De chinelos calçados, Avelina Ferreira levantou-se da “poltrona” onde tinha sido colocada e saiu pelo próprio pé do Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa. Terá passado pelo marido, que a acompanhou naquela ida ao hospital, depois de dois momentos em que Avelina perdeu os sentidos, e aguardava na sala de espera. A mulher de 73 anos também terá passado por diversos médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde do hospital, mas ninguém deu por ela. Só três horas depois é que se aperceberam de que tinha desaparecido.
Há quase uma semana que ninguém sabe do paradeiro da idosa, a quem foi diagnosticada doença de Alzheimer. Na passada terça-feira, 12 de dezembro, Avelina deu entrada no hospital, no seguimento de uma chamada do marido para o INEM. “Ela tinha desmaiado de manhã e novamente à hora de almoço, e o meu pai começou a achar que podia ser grave”, conta ao Observador a filha, Susana Ferreira.
Avelina acabou por ser levada para o Hospital de São Francisco Xavier, por ser o mais próximo da sua residência, em Linda-a-Velha, tendo chegado “meio inconsciente” numa ambulância.
Passou pela triagem, onde lhe foi atribuída uma pulseira amarela, e “entrou de maca para a zona de observação”. O marido recebeu ordens para aguardar na sala de espera, apesar de “ter dito três vezes — uma na ambulância e outras duas na triagem — que a idosa sofria de demência“, devendo por isso estar acompanhada enquanto esperava pelo acompanhamento médico.
Como estava inconsciente, disseram: ‘Não, o senhor fica na sala de espera e nós damos notícias quando ela for para dentro'”, recorda Susana, repetindo a descrição que o pai lhe fez daquelas horas no hospital.
Em relação ao que se passou lá dentro, desde que Avelina foi vista na triagem do São Francisco Xavier, Susana e o pai só podem contar com a informação que lhes foi transmitida pelo “pessoal médico”. “Disseram-nos que entrou e que, a dada altura, voltou a estar consciente. Nessa altura, como eles precisavam da maca, puseram-na numa poltrona reclinável“, lembrou.
Ao fim de algum tempo, a idosa terá pedido para ir à casa de banho. Não uma, mas duas vezes. “Disseram que não podia ir, pois não havia ninguém para ir com ela. Então, foi sozinha.” O que terá acontecido depois, assume a filha, Susana, é que Avelina tentou regressar ao local onde se encontrava e, não sabendo o caminho, acabou por sair do hospital e rumar a casa.
Durante três horas, ninguém deu pela sua falta. Só às 21h30, quando começava o horário das visitas e o marido foi perguntar por ela, é que os funcionários o encaminharam à sala onde Avelina alegadamente se encontrava. “O meu pai entrou e disse que ela não estava lá“, recorda Susana, que é diretora de marketing da faculdade Nova School of Business and Economics (Nova SBE), em Carcavelos.
Nova SBE. 250 funcionários da faculdade mobilizam-se para procurar mulher desaparecida
“Começaram a revirar o hospital todo, fizeram buscas e não encontraram nada. Só perceberam o que tinha acontecido quando foram ver as câmaras de videovigilância“, lembra.
Os seguranças tiveram de puxar a gravação até às 18h46 para finalmente encontrar a idosa que, de “camisola preta e leggings” vestidas e “chinelos do hospital” calçados, deixou o local pelo seu próprio pé, sem que ninguém a detetasse.
Susana sabia que a mãe não tinha telemóvel nem documentos de identificação, e por isso temeu que lhe acontecesse o pior. Ainda por cima, porque não era habitual a mãe fugir ou desaparecer desta forma.
Não sei se era pela medicação, mas ela até era bastante apática. Ficava sentada e muito quieta. Estava a ser seguida pelo médico de família e pelo neurologista. Não tinha por hábito fugir”, garantiu.
A filha participou imediatamente o desaparecimento à esquadra da Polícia de Segurança Pública (PSP) de Belém e foi vasculhar as imediações do hospital, com a ajuda de alguns médicos e enfermeiros que se voluntariaram. No entanto, esses esforços tiveram todos o mesmo destino: “Nada.”
“Já não sabemos onde procurar”
Há quase uma semana que Susana prometeu que não ia parar de procurar até que a sua mãe fosse encontrada. No entanto, à medida que as horas e dias vão passando, torna-se cada vez mais difícil cumprir com essa promessa.
“Já não temos capacidade para continuar a fazer buscas, até porque já não sabemos onde procurar.” A filha de Avelina, que colocou imediatamente a circular um cartaz com as últimas informações referentes à mãe nas redes sociais, tem seguido todos os indícios que lhe são enviados para o telemóvel. Começou por “virar todas as pedras” da zona de Algés, onde alegadamente a idosa foi avistada na quarta, durante o período da manhã e, novamente, por volta das 18 horas.
Sem resultados, seguiu para a área à beira rio, onde um grupo de jovens, que jantava no restaurante La Siesta, disse ter visto uma “mulher desorientada” a passar. Contudo, quanto mais pistas surgem, mais difícil fica perceber a quantas — e a quais — se deve dar importância.
Já não tenho a certeza se foi real ou uma brincadeira de mau gosto. Ando a receber chamadas de pessoas que estão a gozar com o assunto e já não sei se esse não foi um dos casos”, desabafa Susana.
