A subida dos juros por parte do BCE em setembro foi o gatilho que levou Fernando Medina a propor ao primeiro-ministro uma redução do IRS para 2024 maior do que a que estava prevista. Em entrevista ao Expresso publicada esta sexta-feira, o ministro das Finanças descarta que a redução das taxas incluída na proposta de Orçamento do Estado (OE), que terá um impacto de 1.300 milhões de euros, muito superior aos cerca de 525 milhões previstos, não foi uma resposta ao PSD, mas à ação de Christine Lagarde, do BCE.

“Este OE nada tem a ver com as propostas do PSD, nem mesmo o IRS”, garante Medina. Em agosto, o PSD propôs uma redução do IRS em 1.200 milhões de euros. Mas a intenção do Governo era cortar menos. O Programa de Estabilidade, apresentado em abril, prevê uma redução de 2.000 milhões até 2027. Pelo que a fatia reservada para 2024 estaria na ordem dos 525 milhões. Foi a subida dos juros em setembro, garante o ministro, que alterou o rumo da política. “Já tínhamos sinalizado a importância da redução do IRS ao longo da legislatura. E eu sempre disse que o valor e as modalidades concretas dependeriam muito da avaliação da situação económica. Não era uma distribuição linear ao longo do período”, diz ao Expresso.

O “fator determinante”, aponta, “foi a decisão do BCE, tomada em setembro, relativamente às taxas de juro. Foi por essa altura que eu propus ao primeiro-ministro que avançássemos com uma redução maior no IRS, por uma razão simples e clara: ao ter fixado as taxas no nível que fixou, tornou altamente provável que estas taxas se mantenham durante todo o ano de 2024. Isto significa que vai acrescer um peso sobre as famílias e sobre uma parte das empresas. Perante este quadro, tornava-se importante reforçarmos a procura interna para que aguentasse melhor 2024”, sintetiza.

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Na mesma entrevista, dada no dia seguinte à apresentação da proposta de Orçamento, adianta ainda que a solução para o IRS dos trabalhadores independentes “não está fechada” e que “aquilo que foi combinado com os parceiros sociais foi fechá-la durante o ano de 2024”

Sobre o fim do IVA zero, Medina defende a opção considerando que a “questão do preço dos alimentos” não é hoje “a questão premente”, pelo que “não se justifica” prolongar a medida. “O que faz sentido é proteger os rendimentos dos mais vulneráveis, tornando em definitivo o apoio correspondente ao IVA zero”.

Não querendo antecipar qual será a solução encontrada para o aumento das rendas, que não consta no Orçamento do Estado por ainda estar a ser negociada com o setor, Medina sugere, no entanto que vem aí “uma boa notícia”, que será dada pela ministra da pasta, Marina Gonçalves. “A medida que está a ser trabalhada é tentar uma solução que não faça repercutir sobre os inquilinos a totalidade do que é o aumento que a lei naturalmente traria. Por isso, trata-se de uma boa notícia, não de uma má notícia”. De acordo com o jornal Público desta sexta-feira, a medida passará por um apoio direto às famílias com uma taxa de esforço superior a 35%, que acumulará com o subsídio de renda.

Confrontado com a crise na saúde e com a falta de referências ao setor na apresentação do OE, o ministro das Finanças rejeita que o problema do SNS seja financeiro. “Com o volume de transferências de disponibilidades financeiras que tem sido feito para o SNS ninguém hoje, com um sentido de rigor de honestidade intelectual, poderá dizer que as dificuldades resultam de questões de natureza orçamental e financeira. O SNS tem tido financiamento, os portugueses têm dado ao SNS recursos ímpares”, ressalva. Questionado sobre se o problema é a gestão, Medina diz apenas que são “vários”.

Uma das grandes novidades do OE 2024 é a criação de um fundo para investimentos, que vai receber dinheiro das concessões das autoestradas e os excedentes orçamentais. Medina diz que o modelo ainda não está fechado, mas que o objetivo é que fique na lei que todos os excedentes orçamentais passem a entrar nesse fundo. “O fundo ficará dentro do perímetro das administrações e, por isso, ajuda à redução da dívida pública e às necessidades de emissões no futuro”, explica.

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Sobre a TAP e a mudança de posição do Governo, que admite agora alienar a totalidade do capital da companhia, Medina rejeita falar do passado e acrescenta apenas que o Governo está “aberto” a “uma posição em que seja o acionista de referência a ter a maioria do capital da TAP” e a negociar essa percentagem, que poderá ser superior a 95% “se não houver subscrição total de trabalhadores”.

O ministro das Finanças reagiu ainda às críticas do líder do PSD ao Orçamento. Luís Montenegro classificou o documento como “pipi e betinho”, o que Medina encara como um elogio, porque é sinal que Montenegro “não encontrou nada melhor para o criticar”. A resposta do líder do PSD leva ainda Medina a crer que o principal partido da oposição poderá abster-se na votação ao OE. “Acha que estas nossas ideias são boas para o país e, porventura, não sei se estará a antecipar um voto, não direi favorável, mas uma abstenção no Orçamento”.