As expectativas eram altas para o encontro de paz que reunia mais de 40 delegações oriundas de todos os continentes e que tinha como objetivo tentar resolver a guerra na Ucrânia. Apesar da ausência da potência agressora o encontro juntou países que têm sido apontados como mais próximos da Rússia, como a China ou a Índia.
Em Jeddah, no oeste da Arábia Saudita, as comitivas discutiram durante longas horas — sempre à porta fechada — qual seria a melhor maneira de terminar com o conflito que já dura há quase 17 meses. Ainda assim, a organização do evento, que terminou este domingo, não divulgou qualquer texto final que reunisse os principais pontos abordados. Esse nem sequer era, aliás, o objetivo, tendo em considerações as diferentes posições que os países adotaram desde 24 de fevereiro de 2022.
A Ucrânia fez um balanço positivo do encontro. Ressalvando que havia “diferentes visões” durante a reunião, o chefe do gabinete da presidência ucraniana, Andrii Yermak, classificou as conversas como “produtivas” sobretudo sobre os “princípios em que se deve ancorar uma paz justa e duradoura”. “Nós tivemos uma conversa honesta e aberta, durante a qual os representantes de cada país podiam apresentar a sua posição e visão”, afirmou.
Adicionalmente, o chefe do gabinete da Ucrânia realçou que os participantes mostraram um “compromisso” relativamente ao respeito pela “Carta das Nações Unidas, pelo direito internacional, pelo respeito pela soberania e pela inviolabilidade da integridade territorial dos Estados”, princípios que Kiev considera essenciais para firmar um acordo de paz.
Por sua vez, o país ausente mais presente foi a Rússia, que nem sequer foi convidado para o encontro, ainda que o Kremlin tenha assegurado que ia “acompanhar” a reunião com mais de 40 países. Criticando a iniciativa de paz saudita, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Ryabkov, considera que a reunião foi uma “tentativa fútil e infrutífera” do Ocidente “mobilizar a comunidade internacional, mais concretamente o Sul Global, para apoiar a fórmula de Zelensky”.
O Sul Global — que inclui a América Latina, África e a grande parte do continente asiático — tem mantido uma posição pouco clara sobre o conflito na Ucrânia. Maioria dos países condena a invasão e pede o fim do conflito, mas não aplica qualquer sanção à Rússia. A diplomacia ucraniana tem-se multiplicado em iniciativas para tentar convencer vários países de que não só devem diminuir a proximidade com Moscovo, como também devem apoiar uma proposta de paz de Kiev.
Mesmo assim, um dos países do Sul Global não se manifestou completamente satisfeito com este encontro de paz. Antes do início da reunião, Celso Amorim, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil e o enviado da presidência brasileira para Jeddah, deixou críticas à organização. “Qualquer negociação real deve incluir todas as partes”, afirmou o diplomata à G1, aludindo à ausência da Rússia. Reforçando que a Ucrânia é a “maior vítima”, o responsável sublinhou que, se a comunidade internacional quiser a “paz”, deve “envolver Moscovo neste processo de alguma forma”.
De todos os países do Sul Global, a presença da China era a mais esperada. “Foi uma vitória histórica”, chegou a adjetivar o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano. Dmytro Kuleba agradeceu à Arábia Saudita ter convencido Pequim, que mantém uma grande influência sob Moscovo, a estar presente. E o resultado não foi claro — mas não foi negativo: delegação chinesa pediu, no final de reunião, uma terceira ronda de encontros para chegar a uma estrutura capaz de abrir portas a um acordo de paz.
“Há vários pontos de desacordo e ouvimos posições diferentes, mas é importante que os nossos princípios sejam partilhados”, declarou Li Hui, representante especial chinês para os assuntos euro-asiáticos. A China não esteve presente no primeiro encontro de paz em Copenhaga, mas inverteu a posição.
O que foi discutido no encontro de paz?
Devido ao encontro ter sido à porta fechada, poucos são os detalhes que vieram a público. Ainda assim, de acordo com o que apurou a agência de notícias alemã DPA, as delegações terão discutido um novo acordo de paz elaborado pela Arábia Saudita, além da formula de paz apresentada há meses pelo Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
Neste acordo saudita estaria previsto um cessar-fogo imediato, o início de negociações de paz sob a supervisão das Nações Unidas e ainda uma troca de prisioneiros. A Rússia foi igualmente informada destas condições da diplomacia de Riade.
A única governante a pronunciar-se sobre o encontro foi a ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Annalena Baerbock. Em declarações à imprensa alemã, a chefe da diplomacia germânica enfatizou que este encontro de paz mostra que a guerra na Ucrânia também “afeta pessoas da África, da Ásia e da América do Sul”.
Mantendo uma postura cautelosamente otimista, Annalena Baerbock indicou ainda que “todos os milímetros de progresso para uma paz justa trazem um raio de esperança” para o povo ucraniano. E deixou elogios à fórmula de paz de Volodymyr Zelensky, definindo-o como sendo um “caminho decisivo” para terminar o conflito.
No encontro, estiveram presentes as seguintes delegações:
- Europa: Alemanha, Bulgária, Chéquia, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Itália, Letónia, Lituânia, Noruega, Países Baixos, Polónia, Reino Unido, Roménia, Suécia, Turquia e ainda a União Europeia.
- América do Norte: Estados Unidos e Canadá (México confirmou que foi convidado, mas não esteve presente).
- América do Sul: Argentina, Brasil e Chile.
- África: África do Sul e Egito.
- Ásia: Arábia Saudita, Austrália, Bahrein, China, Comores, Coreia do Sul, Índia, Japão, Jordânia, Kuwait, Qatar e Turquia.
- Oceânia: Austrália.