As suspeitas do crime de homicídio com motivação terrorista ou até mesmo o alegado crime de terrorismo continuam em cima da mesa da investigação criminal que foi aberta na sequência da ataque ao Centro Ismaili, em Lisboa, por parte de Abdul Bashir. Mas estão praticamente descartadas.

Ao que o Observador apurou, a Unidade Nacional de Contra-Terrorismo da Polícia Judiciária (PJ) considera que as eventuais suspeitas de terrorismo estão afastadas a 90%. Porquê? Porque todas as diligências que foram feitas ao longo do dia não levaram à deteção de um discurso de ódio ou à recolha de indícios de radicalização religiosa por parte do suspeito que terá 29 anos.

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As buscas domiciliárias, a apreensão do telefone e do computador do suspeito com nacionalidade afegã e a inquirição de várias testemunhas que conviviam com Abdul Bashir apontam no sentido de o refugiado sofrer de stress pós-traumático devido à sua viagem do Afeganistão para a Grécia, onde a sua mulher acabou por morrer na sequência de um incêndio no campo de refugiados de Lesbos, deixando-o sozinho com três filhos pequenos.

Bashir entrou em Portugal em outubro de 2021, tinha estatuto de refugiado e estaria integrado na nossa comunidade.

A viagem marcada para Zurique e a entrega da investigação à Unidade Contra-Terrorismo

Os únicos elementos que não encaixam totalmente na tese de um possível desequilíbrio emocional por parte do suspeito que se encontra no Hospital de Santa Maria sob detenção prendem-se, em primeiro lugar, com uma viagem aérea que Abdul Bashir tinha marcada para esta quarta-feira.

O destino era Zurique e a motivação para a viagem é algo que a investigação da PJ ainda está a tentar esclarecer.

Outro indício que está a ser analisado prende-se com as razões de queixa das condições do campo de refugiados na Grécia que Bashir apresentou num vídeo feito pela organização Red SOS Refugiados Europa publicado a 17 de outubro de 2021 (ver aqui). O agora suspeito de duplo homicídio queixava-se de falta de resposta da ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

“As minhas condições de vida são muito difíceis.” Abdul Bashir publicou vídeo a pedir ajuda após perder a mulher num incêndio em Lesbos

A investigação da PJ está ainda a analisar outras queixas que Abdul Bashir também terá da Alemanha — o país por onde passou antes de chegar a Portugal — por não lhe ter sido concedido o estatuto de refugiado.

Seja como for, não é provável que estes indícios possam, neste momento, conduzir a uma indiciação do suspeito pelo crime de terrorismo.

Por outro lado, o facto da investigação estar a ser liderada desde o início pela Unidade Nacional Contraterrorismo da PJ não significa necessariamente que o crime de terrorismo seja o foco dos investigadores. É uma prática corrente, e normal, atendendo ao contexto em que se verificou o duplo homicídio: foi praticado por um refugiado de um país sinalizado como problemático ao nível do terrorismo e em instalações da comunidade muçulmana.

Em coma induzido, só será levado à presença do juiz após alta clínica

Atingido nas pernas por um agente da PSP, Abdul Bashir foi operado de urgência no Hospital de São José e encontra-se em coma induzido, apurou o Observador. Está sob detenção às ordens da PJ.

Chegou a Portugal há um ano, vive em Odivelas, é viúvo e descrito como “calmo”. Quem é o atacante que matou duas pessoas no centro Ismaili?

De acordo com as regras do processo penal, o facto de estar em coma induzido faz com que o prazo de 48 horas para ser levado à presença do juiz de instrução criminal para primeiro interrogatório se encontre suspenso.

Só após a alta clínica, devidamente aprovada pelos médicos do Hospital de São José, é que o prazo começará a correr. Logo, só nessa altura é que lhe deverão ser aplicadas as medidas de coação, sendo bastante provável que o Ministério Público promova a prisão preventiva após a detenção em flagrante delito.

[Já saiu: pode ouvir aqui o terceiro episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio e aqui o segundo episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]