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Pelo menos 44 civis morreram em março de 2022 num ataque contra um prédio de apartamentos em Izium, no leste da Ucrânia, tratando-se de um crime de guerra, denunciou esta quarta-feira a Human Rights Watch (HRW) num novo relatório.

O relatório “Mil Explosões nos Meus Ouvidos”, divulgado esta quarta-feira, tenta reconstituir os acontecimentos de 09 de março do ano passado, poucas semanas após o início da invasão russa da Ucrânia, “para mostrar os efeitos devastadores do ataque ao prédio na rua Pershotravneva, 2, em Izium”, na província de Kharkiv, “um dos mais mortais para civis” desde o começo da guerra.

Segundo a investigação da HRW, o edifício encontrava-se perto das linhas da frente e as suas caves serviam de abrigo para dezenas de civis, mas não foram encontradas provas de que as forças ucranianas estivessem a usar o prédio para fins militares.

Não encontrámos nenhuma prova para justificar tratar o prédio de apartamentos como um alvo militar legítimo, ou que as forças russas tentaram evitar ou minimizar a destruição de tantas vidas civis”, afirmou Richard Weir, investigador chefe de crises e conflitos da HRW, apontando que “várias famílias ficaram soterradas nos abrigos”.

A organização não-governamental (ONG) recorda que antes de 09 de março houve hostilidades contínuas na área do prédio de cinco andares, no distrito central da cidade, junto do rio Donets e de uma ponte pedonal estratégica.

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A cidade caiu no final do mês e só seria recuperada pelas forças ucranianas em setembro. Entre estes dois momentos, “fora de Izium, pouco se sabia sobre o ataque que destruiu a rua Pershotravneva, 2“, de acordo com a ONG.

Para produzir este relatório, entre o final de setembro e meados de março de 2023, a HRW entrevistou 21 pessoas de Izium, incluindo sobreviventes e testemunhas, familiares das vítimas e equipas de emergência, além de ter procurado provas físicas, analisado imagens de satélite, fotos e vídeos, inclusive de ‘drones’ (aparelhos aéreos não tripulados).

Sobreviventes descreveram à HRW que, dias antes do ataque, viram militares ucranianos perto do prédio, inclusive atirando junto da ponte, a cerca de 200 metros, tentando repelir as tropas russas.

Na manhã de 09 de março, mais ou menos à mesma hora, dois edifícios na mesma rua foram atingidos diretamente por munições lançadas pelo ar, provavelmente de um tipo semelhante.

A HRW não investigou o caso do segundo prédio, do outro lado da rua, “mas equipas de emergência e residentes locais disseram que houve três vítimas conhecidas, duas das quais seriam das forças ucranianas”.

Através de um modelo 3D do prédio, a ONG determinou que o ataque provocou um buraco de pelo menos 15 metros de largura no prédio onde se registaram dezenas de mortos.

Testemunhas que estavam nos abrigos ou nos andares inferiores disseram não ter visto as forças ucranianas dentro ou em redor do prédio pouco antes ou no momento do ataque”, destacou a HRW, acrescentando que, nas suas inspeções, “não encontrou sinais de posições de tiro ucranianas estabelecidas” e que nenhum dos moradores entrevistados ouviu disparos provenientes do edifício.

Os investigadores encontraram mais de uma dúzia de cápsulas de munições de armas ligeiras nas escadas dos pisos inferiores do edifício, mas não conseguiram determinar quem as disparou. Militares russos entraram, meses após o ataque, segundo um morador, para levar comida dos apartamentos do prédio, onde voltaram para deixar embalagens descartáveis nas escadarias e nos parapeitos das janelas.

Nos relatos ouvidos pela HRW, dois funcionários dos serviços de emergência afirmaram que os combates na área impediram os trabalhos de busca de sobreviventes até ao final de março.

Passaram depois cerca de um mês desenterrando corpos dos escombros, primeiro com as próprias mãos e depois com equipamentos, descreve o relatório.

Um deles disse que recuperaram 51 corpos, 44 identificáveis, e que não descobriram armas pequenas ou leves”, segundo o documento da HRW, indicando ainda que três testemunhas do ataque que estiveram envolvidas nas exumações disseram que não viram nenhum corpo com uniformes militares.

A partir de entrevistas a testemunhas e pessoas que recuperaram corpos, e análise das redes sociais, a organização confirmou a morte de pelo menos 44 pessoas.

No entanto, advertiu, que “esse número provavelmente é maior porque alguns corpos não puderam ser identificados e alguns corpos foram enterrados antes das exumações dos trabalhadores de emergência”.

Citado no relatório, o comissário de direitos humanos do parlamento ucraniano, Dmytro Lubinets, disse, por exemplo, que 54 pessoas foram mortas neste ataque, sobre o qual a HRW recebeu três listas de pessoas que morreram ou continuam desaparecidas e uma lista de bens pessoais encontrados no local, incluindo documentos de identidade.

Não foi possível identificar o tipo de arma usada, atendendo a que maioria dos restos ficou enterrada nos escombros ou tinha sido entretanto removida.

No entanto, a destruição extensa, mas relativamente contida, do prédio parcialmente desmoronado é consistente com o uso de uma grande munição lançada por via aérea, como a bomba da série FAB-500, com espoleta de ação retardada”, indicou o documento, o que significa que a munição está programada para rebentar após atingir o alvo, “de modo que poderia ter penetrado em vários andares do prédio antes de detonar, causando danos catastróficos”.

A HRW disse ter pedido informações ao ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, em 31 de janeiro, mas não recebeu resposta.

Citando o direito humanitário internacional, ou as leis da guerra, em concreto a distinção entre combatentes e civis e entre alvos militares e não militares, e o uso indiscriminado de armas de elevada potência em áreas populosas, a ONG deixa a denúncia sobre métodos de guerra ilegais.

Quem comete graves violações das leis da guerra, como ataques indiscriminados ou desproporcionais, com intenção criminosa — isto é, de forma deliberada ou imprudente — é responsável por crimes de guerra”, declarou a HRW, adicionando que os familiares dos sobreviventes e das vítimas merecem respostas e justiça.

“A devastação e a dor nunca serão apagadas, mas a responsabilidade pode ajudar a garantir que esse tipo de ato não seja tolerado”, afirmou, no relatório, Richard Weir.