A 29 de dezembro de 2021 Pedro Nuno Santos recebeu um e-mail de Alexandra Reis a colocar o seu lugar à disposição, dias antes de o processo de negociação para a sua saída da transportadora começar, com o conhecimento de Pedro Nuno Santos que soube a 4 de janeiro da vontade de Christine Ourmières-Widener de substituir a administradora.

A informação, a que o Observador teve acesso, levou o PSD, no âmbito da comissão de inquérito, a requerer um conjunto de documentos e e-mails adicionais para verificar se a ex-administradora da TAP poderia ter saído pelo seu pé, sem direito a qualquer indemnização. Alexandra Reis acabaria por fazer um acordo com a TAP para uma saída que custou à transportadora meio milhão de euros.

As negociações para a saída da gestora começaram em janeiro do ano seguinte, 2022, com o acordo a ser assinado em fevereiro. Ou seja, poucos dias antes do início da negociação, Alexandra Reis tinha colocado o lugar à disposição do ministro das Infraestruturas, na altura Pedro Nuno Santos.

O PSD requer, além da audiência urgente de Christine Ourmières-Widener, a “troca de e-mails entre a TAP e o secretário de Estado das Infraestruturas, referido nos anexos ao Relatório e que inclui, pelo menos, um documento em formato Powerpoint; as atas da Comissão Executiva da TAP SA e do Conselho de Administração da TAP SA e TAP SGPS relativa às divergências entre a CEO da TAP SA e Alexandra Reis; a extração das mensagens whatsapp entre a CEO da TAP e o secretário de Estado das Infraestruturas; e demais documentos fornecidos pelas partes ouvidas pela IGF, não constantes dos anexos ao Relatório”.

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“Esta informação é relevante primeiro porque é evidente que o senhor ex-ministro Pedro Nuno Santos, por este email, teve conhecimento a 29 de dezembro que algo se passaria de errado do ponto de vista da relação dentro da comissão executiva e que há esta vontade expressa da senhora Alexandra Reis”, declarou o deputado do PSD Paulo Moniz ao programa Resposta Pronta, da Rádio Observador.

“É evidente que a 4 de janeiro, quando se reúne por Teams [serviço de vídeo-conferência] com a CEO da  TAP e, nesta reunião, é-lhe comunicado que há intenção da saída da senhora Alexandra Reis, o que será de esperar é que não só ele se lembrasse deste email de 29 de dezembro como aproveitasse essa disponibilidade mostrada para fazer uma cessação da relação de colaboração e de trabalho com a TAP sem custos para o estado, sem custos para os contribuintes.”

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O deputado do PSD considerou ainda que “faltam peças no esclarecimento”, como a resposta dada pelo ex-ministro ao mesmo e-mail, até porque “este conhecimento, com esta antecedência” mostram que as intenções de saída não poderiam ser novidade. Para Paulo Moniz, a nova informação suscita “mais dúvidas” e carece de “mais esclarecimentos” que não estão no relatório da IGS e que são “muito relevantes”. Na mesma entrevista, adiantou que o pedido de audiência com Christine Ourmières-Widener ainda não tem uma data prevista.

O email enviado à TAP a 29 de dezembro

No email enviado por Alexandra Reis, a 29 de dezembro de 2021, a que o Observador teve acesso, endereçado ao então ministro das Infraestruturas, mas que foi enviado com o conhecimento de Miguel Cruz (ex-secretário de Estado do Tesouro) e Hugo Mendes (ex-secretário de Estado das Infraestruturas), a gestora declara: “No seguimento da alteração da estrutura acionista da TAP SGPS, com a saída da HPGB [sociedade de Humberto Pedrosa] do seu capital social, e tendo eu sido proposta pela HPGB para nomeação como membro do conselho de administração, com funções executivas, da TAP SGPS e, consequentemente, pela República Portuguesa, através da Direção Geral do Tesouro e Finanças, como membro do conselho de administração da TAP SA, venho por este meio colocar à disposição de V. Exas a minha manutenção, ou não, nos respetivos cargos”.

