O padre Mário Rui Leal Pedras, um dos quatro sacerdotes que foram afastados temporariamente das suas funções pelo Patriarcado de Lisboa por terem sido incluídos na lista de alegados abusadores sexuais de menores pela comissão independente, diz ter sido alvo de uma “denúncia anónima, falsa, caluniosa” e garante que vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance — incluindo recorrendo aos tribunais — para “desmascarar” quem o denunciou.

O nome do sacerdote, que até agora era pároco das paróquias de São Nicolau e de Santa Madalena, no centro da cidade de Lisboa, é o primeiro a ser conhecido de entre os quatro padres afastados pelo Patriarcado de Lisboa na sequência da lista que foi entregue pela comissão independente, liderada pelo psiquiatra Pedro Strecht, ao cardeal-patriarca, D. Manuel Clemente, no dia 3 de março.

Foi o próprio sacerdote a revelar a informação, através de uma mensagem publicada na noite desta quarta-feira no site da paróquia de São Nicolau. Mário Rui Leal Pedras é uma figura conhecida nos meios eclesiásticos lisboetas, sobretudo entre os setores mais tradicionalistas da Igreja Católica. A paróquia de São Nicolau, por exemplo, é célebre por ali se realizarem com regularidade missas segundo a forma extraordinária do rito romano, (vulgo, missa antiga, em latim). Além disso, segundo o jornal Expresso, Mário Rui Leal Pedras é também o confessor e diretor espiritual de André Ventura, presidente do partido Chega. No período da pandemia, o sacerdote também ficou conhecido por ter acusado o Governo de discriminar as celebrações religiosas enquanto abria exceções para a realização de eventos culturais.

Pároco da Igreja de São Nicolau acusa Governo de criar “exceções à lei para eventos e atividades culturais”

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“Na passada Segunda-feira, dia 20 de Março, fui chamado ao Patriarcado de Lisboa. Nessa ocasião foi-me dito que o meu nome constará da lista de pessoas, vulgo abusadores, que a Comissão Independente entregou na Diocese de Lisboa. Trata-se de uma denúncia anónima”, lê-se na mensagem divulgada pelo sacerdote. “Nessa denúncia alguém refere ter sido vítima de abusos por mim perpetrados, os quais teriam ocorrido na década de 90, quando frequentava o 8º ano, num colégio da periferia de Lisboa.”

O sacerdote garante que a notícia o chocou “profundamente” e que as “imputações são totalmente falsas”. “Ao longo da minha vida sacerdotal não pratiquei o que quer que fosse de censurável, seja pelo prisma da lei canónica, pelo prisma da lei civil ou da ética comportamental”, assegura o padre, na mensagem que enviou aos fiéis. “A denúncia anónima, sendo anónima, não dá a conhecer a identidade de quem a haja feito; não refere o nome da inventada vítima (quem denunciou anonimamente poderia indicar um qualquer nome); não se indica o local onde os falsos abusos teriam sido perpetrados; não fornece qualquer pista para levar a cabo uma investigação, referindo, por exemplo, o nome de potenciais testemunhas que tivessem algum conhecimento sobre o tema. Nada. Uma denúncia anónima, falsa, caluniosa, sem qualquer elemento útil ou prestável para investigação.”

Na mensagem, Mário Rui Leal Pedras assume que a denúncia o deixa “numa situação delicada”, à qual pretende reagir. “Vejo a minha honra e a minha reputação serem afetadas por um golpe cobarde, cuja existência não consigo entender nem explicar”, destaca o sacerdote. “Procurarei fazer tudo o que estiver ao meu alcance para desmascarar quem me difamou, restaurando a minha honra, agora visada, livrando-a de qualquer mácula ou suspeita.”

“Analisarei quais as vias possíveis para reclamar judicialmente a reparação que me é devida, sabendo, todavia, que o carácter anónimo da denúncia poderá comprometer este meu propósito. Quero que fiquem seguros de que nada fiz de errado, de desrespeitador, ou de criminoso”, diz ainda o padre aos seus paroquianos.

Mário Rui Leal Pedras diz-se ainda “ciente” da sua “absoluta inocência”, tendo-se colocado “à disposição do Patriarca de Lisboa, para que tomasse as medidas cautelares que entendesse adequadas, no âmbito da investigação prévia que agora se iniciará e dos procedimentos que se lhe sigam”.

“Eu próprio reclamo que essas diligências tenham lugar e que se iniciem com a máxima brevidade”, destaca. “Nessa sequência fui abrangido no grupo de sacerdotes que, por causa disso, deixa o exercício público do ministério enquanto decorrerem as diligências processuais. Aceito-o com uma sensação dolorosa de enorme injustiça.”

“Interrogo-me como pode ser possível que, com base numa denúncia anónima e falsa, formulada por engano, mão criminosa ou mente perversa, tenha sido ferido desta forma”, questiona ainda o padre Mário Rui Leal Pedras.

“Sou padre há 41 anos. Mesmo em situação de enorme sofrimento, só pelo facto de o ser e de o poder continuar a dizer, sou feliz. Percorrerei, agora, este caminho de pedras com profunda confiança em Deus, em amor à Igreja e em obediência ao meu Patriarca, enfrentando esta abjecta e monstruosa difamação. Sacrifico-me na esperança de poder estar a contribuir para o bem maior da Igreja. Quem não deve não teme. E eu não temo. Tudo farei para que a verdade seja reposta, para que nenhuma dúvida sobreviva e tudo entregarei, na oração, no coração de Deus”, termina o padre.

Abusos na Igreja. Comissão independente já enviou os dados que o patriarcado de Lisboa pediu para poder afastar padres suspeitos

No dia 3 de março, a comissão independente entregou aos vários bispos portugueses uma lista com os nomes dos alegados abusadores sexuais de menores identificados nos testemunhos prestados à equipa de Pedro Strecht. No caso do Patriarcado de Lisboa, a lista recebida por D. Manuel Clemente continha 24 nomes, dos quais apenas cinco eram de sacerdotes no ativo. Numa primeira fase, o cardeal-patriarca optou por não os afastar de imediato, pedindo mais dados à comissão independente. Esses dados foram enviados pela comissão na semana passada — e, na sequência dessas novas informações, o patriarcado afastou temporariamente quatro dos cinco sacerdotes.

A comissão independente foi criada no final de 2021 por iniciativa da Conferência Episcopal Portuguesa e foi composta pelos psiquiatras Pedro Strecht e Daniel Sampaio, a socióloga Ana Nunes de Almeida, o ex-ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, a assistente social Filipa Tavares e a cineasta Catarina Vasoconcelos. O trabalho da comissão durou pouco mais de um ano e o seu relatório final foi apresentado em fevereiro deste ano. De acordo com o relatório da comissão, a partir dos 512 testemunhos validados foi possível estimar que pelo menos 4.815 crianças e jovens tenham sido vítimas de abuso sexual no contexto da Igreja Católica desde 1950 até à atualidade.