O ministro das Finanças já sinalizou a intenção de eliminar as cativações no próximo ano, o instrumento de controlo de despesa pública que ficou famoso com Mário Centeno e João Leão e que ainda teve aplicação na era Medina — em 2022 e 2023. Mas há outros instrumentos “não convencionais” para controlar a despesa que estão a ter efeitos mais nocivos sobre a gestão pública e na qualidade dos serviços prestados pelo setor público”, alerta a UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental) do Parlamento.
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Na apreciação à conta geral do Estado de 2022, a UTAO “constata a falta de utilidade dos instrumentos não convencionais para controlar a despesa” e denuncia o que classifica de “intromissão do poder político na gestão das entidades públicas“, na medida em que estas são obrigadas a pedir autorização para realizar despesas até de gestão corrente.
Mas afinal de que instrumentos estamos a falar? Os técnicos do Parlamento distinguem instrumentos convencionais de controlo da despesa — onde se inserem as famosas cativações, mas também a dotação provisional, as dotações centralizadas do Ministério das Finanças e a reserva orçamental — dos não convencionais. Em causa estão formulações presentes nas leis orçamentais e nos decretos de execução orçamental que procuram travar o aumento das despesas com pessoal e com a aquisição de serviços. Ao mesmo tempo que, diz a UTAO, “retiram competências de gestão corrente, naqueles domínios, aos gestores e decisores das empresas e dos serviços públicos, transferindo-as para vários membros do Governo”.
E enquanto as cativações têm longa tradição na gestão financeira das contas do Estado, as outras são mais recentes e começaram após a crise financeira de 2008-2012, com especial força no ano do resgate — 2011, mas estão a ser repetidas todos os anos sem alterações significativas. Mas o caso dos travões à aquisição de serviços “desde 2016 é aplicado de forma encadeada impondo tetos nominais anuais que se revelam cada vez mais restritivos”. Este foi o primeiro ano de governo de António Costa apoiado na gerigonça com Mário Centeno à frente das Finanças.
Restrições apertaram com socialistas
Apesar destes mecanismos já serem aplicados pelo Governo do PSD/CDS, que aplicou o programa de assistência financeira, os técnicos do Parlamento consideram que as “restrições impostas à aquisição de serviços têm vindo a tornar-se mais restritivas desde 2016, uma vez que aplicam uma regra nominal de preços em cadeia anual”.
Esses limites anuais não têm acompanhado a evolução nominal dos preços — em 2022 foi introduzido um fator de correção monetária de 2% face à despesa do ano anterior, “claramente abaixo da inflação registada em 2015” — nem as inovações na tecnologia de produtos e serviços.
Este condicionamento é aplicado à globalidade dos encargos de cada entidade com contratos de serviços, mas também a contratos individuais.
Exemplos de “normas problemáticas” são artigos inscritos nas leis dos orçamentos de 2020 e de 2021 e no decreto de execução orçamental de 2019 que controlam:
- Contratação de trabalhadores por entidades e empresas públicas.
- Encargos com contratos de aquisição de serviços.
- Estudos, pareceres, projetos e consultoria.
- Contratos de prestação de serviços na modalidade de tarefa e avenças.
Segundo a UTAO, no ano passado estiveram em vigor um “conjunto de restrições à autonomia das entidades públicas, em todos os subsetores das administrações públicas e do setor empresarial para contratar serviços e recrutar recursos humanos”.
Num ano em que o investimento público ficou, uma vez mais, muito aquém do objetivo inscrito no Orçamento do Estado — de um crescimento de 32,5% esperado ficou-se pelos 7,1% — a UTAO nota que os gestores públicos “enfrentam um conjunto de efeitos perversos que estas normas impõem sobre as suas atividades de gestão, contribuindo para a diminuição da eficiência das entidades públicas”.
Isto porque os instrumentos “não convencionais limitam a autonomia das equipas de gestão” e tornam inevitável pedir exceções “a estes espartilhos”, o que “exige a intromissão do poder político executivo nos atos de gestão corrente das entidades públicas, verticalizando e centralizando tanto decisões estratégicas, como decisões de gestão corrente na vida das organizações, com reflexos negativos na gestão e na qualidade da produção das unidades orgânicas”.
Segundo a UTAO, estes entraves são agravados nas despesas com aquisição de serviços, como projetos, consultorias e trabalhos especializados (nomeadamente jurídicos) e nos serviços de tarefa e avença, sendo comum que o esforço exigido para obter autorização para gastar não se justifique pelo valor da despesa em causa. “Sem autorização em tempo útil, as entidades ficam amarradas a tecnologias obsoletas e prestam um serviço público de nível inferior ao que seria possível sem estas restrições”.
No casos nos recursos humanos, existe a proibição de celebrar contratos com novos trabalhadores por tempo indeterminado e a termo. É precisa uma autorização do membro do Governo que tutela o serviço e das Finanças mediante um processo administrativo. Existe também a proibição de substituir trabalhadores do setor público empresarial por trabalhadores experientes e o impedimento de que substituir trabalhadores do quadro resulte num aumento total do número de colaborares de uma empresa.
Estas regras podem ser ultrapassadas, mas isso exige uma intervenção do Governo. Há também condicionantes ao nível de remuneração, como o custo anualizado do trabalhador a contratar ser igual ou inferior ao custo anual do trabalhador substituído. Existem exceções a estes limites, mas também estas têm de cumprir regras.
Esta malha de condições com objetivos quantitativos visa conter a contratação de trabalhadores e travar o acréscimo da despesa com pessoal e contratação do serviços. Para os técnicos do Parlamento, estas práticas introduzem opacidade, atrasam os processos, tornando o seu desfecho incerto, e desviam recursos das entidades e do próprio Governo para cumprir as requisitos dos processos administrativos e burocráticos.
Para a UTAO, seria mais transparente e rigoroso efetuar os cortes à cabeça na fixação de restrições orçamentais nos mapas de despesa que o Governo propõe para aprovação parlamentar todos os anos. E defendem que a eliminação destas restrições não convencionais “não aumentaria a despesa agregada face às dotações aprovadas pela Assembleia da República, seja a despesa nas rubricas pessoal e aquisição de serviços, seja a despesa total da entidade pública”.