Ainda assim, disponibilizava-se a ficar com “dedicação, lealdade e independência”, aportando “conhecimento e experiência profissional” para “percorrer com sucesso o longo caminho de transformação e a ultrapassar os inúmeros desafios a que esse caminho inevitavelmente obriga”. Dispunha-se a trilhar esse caminho como “membro do conselho de administração”, caso fosse essa a vontade do ministro, no entanto,  continuava, caso considerassem ser do melhor interesse das sociedades uma solução diferente para estes cargos, estou disponível para renunciar aos mesmos, de acordo com a V. vontade”. Não se conhece a resposta recebida, mas Hugo Mendes acaba por dizer à IGF que o mail não foi relevado. E, de acordo com a informação constante na auditoria da IGF, só em janeiro começaram as negociações para a sua saída e, conforme foi referido pela própria Christine Ourmières-Widener, por decisão da CEO.

A IGF diz mesmo que foi “a CEO a suscitar a substituição [de Alexandra Reis] junto do Ministério das Infraestruturas e da Habitação, por divergências profissionais irreconciliáveis na comissão executiva que punham em causa o seu funcionamento”. Alexandra Reis nada refere sobre divergências no e-mail enviado em dezembro de 2021. Mas na auditoria a IGF refere que o ministro das Infraestruturas teve conhecimento dessas divergências pela CEO “em reunião havida no início do mês de janeiro de 2022, tendo solicitado a autorização para iniciar o processo da reestruturação da equipa executiva, com vista à substituição da vogal eng. Alexandra Reis”.

Christine Ourmières-Widener explicou, também à IGF, que esse pedido aconteceu a 4 de janeiro. “A discussão da nova estrutura e o desalinhamento da senhora eng. Alexandra Reis e a sua desadequação para o cargo de chief strategy officer iniciou-se em reunião havido via Teams, no dia 4 de janeiro de 2022, pelas 15h30, entre a CEO da TAP e o senhor ministro das Infraestruturas e da Habitação”, escreve a CEO numa resposta à auditoria. A formalização da proposta para a nova organização da equipa executiva “foi detalhada numa apresentação powerpoint enviada para o secretário de Estado das Infraestruturas para análise e aprovação por email datado de 18 de janeiro de 2022”, tendo Hugo Mendes aceitado a sugestão.

Segundo informação de Alexandra Reis à IGF, foi informada a 25 de janeiro pela CEO que esta queria que saísse da empresa.

“Na sequência dessa indicação, a discussão de cessação das relações contratuais com o grupo TAP foi havida por mim com a senhora eng. Alexandra Reis”, conclui Christine Ourmières-Widener, indicando ainda que a primeira proposta de Alexandra Reis foi transmitida a Hugo Mendes a 31 de janeiro, tendo no dia seguinte havido uma reunião, por Teams, entre Christine, Hugo Mendes e a chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos, além dos advogados contratados pela TAP (a SRS) “onde se discutiu os termos e condições constantes da proposta efetuada pela senhora eng. Alexandra Reis”. A 2 de fevereiro foi feita a proposta final de Alexandra Reis que foi transmitida a Hugo Mendes, nas palavras de Christine. Alexandra Reis dá outra indicação: “A negociação entre os seus advogados e os da TAP inciou-se a 27 de janeiro e a 20 de janeiro a TAP fez uma proposta global de 500 mil euros, proposta que decidiu aceitar”.

“A autorização aos termos e condições do acordo e cessação da relação contratual incluindo assinatura foi requerida pela CEO” a 2 de fevereiro.

O acordo foi assinado a 4 de fevereiro, com cessação de funções a 28 desse mês. “Em conclusão, neste processo, a decisão de terminar a relação contratual com a senhora eng. Alexandra Reis foi uma decisão do Governo, seguindo a recomendação da nova estrutura efetuada pela CEO”, conclui Christine Ourmières-Widener.

Agora com a obtenção dos e-mails conclui-se, assim, que dias antes — 29 de dezembro de 2021 — o Governo recebeu de Alexandra Reis um indicação de disponibilidade para sair da empresa. Essa referência é só feita, na auditoria da IGF, na ata da reunião com Hugo Mendes. “Sobre o modo como decorreu o processo conducente à saída da sr. eng. Alexandra Reis do grupo Tap, referiu [o ex-secretário de Estado] que o processo começa no final de dezembro a enviar um e-mail ao seu gabinete, colocando o lugar à disposição, na medida em que se encontrava na administração indicada pelo acionista privado, aspeto que não foi relevado porque o gabinete tinha sempre trabalhado bem com a administradora”.

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