O frente a frente entre o líder da Aliança Democrática (AD) e o porta-voz do Livre decorreu numa lógica de “concordar em discordar”, num debate calmo em que as diferenças ideológicas dos dois partidos não passaram despercebidas. O ponto principal de discórdia deu-se nas medidas para os jovens, com a AD a propor a baixa do IRS para jovens e com o Livre a apelar ao estudo de uma herança social que equilibre à nascença a balança social de quem nasce sem a oportunidade de realizar projetos e sonhos.

O debate começou com o porta-voz do Livre a afirmar que “é obrigação de todos os partidos democráticos terem o consenso mais amplo possível”. “É o maior presente que podemos dar ao nosso país no 25 de abril”, afirmou. Garantiu que é preciso “defender o país de autoritarismos“, lembrando que “não é preciso inventar a roda”. “Devemos ter consenso para investimento público na área da Justiça”, defende, apontando à aposta na digitalização da Justiça e da melhoria das condições de trabalho dos oficiais de Justiça”. O porta-voz do Livre mencionou ainda a importância de prevenir a corrupção em vez de a resolver à posteriori, dando exemplos europeus de países em que a prevenção evita a prática.

Luís Montenegro também admitiu os problemas da Justiça e lamentou a morosidade sobretudo nos processo cíveis. Ainda assim, recordou as melhorias introduzidas pelo Governo de Pedro Passos Coelho nessa matéria, que conseguiu diminuir o número de pendências e o tempo. Desafiado a dizer se se sente condicionado em implementar uma reforma na Justiça em virtude do que está a acontecer Madeira, Montenegro rejeitou tal ideia. “Não tem nada que ver com isso. Não me sinto manietado de maneira nenhuma.” Sobre um eventual pacto com o PS, Montenegro foi claro: o ideal é existir um debate alargado entre os vários partidos a seguir às eleições (não antes) e a inclusão dos operadores do sistema de Justiça.

Ainda no quadro da corrupção, Rui Tavares admitiu a necessidade de resolver a  criminalização do enriquecimento ilícito e a sua inconstitucionalidade. O porta-voz do Livre diz que é um “trabalho que é preciso fazer” e pede “um grande debate nacional que não se esgote nos partidos”. Classificou a Justiça portuguesa como “muito hierárquica e até arrogante” e propôs uma aposta grande nos Julgados de Paz, que considera que funcionam de “forma muito mais humana e célere”. Segundo o porta-voz do Livre, “o populismo convenceu de que é tudo bandido”, mas recorda que os países que aparecem nas estatística como menos corrupção são os que a previnem. Criticou ainda a “obtenção abusiva de dados de pessoas e famílias” proposta pelo Chega, nomeando diretamente o partido.

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O líder da AD reconheceu a dificuldade em criminalizar o enriquecimento ilícito, mas insistiu na “procura de uma solução”. De seguida, foi desafiado pela moderadora a explicar a proposta da Aliança Democrática para as pensões. Montenegro começou por frisar que um futuro governo por ele liderado vai “atualizar as pensões de acordo com o que está previsto na lei”, fazendo um remoque PS, que se preparava para cortar “mil milhões de euros no sistema das pensões”. Apesar de tudo, continuou o líder social-democrata, “não há dinheiro” para fazer equivaler todas as pensões ao salário mínimo. Por isso, propõe a AD, é possível “ser socialmente justo indo às pensões mínimos dando-lhe um complemento para que o rendimento que perfaça os 820 euros”.

Sobre as pensões, Rui Tavares disse que “há que assegurar que tratamos com Justiça quem contribuiu para a Segurança Social”, em relação ao reforço de pensões. Assinala ainda o “desígnio de erradicar a pobreza como fenómeno estrutural no nosso país”, que nasceu no 25 de abril. Propõe, assim, que os rendimentos aos idosos sejam reforçados “através do Complemento Solidário dos Idosos”. Depois dos mais velhos, virou-se para os mais novos, falando na necessidade de estudar a criação de uma herança social.

“Uma pessoa entre os 18 e 35 anos que não vem de uma família rica e que não tem dinheiro para fundar uma pequena empresa ou completar um ciclo de estudos pode ter uma herança social em que através de certificados de aforro ou taxas a grandes heranças tenha um depósito à nascença”. O objetivo é que ninguém possa nascer tão pequeno “que não possa sonhar em grande”.

A grande divisão no frente a frente surgiu a partir daqui, com Montenegro a assegurar que não se revê na proposta do Livre. “Temos uma conceção diferente daquilo que é possível fazer por esta faixa etária entre os 18 e os 35 anos. É precisamente para esse que propomos uma taxa máxima de IRS de 15%, o que significa pagar um terço do IRS que se paga hoje, sejam jovens casais ou pessoas individuais”, assinalou o líder da AD. E assinalou a proposta de isenção do IMT e imposto de selo na compra da primeira aquisição e a garantia, por parte do Estado, “na parte sobrante do empréstimo bancário” para a habitação.

