Artur Cordeiro, juiz presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, elogia os “bons resultados” que a “especialização trouxe par os tribunais judicias com a reforma de 2014” e defende, em entrevista ao programa “Justiça Cega” da Rádio Observador, a criação de um tribunal de julgamento próprio para os megaprocessos que tratam da criminalidade mais complexa.

“72 horas para medidas de coação é redutor”

“A especialização permitiu que os juízes afetos a determinadas áreas despachassem mais rapidamente e com maior ponderação os processos que lhes são afetos. Esse modelo poderia ser pensado também para a criminalidade económico-financeira” e outros crimes igualmente complexos, afirma.

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Ou seja, o juiz Artur Cordeiro defende que deve ser concluída a arquitetura jurídica iniciada em 1999 com a criação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e do Tribunal Central de Instrução Criminal, promovendo-se a criação de um um tribunal de julgamento que julgará os casos instruídos pelo Ticão.

O académico Nuno Garoupa defendeu recentemente no “Justiça Cega” uma solução semelhante. Garoupa é um grande defensor há muitos anos da criação de um tribunal de julgamento semelhante à Audiencia Nacional espanhola.

“Justiça não é eficiente mas é independente”

Questionado com as críticas de inconstitucionalidade que vários juristas sempre levantaram contra essa hipótese, por vida da proibição constituição de se constituírem tribunais especiais (uma referência aos tribunais plenários da ditadura salazarista), Artur Cordeiro refuta as mesmas.

“É tudo uma questão de organização judiciária. Ninguém põe em causa que existam dois coletivos na Central Criminal afetos apenas a realizarem julgamentos sobre casos militares. E porque não termos o mesmo para a criminalidade altamente complexa e independente dos crimes?”, questiona, retoricamente o magistrado judicial.

Em jeito de balanço sobre ao fusão que foi promovida pelo Governo PS do Tribunal Central de Instrução Criminal e o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa, Artur Cordeiro alerta para a necessidade de “termos de repensar” o modelo que foi criado.

“Os colegas passaram a ter dificuldades muito significativas porque têm de misturar o trabalho normal do antigo TIC de Lisboa” com os processos mais complexos que vêm do DCIAP e que antes eram apenas instruídos pelo Tribunal Central de Instrução Criminal. Estes últimos “são de uma complexidade que não têm comparação” com os do TIC de Lisboa, o que tem provocado muitos obstáculos em termos de organização de trabalho.

Estudo sobre megaprocessos. “Tempo médio de 8 anos é socialmente inadmissível”

A entrevista no “Justiça Cega” teve como mote o estudo que o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa realizou sobre a morosidade dos megaprocessos. Tendo como base um universo de 125 processos distribuídos para julgamento entre 2013 e setembro de 2023, os autores do estudo (técnicos especialistas do Gabinete de Apoio aos Magistrados Judiciais da Comarca de Lisboa) retiraram várias conclusões:

  • Dos 125 processos, 68 transitaram em julgado (cerca de 54%) e 57 (cerca de 46%) ainda não transitaram em julgado;
  • Dos processos que já transitaram em julgado, o tempo médio de resolução é 8 anos e 1 mês, verificando­-se que 57% (39) duraram entre 2 a 8 anos. E 6% dos processos demoraram mais de 15 anos a transitar em julgado.
  • Em termos de fase de inquérito, 132 processos tiveram uma duração média de duração de 3 anos e 8 meses.
  • Dos processos que não transitaram ainda em julgado, o tempo médio de resolução já vai em 9 anos e 3 meses, sendo que 54% desses processos estão no intervalo entre 8 a 12 anos

Questionado, o juiz presidente Artur Cordeiro diz que “não é socialmente aceitável” que os megaprocessos durem cerca de 8 anos, enquanto que os processos da justiça comum têm um tempo médio de resolução entre 1 a 2 nos. “Os cidadãos esperam — especialmente quando há uma grande mediatização dos casos — uma resolução da justiça” célere.

Daí que o magistrado pense que “é socialmente inadmissível para os visados” devido à perceção que existe sobre a sua alegada culpabilidade e para os restantes cidadãos que “podem estar enganados” sobre o que está em causa. “Juridicamente é possível porque os processos só duram esse tempo porque o direito o permite”, conclui.

Artur Cordeiro diz que o Conselho Superior da Magistratura “está a organizar vários grupos de estudo no sentido de encontrar novas formas de organização” e outras soluções para combater a morosidade processual dos megaprocessos.

Uma das possíveis soluções prende-se com novos métodos de trabalho que terão de assentar na digitalização total do processo penal. “Os métodos de trabalho que existem pertencem ao século XX ou XIX e baseiam-se no trabalho com papel, papel, papel, papel”, diz.

Contudo, acrescenta o juiz, “a digitalização é muito mais do que a desmaterialização. Ou seja, não basta acabar com o papel. É preciso fazer da digitalização toda uma nova de forma de organizar o processo, de ter plataformas de gestão processual” e de, entre outras possíveis soluções, ter ferramentas de pesquisa de todos os documentos que estão no processo.

Por exemplo, o julgamento do caso do Universo Espírito Santo que irá iniciar-se em maio já terá uma nova forma de apresentação da prova em audiência de julgamento, organizada por uma nova estrutura criada pelo Conselho Superior da Magistratura.

“O primeiro objetivo é desmaterialização do processo para que o julgamento ser mais facilitado e viabilizado. Esse julgamento [do Universo Espírito Santo] contará com meios eletrónicos para que a prova seja produzida e para que a prova seja exibida, contraditada e apreciada.”