Vendedores e compradores dos principais produtos da cesta básica angolana em Luanda queixam-se da subida de preços, que quase duplicaram desde maio, e apelam à intervenção do “pai” João Lourenço (tal como faziam com o seu antecessor na presidência de Angola, José Eduardo dos Santos), para travar os aumentos.

Para este sábado está agendada uma manifestação contra a subida do preço de combustíveis, tendo a embaixada dos Estados Unidos em Luanda emitido um alerta de segurança lembrando que ações semelhantes noutros locais de Angola levaram a confrontos com a polícia. No Huambo, por exemplo, duas pessoas morreram, segundo dados da polícia, e no Namibe, uma, além de existir o registo de vários feridos. O protesto foi convocado por vários ativistas, como Gangsta, por exemplo.

Na capital angolana, três dias antes das manifestações, a vendedora de frescos a retalho Catarina Oliveira assume à agência Lusa a preocupação pela subida dos preços e pede a intervenção do Presidente angolano, para travar o encarecimento dos produtos da cesta básica, que quase duplicaram, receando o agravar da fome em casa.

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O recurso à “sócia” (juntar valores com outros compradores para adquirir um mesmo produto), cuja adesão “quadruplicou”, é, por isso, cada vez mais uma alternativa para garantir o sustento mínimo.

Num armazém de frescos, na conhecida zona da Arosfram, rua direita do Mercado dos Kwanzas (município do Cazenga) os preços dos produtos são afixados na parede em papéis brancos, e a tinta nítida revela que se trata mesmo dos mais recentes. Ali acorreu Catarina de Oliveira, com 25.000 kwanzas (33,7 euros), que disse não terem sido suficientes para comprar sequer a metade de produtos que adquiria anteriormente em valores mais reduzidos.

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“Hoje eu vim com 25.000 e fiz apenas ‘sócia’ de rabinho [de porco], uma caixa de carcaça de frango de 12.500 kwanzas [16,8 euros] e fiquei apenas com 4.000 kwanzas em mãos, a situação está mal, tenho filhos, marido sem emprego, vamos fazer como?“, desabafou, em declarações à Lusa.

Sentada à entrada do armazém e ladeada de jovens, que com machados aguçados esquartejavam as carnes frescas, Catarina Oliveira explicou que se socorreu da “sócia”, a que se juntaram mais três compradoras com 5.000 kwanzas (6,7 euros) cada para adquirir a caixa de “rabinho”.

“Antes, com 12.500 kwanzas eu comprava duas a três caixas, Presidente [da República] tem de nos ajudar, pai, está mal tem de nos ajudar mesmo, estamos a confiar contigo pai, ajuda“, apelou.

Naquela superfície comercial, a caixa de carcaça de frango de 15 quilogramas já custa 12.500 kwanzas, 10 quilogramas de rabinho de porco valem 15.800 kwanzas (21,3 euros), a caixa de 10 quilogramas de coxa de frango está a 13.200 kwanzas (17,8 euros), enquanto 10 quilos de fígado de vaca estão em 12.200 kwanzas.

Estes preços, segundo os consumidores, quase que duplicaram, se comparados com os praticados há mais de um mês, ocasião em que a caixa de coxa de frango custava 8.000 kwanzas (10,8 euros), recordou Cláudia Almeida.

“Está tudo alto, anteriormente comprávamos a coxa a 8 mil kwanzas, mas agora está a 12.00 kwanzas ou 13.000 kwanzas, comprávamos o saco de arroz a 7.000 kwanzas [9,4 euros], mas neste momento está a 14.000 kwanzas”, disse Cláudia Almeida.

A enfermeira de 49 anos, que acorreu à zona da Arosfram para adquirir produtos para a casa, apontou a escassez de divisas no mercado como fator para o aumento dos preços, referindo que gastou duas vezes mais do que no mês passado. Mesmo fazendo “sócia”, a profissional de saúde garantiu que “foi mesmo o dobro”.

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“Quando cheguei ao armazém, assustei com o preço, sinceramente não estava a acreditar”, lamentou.

“A situação é preocupante e acho que há pessoas que não vão comer, se as coisas continuarem a subir diariamente há pessoas que não vão comer”, atirou a enfermeira, criticando também a precariedade dos salários.

A subida do preço dos frescos foi confirmada por um dos funcionários do estabelecimento, Vitorino Kanangwa, justificando a medida pela escassez do dólar no mercado angolano e a subida do preço do combustível.

Os preços altos estão a afugentar os clientes e consequentemente reduzir a faturação: “Sim, a procura reduziu, praticamente os clientes começaram a limitar-se por causa dos preços e diminuiu a nossa faturação e esses dias estamos a ter pouca venda”, declarou Kanangwa à Lusa.

Diversos produtos que compõem a cesta básica angolana também são vendidos em grande parte dos armazéns localizados na área que circunda o Mercado dos Kwanzas, um dos mais antigos da capital angolana, onde os preços também dispararam.

“Os preços estão muito alterados, desde o mês passado começaram a subir os preços, aqui o saco de arroz (de 25 quilogramas) já estava a 8.500 kwanzas e agora está a 14.000 kwanzas e está difícil, e depois esses dias temos poucos clientes”, contou Isabel Afonso.

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A funcionária do caixa do armazém referiu que a subida dos preços resulta da escassez do dólar, sendo que o arroz, o óleo e o açúcar “estão agora com pouca saída devido aos preços altos”. A procura por bens de primeira necessidade nesses armazéns é visível pelo número de pessoas que entra e sai do espaço, muitos de mãos vazias e até “indignados” com a subida dos preços, como desabafou Joana Nâmbua Lopes.

“Estamos a sofrer muito, como é que o arroz vai subir até 15.000 kwanzas? Querem nos matar devagar, se querem nos matar que nos matem já todos, a situação está mal, estamos a sofrer muito”, queixou-se.

A “zungueira” Odete Daniel apontou que as vendas foram condicionadas devido ao processo de reordenamento do comércio na capital, e acrescentou que “levou um susto” ao ver o atual preço da caixa de massa alimentar fixado em 5.400 kwanzas (7,2 euros) contra os anteriores 3.100 (4 euros).

“É complicado, já não nos querem na ‘zunga’, a comida é essa que está cara e ficamos como? Vamos morrer de fome”, atirou a vendedora ambulante.

Catarina Oliveira, tal como os demais vendedores e compradores, referiu igualmente a escassez do dólar como uma das razões para o escalar de preços de bens de consumo na capital angolana.