O contrato de concessão assinado com a ANA prevê que o Estado possa recuperar a exploração do aeroporto de Lisboa antes dos 50 anos do final do prazo em duas situações. Uma delas só pode exercida em 2037. A outra, diretamente relacionada com o novo aeroporto — e no quadro de falta de acordo com a concessionária sobre a expansão da capacidade aeroportuária em Lisboa –, pode demorar quatro a cinco anos a produzir efeito, confirma ao Observador a coordenadora da área jurídica da Comissão Técnica Independente, e no caso de se esgotarem os prazos previstos no contrato.
Numa delas, o Estado pode resgatar o contrato por razão de interesse público, sem se verificar incumprimento ou violação das obrigações das duas partes. Mas apenas o poderá fazer depois de passados 25 anos sobre a data de assinatura do contrato, como se lê no relatório sobre as implicações jurídicas da concessão dos aeroportos produzido pela comissão técnica independente.
Como o contrato foi assinado em 2012, essa possibilidade contratual de resgate de toda a concessão só se verifica em 2037, tendo ainda que ser antecedida de comunicação à concessionária com seis meses de antecedência e implica o pagamento de uma indemnização. De acordo com os esclarecimentos prestados ao Observador por Raquel Carvalho, professora da Faculdade de Direito da Universidade Católica, no Porto, coordenadora da área jurídica na CTI, a cláusula 64.1 do contrato permite que o concedente “possa resgatar a concessão de acordo com a Lei aplicável, quando motivos de interesse público o justifiquem e desde que transcorridos vinte e cinco (25) anos sobre a data da assinatura, mediante comunicação escrita à concessionária com, pelo menos, seis (6) meses de antecedência”.
[Já saiu: pode ouvir aqui o sexto e último episódio da série em podcast “O Encantador de Ricos”, que conta a história de Pedro Caldeira e de como o maior corretor da Bolsa portuguesa seduziu a alta sociedade. Pode sempre ouvir aqui o quinto episódio e aqui o quarto, o terceiro aqui, o segundo aqui e o primeiro aqui]
No entanto, e de acordo com a interpretação feita pela jurista, esta possibilidade não pode produzir efeitos antes do prazo de 25 anos desde a assinatura. Logo, não está disponível para ser acionada pelo Estado no quadro de uma eventual divergência sobre a solução para o novo aeroporto de Lisboa.
“Independentemente da eventual verificação de motivos de interesse público, tendo o Contrato de Concessão sido assinado em 14.12.2012, o resgate da Concessão apenas poderá ser equacionado a partir de 2037, não configurando uma opção ao dispor do Concedente para efeitos da expansão da capacidade aeroportuária”, refere numa resposta enviada ao Observador. Logo, a jurista entende que esta cláusula de resgate não é aplicável ao tema do novo aeroporto. “Primeiro, existe o limite temporal. Independentemente da eventual verificação de motivos de interesse público, o Concedente não poderá, para já, lançar mão do resgate (resolução por interesse público), opção de que disporá apenas a partir de 2037”.
Sendo assim, e num quadro em que o Estado queira avançar com a recomendação proposta pela CTI para o desenvolvimento gradual de um novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete e em relação ao qual a concessionária mantenha a sua oposição, que alternativa prevê o contrato de concessão antes dessa data?
O contrato assinado em 2012 estabelece uma opção de saída para o cenário de divergência entre o concedente e o concessionário sobre a futura solução aeroportuária antes do prazo de 25 anos já referido. Nesse cenário, o Estado poderia recuperar o direito de exploração do novo aeroporto, mas ainda assim, este processo pode demorar 4 a 5 anos. Isto se todos os prazos legais fossem esgotados, refere ainda Raquel Carvalho ao Observador. Para além de envolver também o pagamento de uma indemnização à ANA com base nas receitas e cujo valor a comissão técnica não calculou.
Nos termos do contrato de concessão, para o Estado poder vir a implementar livremente uma solução (Alternativa do Concedente) terá de se ter verificado uma de duas circunstâncias:
- Em caso de termo da opção dada à concessionária em que a ANA comunicou não ter capacidade para rever a sua candidatura ao novo aeroporto de Lisboa nos termos solicitados pelo Estado. Este cenário não depende do concedente e “apenas pode acontecer, depois de apresentada a candidatura da concessionária, durante o período de 90 dias para a respetiva apreciação (aprovação provisória ou solicitações adicionais). Assim, considerando os prazos contratuais (esgotados, mas não ultrapassados), não deverá ocorrer antes de 46 meses depois de se desencadear o procedimento do NAL (novo aeroporto de Lisboa). Ou seja, quatro anos.
- Em caso de ausência de aprovação final do NAL pelo Concedente no prazo de 12 meses (ou de 18 meses, em caso de prorrogação) a contar da data da aprovação provisória da candidatura ao NAL. Neste caso, e assumindo que os prazos contratuais são esgotados (mas não ultrapassados), “a verificação do termo da opção implicaria o decurso de, pelo menos, 58 meses — seis meses para o relatório inicial, 30 dias para requerer apresentação de candidatura, 36 meses para apresentação de candidatura, 90 dias para aprovação provisória e 12 meses para aprovação final. Isto sem prorrogações nem pedidos de esclarecimentos.” Só depois decorridas estas fases, e chegado o momento da aprovação final da proposta feita pelo concessionário, sem que tal ocorra pelo concedente é que se verifica o termo da opção. Ou seja, cinco anos.
A Comissão Técnica Independente (CTI) propõe a revisão do contrato de concessão entre o Estado e a ANA, mas a sua coordenadora, Rosário Partidário, já admitiu em várias entrevistas que este contrato é assimétrico, favorecendo a concessionária face ao Estado.