O Inspetor-Geral de Finanças admite que a auditoria realizada ao acordo da saída de Alexandra Reis da TAP não permite concluir se o administrador financeiro da empresa teve conhecimento do montante pago. António Ferreira dos Santos, ouvido esta quarta-feira na comissão parlamentar de inquérito à TAP, justificou a exclusão do CFO, Gonçalo Pires, do apuramento de responsabilidades pela adoção e execução de uma solução que a IGF considerou ir contra a lei (do estatuto do gestor público), com a constatação de que este gestor não participou da negociação e fecho da decisão que resultou no pagamento de meio milhão de euros a Alexandra Reis.

Quando questionado por Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, sobre se o CFO teria tido conhecimento dessa indemnização, o Inspetor-Geral admitiu que provavelmente terá sabido. “É natural que soubesse, mas não consigo precisar”. Mas se sabia, então teria obrigação de comunicar à tutela das Finanças que a informação do relatório do governo de sociedade — que apontava para uma renúncia por parte de Alexandre Reis justificada por mudanças acionistas (e sem referência a indemnização) — estava errada? Ferreira dos Santos admite que sim, mas deixa a nota: “Como poderia comunicar algo que não sabia?”

A IGF, disse, conseguiu apurar “que o CFO foi confrontado com uma decisão tomada e foi informado por mail pelo presidente do conselho de administração, Manuel Beja.” Mas não foi chamado sobre o processo. Já antes e a pedido de Hugo Carneiro do PSD, o Inspetor-Geral das Finanças tinha lido um resumo ata da reunião com Gonçalo Pires, que é ouvido esta quinta-feira. No documento que não foi disponibilizado quando foi divulgada a auditoria, o CFO afirma ter sido informado por mail de que Alexandra Reis ia sair e quais os termos da renúncia. Mas dizia que o tema não foi discutido na comissão executiva.

Sendo uma demissão, destaca Mariana Mortágua, teria de ser comunicada à tutela acionista, o Ministério das Finanças. Antes, o Inspetor-Geral defendeu que Gonçalo Pires não tinha de comunicar às Finanças a indemnização de meio milhão de euros porque o valor era inferior a 1% do ativo líquido da TAP, critério estabelecido no regime do setor empresarial do Estado.

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Em resposta a Bruno Dias do PCP, o responsável descreveu o acordo de saída de Alexandra Reis como um despedimento que aparece como mútuo acordo, uma figura que não existe no estatuto do gestor público.

“O relatório retrata a ideia com que ficamos. Haveria intenção que Alexandra Reis saísse da administração por parte da TAP. Foi reconhecido que deveria levar uma indemnização. Inventou-se, por assim dizer, uma figura que não existe, que é uma renuncia por acordo”.

CEO não conhecer estatutos é “estranho”

A segunda ronda de questões dos deputados foi assumida pela diretora da IGF Carla Reis Santos, que esclareceu algumas questões e vincou outras que já tinham sido notadas por António Ferreira dos Santos. Na sequência de questões sobre a validade do acordo entre Alexandra Reis e a TAP, a diretora salientou que, tendo em conta que o acordo é nulo, “é óbvio” que Alexandra Reis não poderia ser reintegrada na TAP. “No limite seria impossível porque depois de ser administradora da TAP passou pela NAV e foi secretária de Estado do Tesouro”, afirmou.

“Não temos duvida de que o acordo é nulo, viola a lei e foi subscrito por quem não tem competência para o fazer, aquela forma não é reconhecida na lei”. Havendo renuncia, defendeu, não haveria direito a indemnização. Havendo demissão por conveniência, o valor pago é ilegal porque Alexandra Reis deveria ter 12 meses de mandato. É, aliás, isso que está expresso no relatório da IGF, e que a TAP tentou contrariar.

“Temos uma opinião. A primeira informação é de que houve renúncia. Para todos os efeitos, há uma renúncia. Um pouco encapotada, mas é o que acontece”, sublinhou.

O inspetor da IGF descartou ainda uma “teoria” de que Alexandra Reis teria ido para a NAV como compensação da sua saída da TAP. “Não conseguimos encontrar conexão entre as duas situações. Não houve ‘vais sair da TAP então tens uma compensação e vais para a NAV. É uma teoria que não tem adesão à realidade. Não havia uma intenção maléfica“.

A diretora da IGF foi dura com a gestão da TAP,  sublinhando que a indemnização foi uma decisão tomada por “dois admnistradores avulsamente”, primeiro por iniciativa da CEO e depois por Manuel Beja “arrastado”, e que não foi um ato do conselho de administração. “Há uma violação clara do que esta previsto na lei, no estatuto do gestor público, que se aplica integralmente”, porque a exceção definida não abrange a parte da demissão. A solução, acabaria por dizer, “foi desastrosa”.

“A transição de privado para público não exonera quem está à frente da empresa de dominar estes regimes. A senhora francesa é CEO de uma empresa pública. Os estatutos da TAP dizem claramente a quem compete uma demissão. À assembleia geral. A CEO não conhecer os estatutos, seja de que nacionalidade for, é um bocadinho estranho”, concluiu a diretora da IGF.

A questão foi corroborada por António Ferreira dos Santos, segundo o qual a obrigatoriedade do estatuto de gestor publico nestas relações “ficou claro”. Na gestão da TAP, não foi bem assim. “Perguntámos a Alexandra Reis e a Manuel Beja se se sentiam gestores públicos. Aquilo era gerido como se de uma empresa privada se tratasse, isso não pode ser regra e as consequências estão à vista de todos”, concluiu.

O diretor ressalvou ainda a “pressão tremenda” a que a IGF foi sujeita durante a elaboração do relatório, que foi acicatada pelas versões preliminares que foram conhecidas, “que não sabemos como apareceu cá fora”. Carla Reis Santos disse ainda que “não deveria ser normal a diretora da IGF assinar um relatório. Ele foi feito por uma equipa restrita, não só por questões de confidencialidade, mas parando tudo o resto para dedicação total a este processo”.