Neste último ponto, Montenegro criticou a proposta do PS, comparando-a à do Chega, e dizendo que ter o Estado como “fiador a 100%” nos empréstimos bancários vai ter um “impacto no preço”. Para o líder do PSD é um duplo erro porque vai provocar o aumento do preço das casas e porque vai aumentar a exposição do Estado a eventuais crises.

No contraponto, Tavares considera que a AD não está a pensar nos jovens quando propõe a medida da taxa máxima de 15% no IRS uma vez que “os jovens que ganham menos de 1000 euros não serão abrangidos pela medida”. O deputado único apontou também a produtividade como o “principal problema da nossa economia” e defendeu “que o problema é da alocação de capital e do investimento público e não do trabalhador português.

Enunciou mais uma vez as vantagens da semana de quatro dias de trabalho, mencionando que em 2025 com os feriados existentes é possível fazer um teste generalizado a este modelo. Medida sobre a qual Montenegro mostra reservas e reconhece que é um objetivo fundamental para o país “ter capacidade de reter os nossos jovens e de evitar que vão à procura de uma oportunidade no estrangeiro e não regressam”.

Ainda assim, o líder social-democrata não esconde algumas reservas sobre a aplicabilidade prática da semana de quatro dias. Para Montenegro,  “vale a pena explorar” a solução “de uma forma facultativa e de uma forma que possa ser conciliável com a natureza das empresas.” Apesar de tudo, e citando vários exemplos internacionais, Montenegro diz que em muitos casos o que aconteceu foi que as pessoas “aproveitarem a oportunidade de terem menos dias de trabalho para terem um segundo emprego”. Ou seja, para Montenegro é prioritário encarar esse problema pelo lado da valorização dos salários e só depois estudar soluções como a semana de quatro dias. “Não podemos querer tudo ao meu tempo”, conclui.

Diálogo Mais Revelador:

Rui Tavares: “Queremos estudar durante este ano, alargadamente, com a Segurança Social, com peritos e com a academia a instituição de um sistema de herança social. Significa que poderíamos através de certificados de aforro ou através de um imposto sucessório sobre grandes heranças, heranças acima de 1 milhão de euros, ter o montante necessário para que todas as crianças e jovens fazem parte da comunidade de todos nós. A ideia é poder depositar à nascença de um bebé no nosso país 5 mil euros para que depois com 18 a 35 anos possa aceder a esse dinheiro porque isso significa para muita gente aquilo que alguns têm a sorte de ter na vida, como uma herança inesperada e com ela poder cumprir os seus sonhos. O Livre acredita que o Estado Social serve para isso. Que ninguém é tão pequeno e ninguém nasce em condições tão desfavorecidas que não possa não só sonhar em grande como ter a hipótese de ser ajudado por todos nós, e todos beneficiamos com isso. 

Luís Montenegro: “Aqui temos uma divergência. Não acompanhamos o Livre nesta proposta por várias razões, temos uma conceção diferente daquilo que é possível fazer por esta faixa etária entre os 18 e os 35 anos. É precisamente para esse que propomos uma taxa máxima de IRS de 15%, o que significa pagar ⅓ do IRS que se paga hoje, sejam jovens casais ou pessoas individuais. Propomos simultaneamente a isenção de IMT e imposto de selo na compra da primeira habitação e que o Estado atue como garante, oferecendo uma garantia pública na parte sobrante do empréstimo bancário para a aquisição de casa por parte da entidade bancária endossado o valor que não é permitido às pessoas que se candidatam. O que quer dizer que, imagine-se que alguém compra uma casa por 100 mil euros, o banco só empresta 80 ou 85% desse valor, se ele não tiver os outros 15% não vai conseguir desenvencilhar-se, porque lhe falta a parte sobrante e ainda o valor para pagar os impostos. Nesse aspecto olhamos para o apoio que esta faixa etária reclama de outra maneira. O Estado a dar a garantia por um lado e impostos mais baixos. Aquilo que provoca um risco grande é a proposta que curiosamente parece que junta o PS e o Chega em que o Estado aparece a dar uma garantia integral do capital que está a ser solicitado à entidade bancária. Se o Estado começar a ser o fiador de 100% vai haver um impacto no preço, que aumento em valores exponencialmente. Nem um nem outro que fizeram esta proposta tem zeros suficientes na sua cabeça para imaginar esse aumento. 

Rui Tavares: “Deixe-me responder a Luís Montenegro. Parece-me que a AD não está a pensar nos jovens realmente existentes com a proposta da taxa máxima de 15%, exceto os rendimentos mais altos. A maior parte dos jovens em Portugal não chegam a ganhar  mil euros e portanto não serão cobertos por esta medida”. 

Luís Montenegro: “São são, esses pagam 15% de imposto e com este imposto passam a pagar um terço disso que é 5%”.

Rui Tavares: “Estes jovens estão a ser esquecidos, porque no fundo estão a auxiliar os que já ganham mais. Além da injustiça que é uma pessoa de 35 anos que ganha bastante mais e uma de 36 que ganha menos, ter uma taxa que ganha menos que a anterior”.