Apesar disso, Susana vai a todos os locais onde há a mínima suspeita de avistamento. Já percorreu a zona ribeirinha de Caxias até ao Cais do Sodré e tem ido, “de dois em dois dias, ao Instituto de Medicina Legal, para perceber se apareceu algum corpo, e a todos os hospitais de Lisboa com urgências”. Na passada quinta-feira, foi acompanhada por cerca de 250 funcionários da Nova SBE, que suspendeu os serviços administrativos para ir procurar a idosa para o Restelo.
Essas buscas podem ter tido o mesmo desfecho das outras, mas as equipas continuam focadas a ajudar Susana a cumprir com a sua promessa. Filipa Luz, diretora executiva de comunicação da faculdade, explicou ao Observador que foram criados dois grupos de WhatsApp para encontrar Avelina, além da conta de Instagram criada com o mesmo foco.
Um deles, com cerca de 350 membros — entre staff, professores e alunos de mestrado — tem como objetivo a mobilização para as buscas. Já o outro “é mais restrito” e serve para “acompanhar de perto o que a PSP anda a fazer”. Que, segundo Susana, “não é assim grande coisa”.
Dos cães-polícia às buscas com drones: onde anda a PSP?
Susana anda sempre com dois focos quando vai à procura da mãe. Por um lado, deseja encontrar Avelina saudável. Por outro, quer levá-la de volta para ao pé do pai, que já não tem quaisquer esperanças de a ver novamente.
Perante este estado de vulnerabilidade, e com os dias e noites de buscas a pesarem-lhe nas costas, Susana não consegue evitar o crescimento de uma revolta contra a PSP, que, na sua opinião, pouco tem feito para trazer a sua mãe de volta a casa.
“Essencialmente, o que fez foi lançar um alerta nacional e fazer buscas na mata à frente do hospital, com recurso a cães e drones. Depois disso, está só à espera de notícias“, confessa, à porta da esquadra de Belém, onde terá ido perguntar mais informações.
Apesar de a filha de Avelina assegurar que “quando os agentes recebem uma chamada do 112, vão verificar a situação”, considera que devia ter havido um briefing que colocasse todos ao corrente de possíveis avistamentos.
No sábado, passei por um agente que estava na estação de comboios de Algés e perguntei se tinha visto a minha mãe. Ele disse que não sabia de nada e eu perguntei se ele não tinha recebido um e-mail. Foi ver e depois disse: “De facto está aqui”, conta Susana, recordando o contacto com aquele agente. “Portanto, o caso não está centralizado. Deve ter sido um e-mail que circulou, em que alguns leram e outros não.”
O Observador contactou a PSP que disse não ter quaisquer informações relativamente ao paradeiro de Avelina nem a novas buscas que pudessem vir a ser feitas para a encontrar.
Avelina estava “consciente, orientada e colaborante”, garante hospital
A somar à revolta com a PSP, Susana critica ainda a recusa do hospital em responsabilizar-se pelo sucedido. “No próprio dia, o pessoal médico que estava nas urgências admitiu a responsabilidade. No entanto, o comunicado que foi depois publicado já não é tão claro quanto a esse assunto.”
A nota emitida pelo Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental a 14 de dezembro, a que o Observador teve acesso, dá conta da “entrada da utente Sra. Dr.ª Avelina Ferreira” e da sua “saída pelo próprio pé no mesmo dia [12 de dezembro], enquanto aguardava observação médica”.
O comunicado, que o centro hospitalar partilhou com o Observador esta segunda-feira, nos mesmos tempos do inicial, assegura que “foi registado no processo clínico o bom estado geral da senhora e, por outro lado, o facto de estar, no momento de interação, consciente, orientada e colaborante com os profissionais”.
Ela estava consciente e responsiva, sim. Mas uma pessoa com demência não está totalmente bem, certo? Não pode ser deixada assim sem vigilância”, aponta Susana, perante estas alegações.
O centro hospitalar garante ainda que “foram feitos os procedimentos habituais” quando foi confirmado o seu desaparecimento, nomeadamente a “visualização das imagens de videovigilância, reporte ao posto local de PSP e averiguação em todas as instalações do próprio hospital”.
Questionado sobre por que razão a paciente estava sozinha, quando a equipa médica tinha sido informada de que sofria de demência, o centro hospitalar remete para o mesmo comunicado.
Buscas continuam com foco nos apelos e na comunidade sem-abrigo
Farta de não obter respostas quando pergunta por informações da mãe, Susana decidiu recorrer a outros meios para encontrar Avelina. Desde domingo à noite que anda, juntamente com os voluntários da Nova SBE, a acompanhar carrinhas de apoio à comunidade sem-abrigo.
“Coordenámo-nos com algumas associações que distribuem agasalhos e comida e estivemos a falar com os sem-abrigo para perceber se algum a viu ou se a ajudou”, contou.
Susana e as equipas admitem que Avelina possa já não estar com a roupa com que saiu do hospital, tendo sido ajudada por alguém que lhe deu algo mais quente para suportar o frio. Por isso, é nas comunidades sem-abrigo que concentram os seus esforços, assim como nas redes sociais.
Queremos sensibilizar o máximo de pessoas para que, se virem alguma mulher numa situação meio bizarra, que pareça desorientada, sinalizem na polícia e nos bombeiros”, apelou.
“Por outro lado, também queremos que estejam atentos às praias ou à mata, para perceber se aparece algum sinal. Nos hospitais e na cidade acho difícil, porque já varremos tudo”, assegura.