de situações passam de ajuda humanitária para a reconstrução, mas ainda não estamos nessa fase”, explica.

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Por isso, a ajuda de bens básicos continua a ser essencial: abrigo, alimentação, medicamentos, instalações sanitárias, água potável e artigos domésticos.

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O sismo de 6 de fevereiro fez pelo menos 6 mil mortos na Síria

Mas não é fácil fazer esta ajuda humanitária chegar ao terreno. “É um processo difícil do ponto de vista logístico e político”, explica o responsável de secção de notícias e media do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Parte da Síria é controlada pelo governo e outra por grupos rebeldes armados, que têm dificultado a entrada de ajuda nestes territórios.

O diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações, António Vitorino, tem dado conta da entrada desta ajuda na Síria nas redes sociais.

Em declarações ao Observador, o responsável de secção de notícias e media do ACNUR lamenta ainda a falta de atenção dada aos refugiados da Síria em comparação, por exemplo, com os deslocados da guerra na Ucrânia. “O conflito na Síria dura há 12 anos e não recebe muita atenção. Mas as necessidades dos refugiados sírios continuam a ser críticas. É importante que a comunidade internacional não se esqueça do que está a acontecer na Síria”, apela Matthew Saltmarsh.

Para o representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, os atuais problemas na Síria só podem ser ultrapassados através de uma “solução política”.

A crise na Síria dura há 12 anos e o número de pessoas afetadas é enorme e continua a subir. Há quase 7 milhões de deslocados e 5,5 milhões de refugiados. A situação destas pessoas está cada vez mais crítica e, agora, o terramoto só veio acrescentar outro nível de miséria”, remata.

Em janeiro, ainda antes do terramoto, o ANUR já estimava a existência de 15.3 milhões de pessoas a necessitarem de ajuda humanitária em toda Síria, o que representa aumento de 5% em relação ao ano anterior.

“Estamos a falar de uma geração de crianças quem não conhece a cidade de origem”, alerta Portugal com ACNUR

Também a diretora nacional da Portugal com ACNUR descreve uma situação “dramática” e “grave” e que tem tendência a piorar. Em declarações ao Observador, Joana Brandão lembra que a crise humanitária na Síria “se arrasta há muito tempo” e que os cidadãos dependem muito da comunidade internacional.

Nesse sentido, a responsável destaca a importância da ajuda humanitária que tem chegado ao terreno. Com os apoios que o ACNUR recebeu até ao momento, foi possível garantir serviços de proteção “a mais de 280 mil pessoas”. Foram distribuídos 38 mil kits de bens de primeira necessidade, que incluem cobertores térmicos, roupa de inverno, colchões, conjuntos de cozinha, lonas de plástico, bidons de água, lâmpadas solares e colchões insufláveis. Foram ainda disponibilizadas cerca de quatro mil tendas.

Ouça aqui na íntegra estas declarações:

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O organismo das Nações Unidas está ainda, em conjunto com os parceiros locais, a apoiar mais de 10 mil crianças com atividades lúdicas, primeiros socorros psicológicos e sessões de aconselhamento e sensibilização para a proteção da criança. “Estamos a falar de uma geração de crianças quem não conhece a cidade de origem”, alerta Joana Brandão.

“O ACNUR estima que seja necessário um financiamento de mais de 48 milhões de euros para dar resposta a esta emergência climática e apoiar cerca de 385 mil pessoas que enfrentam uma situação dramática”, pode ainda ler-se num comunicado enviado ao Observador.

Ainda estamos numa fase de resposta rápida e de emergência. Esta não é uma emergência pontual e vai permanecer durante muito tempo, há muito trabalho a fazer”, resume Joana Brandão.

Violência contra mulheres preocupa

Só durante o ano de 2022, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados deu apoio a quase seis mil vítimas de violência de género. E o terramoto só veio agravar esta situação.

É uma preocupação grande. Nestes contextos onde possa haver falta de privacidade das raparigas e mulheres, em espaços sobrelotados, há ajudas tão simples quanto distribuir fechaduras. Parece uma coisa insignificante, mas ajuda”, explica a diretora nacional da Portugal com ACNUR ao Observador.

O trabalho do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados nesta área procura proteger e empoderar as vítimas, garantindo acesso aos serviços de apoio de qualidade, incluindo cuidados de saúde, apoio psicossocial e serviços jurídicos. Além disso, a organização tem feito um grande esforço para sensibilizar as comunidades para o tema e promover a igualdade de género e a inclusão, a tolerância e o fim da discriminação. Foram ainda distribuídos mais de oito mil kits de dignidade com produtos de higiene e outros bens.

“Ainda podemos fazer muito e está nas nossas mãos fazê-lo”, remata Joana Brandão.

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